*Anderson Paes | www.twitter.com/andersonpaes
O sol vai se pondo e estou quase em casa. De volta a Tubarão. Nasci nessa cidade do sul de Santa Catarina, no início dos anos oitenta. De lá pra cá muita coisa mudou – mas não nos últimos anos. Foram quase dois anos fora e quando chego vejo as obras ainda atrasadas da BR-101, o excesso de carros na principal avenida da cidade e umas poucas pessoas que ainda reconheço nas ruas.
Uns três mercados, o shopping e o ex-shopping ainda figuram no centro. Nas ruas de cá, malabaristas no semáforo. Disseram-me por aqui que agora temos mais do que o velho nada para fazer a noite, mas a cidade nunca foi da noite – deve ser o mesmo lugar com novo nome. Melhor ir ver de perto – mas sem pressa. Também contaram que houve algumas mudanças na política, desde as últimas eleições. Mas a cidade também nunca foi muito disso. O que me levou a pensar: Se nem os nomes mudaram...
Tudo na mais perfeita mesmice, não fosse o fato de acordar todas as manhãs ao som Carlos Gardel – que algum vizinho colocava por volta das 9h. Um bom modo de acordar. Depois de uns dias de tango, encontrei um novo lugar para morar. No centro, agora com uma trilha mais mecânica – a das construções por perto. Muda-se a trilha e o jeitão da vizinhança. Aqui ainda é a de um bairro residencial de uma cidade pequena. Outra noite um vizinho gritava:
— Ah! Vai chover chumbinho. Cala a boca...
Tudo isso por causa de um pequeno cachorro que não parava de latir do lado de lá da rua. Pobre cachorro, apenas latia naturalmente. Algumas pessoas se incomodam com tão pouco e esquecem o que realmente pode mudar a vida. Com uma vizinhança assim, poderia esperar mudanças significativas para a terra amada e bendita Tubarão?
Quem sabe quando as pessoas começarem a ter acesso às novas culturas ou encontrarem novas identidades – sem esquecer do bom senso e tolerância que faz uma “grande” cidade. “Mas é mais fácil ir embora do que mudar as coisas” – alguns insistem. Mas... mas sempre há espaço para novas ideias, novas cabeças, para amar e mudar as coisas – como na música de Belchior –, e outras canções para se ouvir.
sexta-feira, julho 31, 2009
quinta-feira, julho 30, 2009
As tetas do senador
*Eduardo Daniel | www.twitter.com/eduardosdaniel
Detalhe da Lupa Capitolina, loba que supostamente
amamentou Rômulo e Remo
As figuras de túnicas, togas e chinelos retratadas nos filmes épicos sobre o Império Romano, nos permitem uma transmutação ao, em latim, senatus. O senado mater, que teve como origem os conselhos dos anciões, é a mais antiga assembléia política de Roma. A etimologia da palavra senado tem na genética o termo senex, que significa: velho, idoso.
Enéas foge da Guerra de Tróia e vai matar sua sede por mulheres desposando a filha do rei do Lácio. Desta investida nasce Ascânio, fundador de Alba Longa. Anos mais tarde, é seu filho, Numitor, quem reina no império até ser deposto pelo irmão Amúlio.
Amúlio obriga a princesa Réia Sílvia a tornar-se uma Vestal (sacerdotisa virgem) e a fazer o voto de castidade. Enamorada de alguém ao qual a mitologia romana suspeitosamente chama de deus Marte, Réia Sílvia comete um decoro e quebra os votos virginais.
Deste ato secreto e sacana nascem os gêmeos Rômulo e Remo. O rei Amúlio, possesso, ordena a morte dos pequenos italianinhos, mas o servo destinado ao sacrifício tem pena das crianças e antecipando algum conto de fadas moderno, as lança nas águas do Rio Tibre. Entre os montes Palatino e Capitolino, nas margens do Rio Velabro, a cesta com os irmãos é encontrada.
Ao contrário do que nos ensina a história maquiada, é provavelmente uma prostituta e não uma loba que amamenta Rômulo e Remo. Na época, as donas da profissão mais antiga da humanidade eram chamadas de lupa, expressão retirada de lupanar (bordel). É possível, portanto, que tenha sido uma meretriz a oferecer suas tetas fartas para os irmãos se locupletarem. Curiosamente, o nome da estátua da loba com Rômulo e Remo é Lupa Capitolina.
Depois desta calorosa e tentadora acolhida, o pastor Fáustulo os encontra e junto com a esposa Aca Larência cria Rômulo e Remo como filhos.
Quando os gêmeos descobrem a nobre origem, retornam a Alba Longa, matam Amúlio e devolvem o trono ao avô Numitor. No local, os irmãos decidem fundar outra cidade. Após uma disputa terrível, Rômulo derrota Remo e batiza de Roma, uma corruptela do seu próprio nome, a capital da Itália.
Cerca de três milênios se passaram, mas os velhinhos e vovôs continuam com a política patriarcal no senado brasileiro, tal como era nos primórdios romanos.
Cerca de três mil anos depois, tem um senador imortal, dono de muitas tetas e protetor de muitos Rômulos e Remos, acusado de desviar recursos, empregar protegidos e parentes, que batiza ruas, cidades, hospitais, praças, etc, com o seu sobrenome, imune e tranquilo em um Estado nordestino aonde sua família milionária é dona de quase tudo e a unidade federativa é a líder nacional em subdesenvolvimento.
Coincidentemente, a pizza tão apreciada ao final de toda CPI (Calabresa, Portuguesa, Italiana, como diria Zé Simão), é outra herança marcante que os habitantes da “velha bota” trouxeram para o paraíso subequatorial.
Detalhe da Lupa Capitolina, loba que supostamente
amamentou Rômulo e Remo
As figuras de túnicas, togas e chinelos retratadas nos filmes épicos sobre o Império Romano, nos permitem uma transmutação ao, em latim, senatus. O senado mater, que teve como origem os conselhos dos anciões, é a mais antiga assembléia política de Roma. A etimologia da palavra senado tem na genética o termo senex, que significa: velho, idoso.
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Amúlio obriga a princesa Réia Sílvia a tornar-se uma Vestal (sacerdotisa virgem) e a fazer o voto de castidade. Enamorada de alguém ao qual a mitologia romana suspeitosamente chama de deus Marte, Réia Sílvia comete um decoro e quebra os votos virginais.
Deste ato secreto e sacana nascem os gêmeos Rômulo e Remo. O rei Amúlio, possesso, ordena a morte dos pequenos italianinhos, mas o servo destinado ao sacrifício tem pena das crianças e antecipando algum conto de fadas moderno, as lança nas águas do Rio Tibre. Entre os montes Palatino e Capitolino, nas margens do Rio Velabro, a cesta com os irmãos é encontrada.
Ao contrário do que nos ensina a história maquiada, é provavelmente uma prostituta e não uma loba que amamenta Rômulo e Remo. Na época, as donas da profissão mais antiga da humanidade eram chamadas de lupa, expressão retirada de lupanar (bordel). É possível, portanto, que tenha sido uma meretriz a oferecer suas tetas fartas para os irmãos se locupletarem. Curiosamente, o nome da estátua da loba com Rômulo e Remo é Lupa Capitolina.
Depois desta calorosa e tentadora acolhida, o pastor Fáustulo os encontra e junto com a esposa Aca Larência cria Rômulo e Remo como filhos.
Quando os gêmeos descobrem a nobre origem, retornam a Alba Longa, matam Amúlio e devolvem o trono ao avô Numitor. No local, os irmãos decidem fundar outra cidade. Após uma disputa terrível, Rômulo derrota Remo e batiza de Roma, uma corruptela do seu próprio nome, a capital da Itália.
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Cerca de três mil anos depois, tem um senador imortal, dono de muitas tetas e protetor de muitos Rômulos e Remos, acusado de desviar recursos, empregar protegidos e parentes, que batiza ruas, cidades, hospitais, praças, etc, com o seu sobrenome, imune e tranquilo em um Estado nordestino aonde sua família milionária é dona de quase tudo e a unidade federativa é a líder nacional em subdesenvolvimento.
Coincidentemente, a pizza tão apreciada ao final de toda CPI (Calabresa, Portuguesa, Italiana, como diria Zé Simão), é outra herança marcante que os habitantes da “velha bota” trouxeram para o paraíso subequatorial.
Tirou da reta
*Eduardo Daniel | www.twitter.com/eduardosdaniel
Eu não votei para reeleger o Lula, mas ele é sim problema meu também, assim como de todos que não votaram nele. Por sinal, tirando o dele da reta, o Lula coloca os citados na alça de mira de quem votou neles. Caras pintadas, cadê vocês?
'Não é problema meu', diz Lula sobre crise do Senado
Presidente diz que não cabe a ele decidir permanência de Sarney na Casa.'Eu não votei para eleger Sarney presidente do Senado', afirmou em SP.
“Não é problema meu. Eu não votei para eleger Sarney presidente do Senado, nem votei para ele ser senador no Maranhão, nem votei no Temer, nem votei no Arthur Virgílio, não votei para ninguém. Votei nos senadores de São Paulo. Quem tem que decidir se ele continua presidente do Senado é o Senado, não sou eu", afirmou Lula. (Fonte: G1)
Eu não votei para reeleger o Lula, mas ele é sim problema meu também, assim como de todos que não votaram nele. Por sinal, tirando o dele da reta, o Lula coloca os citados na alça de mira de quem votou neles. Caras pintadas, cadê vocês?
terça-feira, julho 28, 2009
Felipe Massa e a minha Caloi
*Eduardo Daniel | www.twitter.com/eduardosdaniel
— Freia! Vem um carro!
Lembro da face transfigurada em terror e da voz gutural e angustiada, como tivesse saída de um sonho ruim, de meu primo Samuel, na esquina da Rua Paulo Luiz Gomes com a Ferreira Lima, naquele fim de tarde de um sábado perdido nos inesquecíveis anos 80.
Saíamos da casa da nossa avó, a dona Mafalda, típica descendente de italianos. Sua casa e ela ainda sobrevivem aos tempos e a modernidade que se apossou da Paulo Luiz Gomes, no Bairro Santo Antonio de Pádua, em Tubarão. A ameixeira do fundo do quintal não existe mais, mas o galinheiro e o pomar, embora hoje pareçam infinitamente menores, estão lá para contar a história.
Era um sábado de verão na década aonde nasceu e morreu minha infância. A gente se dava ao luxo de “sumir” por uma tarde inteira, sem nossos pais sofrerem um ataque de pânico. À noite, debaixo dos postes, o espetáculo das carochas pintava as ruas de chão (maioria no meu bairro) de preto.
O dia estava por terminar. Eu ia para minha casa e meu primo dormiria com minha avó. Despedia-me do cheiro do café que só o dela tem, a maneira de cortar o pão d’água, em várias fatias no sentido comprido da massa, talvez para saborear ainda mais a margarina que parecia ter apenas na casa dela, o sol enfraquecido pelas cortinas alvas das duas janelas da cozinha e da água na caneca de metal do filtro de barro que ainda hoje tem serventia em cima da sua antiga pia.
Cada um montou como cavaleiro em sua bicicleta. Duas Calois. Meu primo venceu primeiro o portão entrecortado pelo muro baixo tomado por “unhas de gato” e disparou rumo à esquina.
Sai atrás, sem respirar, da mesma forma que um Kamikaze se atirava contra um porta-aviões dos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial. No cruzamento, Samuel para bruscamente. As rodas de sua bicicleta derrapam. Ele olha para trás e me vê crescendo rumo à morte.
— Freia! Vem um carro!
Estava perto demais. Tentei parar, mas a bicicleta ainda lutou contra as leis da física por alguns instantes. O suficiente para me colocar de corpo inteiro no meio do automóvel que surgia para me devorar. Engoli em seco e com sangue frio dei mais uma pedalada. O necessário para deixar apenas a roda traseira na mira do pára-choque furioso.
Voei uns dez metros, dando voltas abandonado pela gravidade. Nestes segundos vi o céu azul entrecortados por carneiros travestidos de nuvens e as casas que até hoje estão lá como testemunhas mudas do acidente.
Ao cair, tive apenas a vontade antagônica de me levantar. Bati com as mãos em meu corpo esguio de criança, como que recontando os ossos e nada de errado encontrei. Estava descalço. Fui à caça dos chinelos e ao reencontrá-los foi que vi o único ferimento: um arranhão no metatarso do meu pé esquerdo.
A motorista do veículo, que meus precários conhecimentos automobilísticos imberbes não me permitiram registrar, saltou em estado de choque. Queria a todo custo me levar ao hospital. Como qualquer criança minha preocupação era outra: esconder da mãe. Por isso neguei ajuda (e nem precisava).
Fosse hoje certamente ela chamaria os bombeiros, mas estávamos nos politicamente – e melhores – incorretos anos 80.
Meu primo estava ali, parado, assustado. Eu devia tremer muito e estar branco como as folhas imaculadas de um caderno de desenhos, mas do meu estado físico não lembro. Ainda hoje posso ver a bicicleta transformada em uma meia Lua, atirada no paralelepípedo irregular da Ferreira Lima.
Tratei de juntá-la e dispensei meu primo. Tinha medo que minha mãe soubesse. Apenas eu e minha irmã conhecemos o poder de seu beliscão no bíceps. A todo custo levei minha Caloi para casa. Como todo bom garoto da época, tinha um amigo mais velho, vizinho da frente, a quem pedi socorro para concertar o estrago na “magrela”.
Forçando daqui, forçando dali, eu e o Rodrigo conseguimos dar uma tapeada. Olhei para os dois lados da rua umas cinco vezes antes de atravessar, tentando segurar o coração que teimava em pular no meu peito. Treinava tudo o que poderia dizer para minha mãe a fim de dissuadi-la do acontecido.
Ela veio ao meu encontro no portão. Primeiro com um ar extremamente preocupado:
— O que aconteceu Dudu?
— Nada mãe, eu cai e entortei um pouco a bicicleta... – respondi segurando meus ossos que sacudiam e vi sua preocupação se transformar em ira.
— Eu sei que tu foi atropelado!
O roxo do beliscão por eu ter mentido deve ter ficado no braço por mais tempo e doeu mais do que o arranhão no pé esquerdo. Ainda não entendi como, em uma época sem telefone em nenhuma das duas casas, minha mãe ficou sabendo do atropelamento antes que eu chegasse. Meu primo contou para minha avó, mas como contaram para a dona Adelair, para mim, segue um mistério.
Imagino a mãe do piloto brasileiro Felipe Massa, a dona Ana Elena Massa, distraída até ouvir o nome de seu filho envolvido em um acidente no treino da última corrida pela Fórmula 1. Depois as notícias vão se tornando mais densas e o clima em sua residência deve ter se tornado sólido ao ponto de ser tocado com as mãos.
Certamente ela gostaria de ver o filho sem nenhum arranhão e tasca-lhe um belo beliscão, morrendo de vontade de dar-lhe um demorado abraço de alívio.
Lembrei desta minha história, porque muitos não acreditam nos detalhes que conto. Duvidam que o atropelamento foi realmente cinematográfico. Daqui 20 anos vamos contar a quem não viveu esse 2009 o que aconteceu com o Felipe Massa e poucos também irão acreditar no simples, porém grave acidente que sofreu o ferrarista.
Duvidarão com mais força, porque o Massa deve sair dessa sem quaisquer seqüela e ainda há de tornar-se campeão mundial.
Mas garanto que assim como o espetacular acidente envolvendo Felipe Massa, o meu também teve um dedinho de ajuda para poder estar aqui hoje escrevendo estas linhas.
As casas do cruzamento, o paralelepípedo e a terra da estrada de chão estão lá até hoje para não me deixarem mentir.
— Freia! Vem um carro!
Lembro da face transfigurada em terror e da voz gutural e angustiada, como tivesse saída de um sonho ruim, de meu primo Samuel, na esquina da Rua Paulo Luiz Gomes com a Ferreira Lima, naquele fim de tarde de um sábado perdido nos inesquecíveis anos 80.
Saíamos da casa da nossa avó, a dona Mafalda, típica descendente de italianos. Sua casa e ela ainda sobrevivem aos tempos e a modernidade que se apossou da Paulo Luiz Gomes, no Bairro Santo Antonio de Pádua, em Tubarão. A ameixeira do fundo do quintal não existe mais, mas o galinheiro e o pomar, embora hoje pareçam infinitamente menores, estão lá para contar a história.
Era um sábado de verão na década aonde nasceu e morreu minha infância. A gente se dava ao luxo de “sumir” por uma tarde inteira, sem nossos pais sofrerem um ataque de pânico. À noite, debaixo dos postes, o espetáculo das carochas pintava as ruas de chão (maioria no meu bairro) de preto.
O dia estava por terminar. Eu ia para minha casa e meu primo dormiria com minha avó. Despedia-me do cheiro do café que só o dela tem, a maneira de cortar o pão d’água, em várias fatias no sentido comprido da massa, talvez para saborear ainda mais a margarina que parecia ter apenas na casa dela, o sol enfraquecido pelas cortinas alvas das duas janelas da cozinha e da água na caneca de metal do filtro de barro que ainda hoje tem serventia em cima da sua antiga pia.
Cada um montou como cavaleiro em sua bicicleta. Duas Calois. Meu primo venceu primeiro o portão entrecortado pelo muro baixo tomado por “unhas de gato” e disparou rumo à esquina.
Sai atrás, sem respirar, da mesma forma que um Kamikaze se atirava contra um porta-aviões dos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial. No cruzamento, Samuel para bruscamente. As rodas de sua bicicleta derrapam. Ele olha para trás e me vê crescendo rumo à morte.
— Freia! Vem um carro!
Estava perto demais. Tentei parar, mas a bicicleta ainda lutou contra as leis da física por alguns instantes. O suficiente para me colocar de corpo inteiro no meio do automóvel que surgia para me devorar. Engoli em seco e com sangue frio dei mais uma pedalada. O necessário para deixar apenas a roda traseira na mira do pára-choque furioso.
Voei uns dez metros, dando voltas abandonado pela gravidade. Nestes segundos vi o céu azul entrecortados por carneiros travestidos de nuvens e as casas que até hoje estão lá como testemunhas mudas do acidente.
Ao cair, tive apenas a vontade antagônica de me levantar. Bati com as mãos em meu corpo esguio de criança, como que recontando os ossos e nada de errado encontrei. Estava descalço. Fui à caça dos chinelos e ao reencontrá-los foi que vi o único ferimento: um arranhão no metatarso do meu pé esquerdo.
A motorista do veículo, que meus precários conhecimentos automobilísticos imberbes não me permitiram registrar, saltou em estado de choque. Queria a todo custo me levar ao hospital. Como qualquer criança minha preocupação era outra: esconder da mãe. Por isso neguei ajuda (e nem precisava).
Fosse hoje certamente ela chamaria os bombeiros, mas estávamos nos politicamente – e melhores – incorretos anos 80.
Meu primo estava ali, parado, assustado. Eu devia tremer muito e estar branco como as folhas imaculadas de um caderno de desenhos, mas do meu estado físico não lembro. Ainda hoje posso ver a bicicleta transformada em uma meia Lua, atirada no paralelepípedo irregular da Ferreira Lima.
Tratei de juntá-la e dispensei meu primo. Tinha medo que minha mãe soubesse. Apenas eu e minha irmã conhecemos o poder de seu beliscão no bíceps. A todo custo levei minha Caloi para casa. Como todo bom garoto da época, tinha um amigo mais velho, vizinho da frente, a quem pedi socorro para concertar o estrago na “magrela”.
Forçando daqui, forçando dali, eu e o Rodrigo conseguimos dar uma tapeada. Olhei para os dois lados da rua umas cinco vezes antes de atravessar, tentando segurar o coração que teimava em pular no meu peito. Treinava tudo o que poderia dizer para minha mãe a fim de dissuadi-la do acontecido.
Ela veio ao meu encontro no portão. Primeiro com um ar extremamente preocupado:
— O que aconteceu Dudu?
— Nada mãe, eu cai e entortei um pouco a bicicleta... – respondi segurando meus ossos que sacudiam e vi sua preocupação se transformar em ira.
— Eu sei que tu foi atropelado!
O roxo do beliscão por eu ter mentido deve ter ficado no braço por mais tempo e doeu mais do que o arranhão no pé esquerdo. Ainda não entendi como, em uma época sem telefone em nenhuma das duas casas, minha mãe ficou sabendo do atropelamento antes que eu chegasse. Meu primo contou para minha avó, mas como contaram para a dona Adelair, para mim, segue um mistério.
Imagino a mãe do piloto brasileiro Felipe Massa, a dona Ana Elena Massa, distraída até ouvir o nome de seu filho envolvido em um acidente no treino da última corrida pela Fórmula 1. Depois as notícias vão se tornando mais densas e o clima em sua residência deve ter se tornado sólido ao ponto de ser tocado com as mãos.
Certamente ela gostaria de ver o filho sem nenhum arranhão e tasca-lhe um belo beliscão, morrendo de vontade de dar-lhe um demorado abraço de alívio.
Lembrei desta minha história, porque muitos não acreditam nos detalhes que conto. Duvidam que o atropelamento foi realmente cinematográfico. Daqui 20 anos vamos contar a quem não viveu esse 2009 o que aconteceu com o Felipe Massa e poucos também irão acreditar no simples, porém grave acidente que sofreu o ferrarista.
Duvidarão com mais força, porque o Massa deve sair dessa sem quaisquer seqüela e ainda há de tornar-se campeão mundial.
Mas garanto que assim como o espetacular acidente envolvendo Felipe Massa, o meu também teve um dedinho de ajuda para poder estar aqui hoje escrevendo estas linhas.
As casas do cruzamento, o paralelepípedo e a terra da estrada de chão estão lá até hoje para não me deixarem mentir.
sábado, julho 25, 2009
Sobre essa história de Gelo em Marte
*Anderson Paes | www.twitter.com/andersonpaes
Passa de onze da noite de um sábado. Tomei umas coisinhas estranhas com gosto mais estranho ainda. O que meu deu uma sensação de calor meio a esses oito graus que faz na cidade e uma espécie de sono sem ter sono. E assim decidi explicar o que é de fato esse tal de Gelo em Marte e o porquê desse nome. Isso já era pra ter sido publicado no começo, naquele fim de semana do dia 28 de junho, antes da primeira fala do mais assíduo colaborador: Eduardo Daniel.
Mas vamos à coisa em si. Naquele mesmo mês de junho, eu e o próprio Eduardo conversávamos sobre jornalismo quando resolvemos ressuscitar uma ideia semi-nova de montar um blogue colaborativo entre amigos e colegas de profissão. Um site onde os participantes podem publicar temas variados sem qualquer restrição editorial. Algo honestamente livre. Convidamos então o também jornalista Gabriel Guedes e ali a coisa toda começou, de verdade.
Depois de pensar no que seria o blogue, faltava o nome. “Gelo em Marte” vem de uma das mais repetidas notícias. É como naquela música do Raul Seixas – que quase todos aqui do blogue costumam ouvir –, “Eu também vou reclamar”. Na música ele cita: Gelo em Marte, diz a Viking, mas no entanto não há galinha em meu quintal. Viking foi um programa espacial que na década de 70 alcançou o planeta vermelho e noticiou o que dia desses – ou outro ano qualquer – a Nasa repetiu: Tem mesmo! Pensando nisso, nesse repeteco jornalístico diante de tantas outras coisas para contar, surgiu o título que hoje acompanha o ponto com.
Depois do nome decidido e do blogue com cara de site, convidamos outras pessoas. Vou tentar apresentá-las de forma rápida – pelo menos alguns dos colaboradores que participaram deste início do blog. Camila Rufine, jornalista e vive no Paraná; Eduardo Daniel, jornalista de Santa Catarina; Gabriel Guedes, jornalista catarinense que vive no Rio Grande do Sul; Viviany Pfleger é administradora de empresas, catarinense. Outros colabores ainda estão por confirmar seus convites.
Além desses que já fazem parte do blogue, tendo ou não publicado – afinal ainda estamos nos adaptando a este novo hábito, para alguns –, esperamos encontrar novos colaboradores. Então, se alguém – além de nós – ler este site e tiver interesse em contribuir, não hesite em escrever e contar um pouco do que já escreve por aí.
O endereço é blog@geloemmarte.com.
Twitter. Também estamos nisso. Você pode seguir em www.twitter.com/geloemmarte.
Orkut? Sim. Criamos recentemente uma comunidade para o blogue. É só clicar aqui.
__
Anderson Paes é jornalista de Santa Catarina – também.
Passa de onze da noite de um sábado. Tomei umas coisinhas estranhas com gosto mais estranho ainda. O que meu deu uma sensação de calor meio a esses oito graus que faz na cidade e uma espécie de sono sem ter sono. E assim decidi explicar o que é de fato esse tal de Gelo em Marte e o porquê desse nome. Isso já era pra ter sido publicado no começo, naquele fim de semana do dia 28 de junho, antes da primeira fala do mais assíduo colaborador: Eduardo Daniel.
Mas vamos à coisa em si. Naquele mesmo mês de junho, eu e o próprio Eduardo conversávamos sobre jornalismo quando resolvemos ressuscitar uma ideia semi-nova de montar um blogue colaborativo entre amigos e colegas de profissão. Um site onde os participantes podem publicar temas variados sem qualquer restrição editorial. Algo honestamente livre. Convidamos então o também jornalista Gabriel Guedes e ali a coisa toda começou, de verdade.
Depois de pensar no que seria o blogue, faltava o nome. “Gelo em Marte” vem de uma das mais repetidas notícias. É como naquela música do Raul Seixas – que quase todos aqui do blogue costumam ouvir –, “Eu também vou reclamar”. Na música ele cita: Gelo em Marte, diz a Viking, mas no entanto não há galinha em meu quintal. Viking foi um programa espacial que na década de 70 alcançou o planeta vermelho e noticiou o que dia desses – ou outro ano qualquer – a Nasa repetiu: Tem mesmo! Pensando nisso, nesse repeteco jornalístico diante de tantas outras coisas para contar, surgiu o título que hoje acompanha o ponto com.
Depois do nome decidido e do blogue com cara de site, convidamos outras pessoas. Vou tentar apresentá-las de forma rápida – pelo menos alguns dos colaboradores que participaram deste início do blog. Camila Rufine, jornalista e vive no Paraná; Eduardo Daniel, jornalista de Santa Catarina; Gabriel Guedes, jornalista catarinense que vive no Rio Grande do Sul; Viviany Pfleger é administradora de empresas, catarinense. Outros colabores ainda estão por confirmar seus convites.
Além desses que já fazem parte do blogue, tendo ou não publicado – afinal ainda estamos nos adaptando a este novo hábito, para alguns –, esperamos encontrar novos colaboradores. Então, se alguém – além de nós – ler este site e tiver interesse em contribuir, não hesite em escrever e contar um pouco do que já escreve por aí.
O endereço é blog@geloemmarte.com.
Twitter. Também estamos nisso. Você pode seguir em www.twitter.com/geloemmarte.
Orkut? Sim. Criamos recentemente uma comunidade para o blogue. É só clicar aqui.
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Anderson Paes é jornalista de Santa Catarina – também.
Um... Dois... Três!
*Eduardo Daniel | www.twitter.com/eduardosdaniel
Quem tem criança em casa sabe que vez ou outra é necessário apelar para a contagem progressiva do um até o três, a fim de fazer o pequeno rebelde acatar a uma ordem.
Contamos acentuando a voz e pausadamente estancamos no dois. No três, a criança deve ter cumprido o que lhe foi ordenado. Dificilmente, quando somos convincentes, chegamos ao três.
Acontece que na Região de Tubarão, cidade ao Sul de Santa Catarina, alguns políticos parecem adorar o “um, dois, três!”.
Passamos quase oito anos ouvindo discursos sobre a construção de um banheiro público e um mero banheiro público foi tratado como a construção de uma ponte e até hoje, não só não temos sinal dele, como parece que esqueceram sua construção.
E por falar em ponte, agora a promessa é uma ponte ligando diretamente Tubarão à Capivari de Baixo (ex-bairro tubaronense). Essa ideia me fez pensar naqueles números infantis.
— Um... Dois... – E param no dois.
No dois também estão, aliás, a construção de pelo menos mais duas pontes sobre o Rio Tubarão. Além da construção do novo presídio regional, um canil, uma arena multiuso, o aeroporto em uma cidade vizinha, a duplicação da BR-101, a transformação da antiga rodoviária em um centro cultural, a inter-praias, a ponte do Bairro Congonhas no limite com Jaguaruna (local do aeroporto), entre outros.
Antes que queiram me queimar na Praça 7 de Setembro, justifico as obras estaduais e federais neste rol, porque são itens a estar todos os dias na agenda de nossos representantes para as devidas fiscalizações e cobranças dos responsáveis.
Ao invés de terminarem o que muitas vezes nem iniciaram, entram num jogo de vaidades e cada um quer criar a sua criança.
Se no nordeste a seca é uma eterna provedora de votos, esses projetos intermináveis são a nossa seca.
Com tanta obra sem ao menos ter visto uma licitação, surge agora mais uma ponte e a construção de um hospital regional.
Alguém mais acredita nesta classe?
É tal qual como com as crianças. O dia em que você chegar no três e não tomar uma atitude, não adianta a posteriori olhar feio e contar com todo o ódio possível até dez. Ela vai dar de ombros e gargalhar.
Sigam assim caros políticos. Só não reclamem depois...
Quem tem criança em casa sabe que vez ou outra é necessário apelar para a contagem progressiva do um até o três, a fim de fazer o pequeno rebelde acatar a uma ordem.
Contamos acentuando a voz e pausadamente estancamos no dois. No três, a criança deve ter cumprido o que lhe foi ordenado. Dificilmente, quando somos convincentes, chegamos ao três.
Acontece que na Região de Tubarão, cidade ao Sul de Santa Catarina, alguns políticos parecem adorar o “um, dois, três!”.
Passamos quase oito anos ouvindo discursos sobre a construção de um banheiro público e um mero banheiro público foi tratado como a construção de uma ponte e até hoje, não só não temos sinal dele, como parece que esqueceram sua construção.
E por falar em ponte, agora a promessa é uma ponte ligando diretamente Tubarão à Capivari de Baixo (ex-bairro tubaronense). Essa ideia me fez pensar naqueles números infantis.
— Um... Dois... – E param no dois.
No dois também estão, aliás, a construção de pelo menos mais duas pontes sobre o Rio Tubarão. Além da construção do novo presídio regional, um canil, uma arena multiuso, o aeroporto em uma cidade vizinha, a duplicação da BR-101, a transformação da antiga rodoviária em um centro cultural, a inter-praias, a ponte do Bairro Congonhas no limite com Jaguaruna (local do aeroporto), entre outros.
Antes que queiram me queimar na Praça 7 de Setembro, justifico as obras estaduais e federais neste rol, porque são itens a estar todos os dias na agenda de nossos representantes para as devidas fiscalizações e cobranças dos responsáveis.
Ao invés de terminarem o que muitas vezes nem iniciaram, entram num jogo de vaidades e cada um quer criar a sua criança.
Se no nordeste a seca é uma eterna provedora de votos, esses projetos intermináveis são a nossa seca.
Com tanta obra sem ao menos ter visto uma licitação, surge agora mais uma ponte e a construção de um hospital regional.
Alguém mais acredita nesta classe?
É tal qual como com as crianças. O dia em que você chegar no três e não tomar uma atitude, não adianta a posteriori olhar feio e contar com todo o ódio possível até dez. Ela vai dar de ombros e gargalhar.
Sigam assim caros políticos. Só não reclamem depois...
quarta-feira, julho 22, 2009
As aparências enganam
*Eduardo Daniel | www.twitter.com/eduardosdaniel
Pense em um Estado em que um governador por três vezes e senador outras três, tenha, em sua homenagem, seu nome perpetuado em colégios, aeroporto, avenidas, ruas, praças, estádio, museu, ponte, distrito, palacete, time de futebol e até ponto de táxi.
Maranhão e o coronelismo retardário da família Sarney? Não! Santa Catarina e seu ex-governador Hercílio Luz.
Hercílio Pedro da Luz nasceu na ainda Desterro. Ele mesmo alterou o nome da capital catarinense para Florianópolis, uma corruptela que faz referência ao ditador Floriano Peixoto, o Marechal de Ferro, então presidente da República, com pouca aceitação na Ilha de Santa Catarina, que por pouco não se chamou Ondina (deusa protetora dos mares).
Eu iria mais longe, no vale fértil da imaginação, e penso que por pouco ela não se tornou Hercílio Luz, dado ao notável magnetismo que seu filho ilustre tinha para batizar pontes, times de futebol e afins.
Entre as inumeráveis diferenças de Sarney e Hercílio Luz está o apreço em dar cobertura a parentes, amigos e agregados. O Barriga Verde teve 14 filhos e apenas dois, Abelardo Venceslau da Luz (o município de Abelardo Luz, em Santa Catarina, é em sua homenagem) e Alfredo Felipe da Luz, seguiram o caminho da política, sem os atos secretos vergonhosos do atual presidente do senado que apadrinha um verdadeiro mundo de gente do Maranhão.
Em tempo, uma pequena lista que eterniza o falecido governador catarinense:
Uma ponte, um aeroporto, uma praça, uma casa de campo, um palacete, uma avenida e um ponto de táxi em Florianópolis; uma praça em Blumenau; um museu em Rancho Queimado; um distrito em Araranguá; o estádio do Marcílio Dias e uma rua em Itajaí; uma rua em Lages; uma rua e uma escola municipal rural em Criciúma; um time de futebol e uma escola estadual em Tubarão.
Se alguém souber de algo mais, agradeço a informação!
Pense em um Estado em que um governador por três vezes e senador outras três, tenha, em sua homenagem, seu nome perpetuado em colégios, aeroporto, avenidas, ruas, praças, estádio, museu, ponte, distrito, palacete, time de futebol e até ponto de táxi.
Maranhão e o coronelismo retardário da família Sarney? Não! Santa Catarina e seu ex-governador Hercílio Luz.
Hercílio Pedro da Luz nasceu na ainda Desterro. Ele mesmo alterou o nome da capital catarinense para Florianópolis, uma corruptela que faz referência ao ditador Floriano Peixoto, o Marechal de Ferro, então presidente da República, com pouca aceitação na Ilha de Santa Catarina, que por pouco não se chamou Ondina (deusa protetora dos mares).
Eu iria mais longe, no vale fértil da imaginação, e penso que por pouco ela não se tornou Hercílio Luz, dado ao notável magnetismo que seu filho ilustre tinha para batizar pontes, times de futebol e afins.
Entre as inumeráveis diferenças de Sarney e Hercílio Luz está o apreço em dar cobertura a parentes, amigos e agregados. O Barriga Verde teve 14 filhos e apenas dois, Abelardo Venceslau da Luz (o município de Abelardo Luz, em Santa Catarina, é em sua homenagem) e Alfredo Felipe da Luz, seguiram o caminho da política, sem os atos secretos vergonhosos do atual presidente do senado que apadrinha um verdadeiro mundo de gente do Maranhão.
Em tempo, uma pequena lista que eterniza o falecido governador catarinense:
Uma ponte, um aeroporto, uma praça, uma casa de campo, um palacete, uma avenida e um ponto de táxi em Florianópolis; uma praça em Blumenau; um museu em Rancho Queimado; um distrito em Araranguá; o estádio do Marcílio Dias e uma rua em Itajaí; uma rua em Lages; uma rua e uma escola municipal rural em Criciúma; um time de futebol e uma escola estadual em Tubarão.
Se alguém souber de algo mais, agradeço a informação!
Samba para a minha morte
*Eduardo Daniel | www.twitter.com/eduardosdaniel
Foto: Eduardo Daniel
Ó morte, tão vil e traiçoeira.
Por mais que eu não te queira,
Sei que me queres,
Mais do que todas as mulheres,
Que um dia eu já quis.
Foto: Eduardo Daniel
Ó morte, tão vil e traiçoeira.
Por mais que eu não te queira,
Sei que me queres,
Mais do que todas as mulheres,
Que um dia eu já quis.
terça-feira, julho 21, 2009
Apocalypse now
*Gabriel Guedes | www.twitter.com/gabrielzguedes
O nome do post pode soar exagero e também nem um pouco original. Tudo bem... Ambos têm em comum uma palavra tão forte quanto as atitudes intrínsecas contidas nela: a ‘guerra’. Posso citar várias guerras de verdade, mas assim, seria fácil demais.
Desde que me conheço por gente, me considerava homem do interior, gente simples e que não precisa de muito para viver feliz. Apenas o necessário para a subsistência. Na última vez em que estive na Província (minha nova denominação para Tubarão), resolvi dar uma ‘banda’ pela Serra Catarinense. Isso foi lá pelo dia 12 de julho. Eu e minha mulher planejávamos há alguns meses uma volta por lá. O tempo feio, cinzento, sem graça e depressivo que dominou o Sul (é, o Rio Grande do Sul) por mais de sete dias, quase tirou as esperanças de que fosse haver sol naquele domingo. Mas genial como ele só, Deus nos brindou com aquele sol divino, céu azul, aquele céu azul tricolor. De brigadeiro. De resto, o dia só poderia ter sido mágico com tamanha colaboração divina. Aquela paisagem me dava sensação de paz, de dias tranqüilos. Era inspirador a isso.
Saudade. Afinal, há cinco anos deixei minha pacata vida na Província para encarar as aventuras numa selva de pedra, concreto e asfalto numa metrópole de 3 milhões de pessoas. Quando cheguei aqui, me senti um verdadeiro ‘Crocodilo Dundee’. Impressionado como a vida ia acontecendo em meio ao caos urbano (não conheço caos rural).
Passado pouco mais de uma semana da 'minha paz', tive uma terça-feira da onça. É, praticamente uma segunda-feira (embora o dia de ontem tenha corrido bem melhor). Lidei de perto com os perigos da selva urbana. Acordei antes do galo cantar, mas com os vizinhos correndo atrás de ‘intrusos’ no meu prédio. Sem medo e sem a sensação de segurança, mais tarde fui trabalhar. Ao descer do ônibus, passa um carro pela BR-116, dá uma buzinada e fica me insultando de graça, mostrando o famigerado dedo do meio. Fiquei perplexo e pensei: — Como há pessoas que gostam de estragar o dia dos outros? — mas continuei com a minha estrada. Fui trabalhar. Final de tarde, chega! Com a cabeça na lua, e um dia nada produtivo, encerro o expediente na redação. Vou buscar a mulher no trabalho dela. O ônibus atrasa. Era para chegar às 18h36. Cheguei às 18h47. A BR-116 está parada. As ruas paralelas também. Outras ruas de acesso à cidade, também. Congestionamento, buzinaço, motoristas estressados. E eu achando que o dia já estava ruim...
Mas não precisei muito para não duvidar de que algo que está ruim, pode piorar sim. Caminho umas quatros quadras até chegar em frente ao trabalho de minha ‘excelentíssima’. São 18h56. Chego e fico esperando. Às 18h59: — Pá! Pá! Pá! Pá!! — As pessoas correm. Era o tiro ‘comendo solto’. E eu lá, a menos de uma quadra do incidente. Até agora não sei o que foi, o que era. Mas nem quero saber. Mas já adianto que houve ferido (ou feridos?).
Mas para quem passou 22 anos na Província, foi uma verdadeira cena de guerra. Após tudo isso, difícil me sentir tranqüilo. Ainda que a cidade que melhor me recebeu diminuiu os índices de violência nos últimos dois anos, está longe de ser a mais tranqüila. Acho que nem a Província é tão tranqüila quanto nos meus tempos de garoto. Vivemos tempos de guerra. E nem sabemos dos ideais. Uma guerra sem ideais.
Mas não é querer ser pessimista. A semana está começando também com prognósticos meteorológicos que beiram o Apocalipse. Agosto, o mês do cachorro louco se aproxima. Some tudo isso à prevalência da intolerância, da ganância, da falta de moral e ética e da falta de amor entre as pessoas. Agora imagine o resultado.
Se a natureza nos derrotar, quem sabe nosso fim seja menos vergonhoso.
O nome do post pode soar exagero e também nem um pouco original. Tudo bem... Ambos têm em comum uma palavra tão forte quanto as atitudes intrínsecas contidas nela: a ‘guerra’. Posso citar várias guerras de verdade, mas assim, seria fácil demais.
Desde que me conheço por gente, me considerava homem do interior, gente simples e que não precisa de muito para viver feliz. Apenas o necessário para a subsistência. Na última vez em que estive na Província (minha nova denominação para Tubarão), resolvi dar uma ‘banda’ pela Serra Catarinense. Isso foi lá pelo dia 12 de julho. Eu e minha mulher planejávamos há alguns meses uma volta por lá. O tempo feio, cinzento, sem graça e depressivo que dominou o Sul (é, o Rio Grande do Sul) por mais de sete dias, quase tirou as esperanças de que fosse haver sol naquele domingo. Mas genial como ele só, Deus nos brindou com aquele sol divino, céu azul, aquele céu azul tricolor. De brigadeiro. De resto, o dia só poderia ter sido mágico com tamanha colaboração divina. Aquela paisagem me dava sensação de paz, de dias tranqüilos. Era inspirador a isso.
Saudade. Afinal, há cinco anos deixei minha pacata vida na Província para encarar as aventuras numa selva de pedra, concreto e asfalto numa metrópole de 3 milhões de pessoas. Quando cheguei aqui, me senti um verdadeiro ‘Crocodilo Dundee’. Impressionado como a vida ia acontecendo em meio ao caos urbano (não conheço caos rural).
Passado pouco mais de uma semana da 'minha paz', tive uma terça-feira da onça. É, praticamente uma segunda-feira (embora o dia de ontem tenha corrido bem melhor). Lidei de perto com os perigos da selva urbana. Acordei antes do galo cantar, mas com os vizinhos correndo atrás de ‘intrusos’ no meu prédio. Sem medo e sem a sensação de segurança, mais tarde fui trabalhar. Ao descer do ônibus, passa um carro pela BR-116, dá uma buzinada e fica me insultando de graça, mostrando o famigerado dedo do meio. Fiquei perplexo e pensei: — Como há pessoas que gostam de estragar o dia dos outros? — mas continuei com a minha estrada. Fui trabalhar. Final de tarde, chega! Com a cabeça na lua, e um dia nada produtivo, encerro o expediente na redação. Vou buscar a mulher no trabalho dela. O ônibus atrasa. Era para chegar às 18h36. Cheguei às 18h47. A BR-116 está parada. As ruas paralelas também. Outras ruas de acesso à cidade, também. Congestionamento, buzinaço, motoristas estressados. E eu achando que o dia já estava ruim...
Mas não precisei muito para não duvidar de que algo que está ruim, pode piorar sim. Caminho umas quatros quadras até chegar em frente ao trabalho de minha ‘excelentíssima’. São 18h56. Chego e fico esperando. Às 18h59: — Pá! Pá! Pá! Pá!! — As pessoas correm. Era o tiro ‘comendo solto’. E eu lá, a menos de uma quadra do incidente. Até agora não sei o que foi, o que era. Mas nem quero saber. Mas já adianto que houve ferido (ou feridos?).
Mas para quem passou 22 anos na Província, foi uma verdadeira cena de guerra. Após tudo isso, difícil me sentir tranqüilo. Ainda que a cidade que melhor me recebeu diminuiu os índices de violência nos últimos dois anos, está longe de ser a mais tranqüila. Acho que nem a Província é tão tranqüila quanto nos meus tempos de garoto. Vivemos tempos de guerra. E nem sabemos dos ideais. Uma guerra sem ideais.
Mas não é querer ser pessimista. A semana está começando também com prognósticos meteorológicos que beiram o Apocalipse. Agosto, o mês do cachorro louco se aproxima. Some tudo isso à prevalência da intolerância, da ganância, da falta de moral e ética e da falta de amor entre as pessoas. Agora imagine o resultado.
Se a natureza nos derrotar, quem sabe nosso fim seja menos vergonhoso.
segunda-feira, julho 20, 2009
Os 40 anos do grande passo
*Eduardo Daniel | www.twitter.com/eduardosdaniel
Fascinado e com os olhos faiscando de curiosidade, deleito-me com uma edição histórica da Revista Manchete de agosto de 1969 em minhas mãos. Neste exemplar raríssimo, mais de 120 páginas – com direito a encarte com um mapa do nosso satélite natural – sobre a chegada do homem à Lua.
Com o título “O homem conquista o espaço” e uma linda fotografia do módulo lunar com os astronautas Neil Alden Armstrong e Edwin Eugene Aldrin “Buzz” deixando o satélite natural da Terra, tirada por Michael Collins, que orbitou a Lua, com a metade iluminada do nosso planeta ao fundo, esta belíssima revista é uma explicação certeira do porque de meu encantamento por este assunto.
Foi meu avô, caminhoneiro, quem trouxe esta revista de uma viagem à São Paulo e a deu a meu pai, então com 18 anos. O velho a conversou e passou a mim o legado desta Manchete, que deixei para tirar da estante, exatamente hoje, 20 de julho de 2009, para relê-la, guardá-la novamente e conservá-la para meu guri.
Se meu filho um dia for astronauta, a sementinha foi plantada há 40 anos, por Armstrong, Aldrin, Collins, Antonio Castelan Daniel (meu avô) e Hugo Favarin Daniel (meu pai).
Com fotos riquíssimas desconhecidas do grande público, a revista aborda todos os detalhes da missão da Apollo 11 em solo lunar. A Manchete histórica traz também breves biografias dos astronautas.
São detalhes e cuidados que os céticos deveriam ter ao duvidar que o homem realmente esteve lá. Eu, tentado pela rebeldia exacerbada e o comunismo latente em minha juventude, também desacreditei tal feito.
Foram necessários alguns anos de amadurecimento e aprofundamento para rever meus conceitos. Nestes quarenta anos desta conquista pelos “inimigos” dos esquerdistas (assim como eu) várias feridas foram remexidas e o sangue voltou a escorrer. As cicatrizes estavam apenas na casca.
Mas, companheiros e companheiras, se a grande pátria mãe União Soviética deu-se por convencida do sucesso estadunidense, por que seguir com estas teorias conspiracionistas quatro décadas depois?
O que poucos sabem é que os três astronautas que fizeram parte da Apollo 11 disputaram para ser o primeiro homem a pisarem na Lua. Sabiam que toda a glória ficaria – e ficou – para aquele nome. Dos três, coube a Michael Collins a dura missão de ver tudo do alto, na órbita do astro, no aguardo do retorno dos companheiros Armstrong e Aldrin “Buzz”.
Este segundo, alias, com uma personalidade muito particular. Antes de se tornar tripulante do comandante Armstrong, meteu-se em problemas com vários astronautas. Tinha a certeza de que seria ele o “primeiro homem”, pois contava a seu favor o recorde de operações fora das naves na órbita da terra.
Foi o comportamento comedido de Armstrong que lhe deu esta honraria
Eu pergunto para quem já assistiu ou leu algo de sério sobre o assunto: alguém como Aldrin “Buzz” ficaria calado com uma mentira desta envergadura?
Só a idade vai nos dar amadurecimento suficiente para vermos que os questionamentos céticos tem muito mais fundamentos políticos do que científicos e que se fossem os soviéticos a pousarem na Lua, os capitalistas até hoje duvidariam do feito.
A política, assim como a religião, sempre atravanca a ciência.
Os próprios russos, um dia antes dos americanos pousarem na Lua, tentaram alunissar uma sonda, sem sucesso. O equipamento espatifou-se em solo lunar. Com esta missão em andamento, por motivos de segurança. russos e americanos trocaram informações constantes sobre a localização de suas espaçonaves, tendo inclusive, acessos dos áudios uns dos outros.
Não seriam os soviéticos os primeiros a dispararem contra esta provável farsa norte americana?
Por sinal, os russos também conseguiram, em missões não tripuladas, recolherem alguns quilos de material lunar e cientistas de todo o mundo puderam examinar o material recolhido pelos americanos. Os soviéticos com toda a certeza compararam as amostras.
Outro senão é a tecnologia cinematográfica da época. Especialistas de credibilidade dão a certeza de que era muito mais fácil realmente ter ido à Lua do que ter encenado tudo.
Por sinal, como manter uma mentira entre tantos, se um “segredo entre dois, só matando um?”. Uma operação de tamanha envergadura como esta envolve centenas de milhares de técnicos.
Os céticos também apontam como prova irrefutável da farsa o fato de que hoje poderiam voltar à Lua, mas não o fazem por falta de tecnologia. E o contexto histórico nestas observações onde está?
No meio da Guerra Fria e da corrida espacial valia passar por cima da segurança dos astronautas, hoje seria inaceitável embarcar homens sem as mínimas garantias de sucesso. Em todas as missões Apollo (depois da 11 até a 17 apenas a 13 não pousou na Lua) todas apresentaram problemas, dos mais leves aos mais graves.
Em tempo: ainda não se definiu bem a utilidade de ir até a Lua, embora na mesma Manchete há relatos sobre minérios que não existem na Terra. Na Guerra Fria, a ação foi mais uma demonstração de grandeza e uma reposta aos russos que levaram o cosmonauta Yuri Gagarin, a ser o primeiro homo sapiens a orbitar a Terra.
Curiosamente, os mesmos que duvidam da chegada do homem à Lua não desacreditam que Gagarin realmente viu a Terra com seus próprios olhos e comprovou: “é azul”.
Se partirmos do principio das grandes mentiras da humanidade, então os que não acreditam na chegada do homem à Lua precisam rever seus conceitos em relação ao Holocausto. Tenho a absoluta certeza de que ele aconteceu, mas quem encontra provas nas fotos da Nasa também pode encontrar nas alegações dos nazistas indícios de que o extermínio em massa dos Judeus foi uma fraude.
E se a missão da Apollo 11 foi uma farsa, como querem nos fazer crer os céticos, por que os americanos não forjam tudo de novo, com muito mais recurso cinematográfico e mostram ao vivo e em cores para todo o planeta, novos astronautas recuperando a bandeira e os objetos (entre eles espelhos utilizados por cientistas de todos os países até os dias atuais)?
Os céticos, em sua maioria de uma geração pós 69, pedem a volta do homem à Lua para tirarem suas dúvidas. Vale ressaltar que depois dos dois primeiros homens a pisar em solo lunar, mais dez tiveram este privilégio. Assim como eu, no fundo, acho que sentimos um pingo de inveja daqueles dias e a vontade de revermos esta odisséia fazendo parte dela é impagável.
Penso e não chego a uma conclusão: e se o homem voltar à Lua hoje, enfim acreditaríamos?
Fascinado e com os olhos faiscando de curiosidade, deleito-me com uma edição histórica da Revista Manchete de agosto de 1969 em minhas mãos. Neste exemplar raríssimo, mais de 120 páginas – com direito a encarte com um mapa do nosso satélite natural – sobre a chegada do homem à Lua.
Com o título “O homem conquista o espaço” e uma linda fotografia do módulo lunar com os astronautas Neil Alden Armstrong e Edwin Eugene Aldrin “Buzz” deixando o satélite natural da Terra, tirada por Michael Collins, que orbitou a Lua, com a metade iluminada do nosso planeta ao fundo, esta belíssima revista é uma explicação certeira do porque de meu encantamento por este assunto.
Foi meu avô, caminhoneiro, quem trouxe esta revista de uma viagem à São Paulo e a deu a meu pai, então com 18 anos. O velho a conversou e passou a mim o legado desta Manchete, que deixei para tirar da estante, exatamente hoje, 20 de julho de 2009, para relê-la, guardá-la novamente e conservá-la para meu guri.
Se meu filho um dia for astronauta, a sementinha foi plantada há 40 anos, por Armstrong, Aldrin, Collins, Antonio Castelan Daniel (meu avô) e Hugo Favarin Daniel (meu pai).
Com fotos riquíssimas desconhecidas do grande público, a revista aborda todos os detalhes da missão da Apollo 11 em solo lunar. A Manchete histórica traz também breves biografias dos astronautas.
São detalhes e cuidados que os céticos deveriam ter ao duvidar que o homem realmente esteve lá. Eu, tentado pela rebeldia exacerbada e o comunismo latente em minha juventude, também desacreditei tal feito.
Foram necessários alguns anos de amadurecimento e aprofundamento para rever meus conceitos. Nestes quarenta anos desta conquista pelos “inimigos” dos esquerdistas (assim como eu) várias feridas foram remexidas e o sangue voltou a escorrer. As cicatrizes estavam apenas na casca.
Mas, companheiros e companheiras, se a grande pátria mãe União Soviética deu-se por convencida do sucesso estadunidense, por que seguir com estas teorias conspiracionistas quatro décadas depois?
O que poucos sabem é que os três astronautas que fizeram parte da Apollo 11 disputaram para ser o primeiro homem a pisarem na Lua. Sabiam que toda a glória ficaria – e ficou – para aquele nome. Dos três, coube a Michael Collins a dura missão de ver tudo do alto, na órbita do astro, no aguardo do retorno dos companheiros Armstrong e Aldrin “Buzz”.
Este segundo, alias, com uma personalidade muito particular. Antes de se tornar tripulante do comandante Armstrong, meteu-se em problemas com vários astronautas. Tinha a certeza de que seria ele o “primeiro homem”, pois contava a seu favor o recorde de operações fora das naves na órbita da terra.
Foi o comportamento comedido de Armstrong que lhe deu esta honraria
Eu pergunto para quem já assistiu ou leu algo de sério sobre o assunto: alguém como Aldrin “Buzz” ficaria calado com uma mentira desta envergadura?
Só a idade vai nos dar amadurecimento suficiente para vermos que os questionamentos céticos tem muito mais fundamentos políticos do que científicos e que se fossem os soviéticos a pousarem na Lua, os capitalistas até hoje duvidariam do feito.
A política, assim como a religião, sempre atravanca a ciência.
Os próprios russos, um dia antes dos americanos pousarem na Lua, tentaram alunissar uma sonda, sem sucesso. O equipamento espatifou-se em solo lunar. Com esta missão em andamento, por motivos de segurança. russos e americanos trocaram informações constantes sobre a localização de suas espaçonaves, tendo inclusive, acessos dos áudios uns dos outros.
Não seriam os soviéticos os primeiros a dispararem contra esta provável farsa norte americana?
Por sinal, os russos também conseguiram, em missões não tripuladas, recolherem alguns quilos de material lunar e cientistas de todo o mundo puderam examinar o material recolhido pelos americanos. Os soviéticos com toda a certeza compararam as amostras.
Outro senão é a tecnologia cinematográfica da época. Especialistas de credibilidade dão a certeza de que era muito mais fácil realmente ter ido à Lua do que ter encenado tudo.
Por sinal, como manter uma mentira entre tantos, se um “segredo entre dois, só matando um?”. Uma operação de tamanha envergadura como esta envolve centenas de milhares de técnicos.
Os céticos também apontam como prova irrefutável da farsa o fato de que hoje poderiam voltar à Lua, mas não o fazem por falta de tecnologia. E o contexto histórico nestas observações onde está?
No meio da Guerra Fria e da corrida espacial valia passar por cima da segurança dos astronautas, hoje seria inaceitável embarcar homens sem as mínimas garantias de sucesso. Em todas as missões Apollo (depois da 11 até a 17 apenas a 13 não pousou na Lua) todas apresentaram problemas, dos mais leves aos mais graves.
Em tempo: ainda não se definiu bem a utilidade de ir até a Lua, embora na mesma Manchete há relatos sobre minérios que não existem na Terra. Na Guerra Fria, a ação foi mais uma demonstração de grandeza e uma reposta aos russos que levaram o cosmonauta Yuri Gagarin, a ser o primeiro homo sapiens a orbitar a Terra.
Curiosamente, os mesmos que duvidam da chegada do homem à Lua não desacreditam que Gagarin realmente viu a Terra com seus próprios olhos e comprovou: “é azul”.
Se partirmos do principio das grandes mentiras da humanidade, então os que não acreditam na chegada do homem à Lua precisam rever seus conceitos em relação ao Holocausto. Tenho a absoluta certeza de que ele aconteceu, mas quem encontra provas nas fotos da Nasa também pode encontrar nas alegações dos nazistas indícios de que o extermínio em massa dos Judeus foi uma fraude.
E se a missão da Apollo 11 foi uma farsa, como querem nos fazer crer os céticos, por que os americanos não forjam tudo de novo, com muito mais recurso cinematográfico e mostram ao vivo e em cores para todo o planeta, novos astronautas recuperando a bandeira e os objetos (entre eles espelhos utilizados por cientistas de todos os países até os dias atuais)?
Os céticos, em sua maioria de uma geração pós 69, pedem a volta do homem à Lua para tirarem suas dúvidas. Vale ressaltar que depois dos dois primeiros homens a pisar em solo lunar, mais dez tiveram este privilégio. Assim como eu, no fundo, acho que sentimos um pingo de inveja daqueles dias e a vontade de revermos esta odisséia fazendo parte dela é impagável.
Penso e não chego a uma conclusão: e se o homem voltar à Lua hoje, enfim acreditaríamos?
Curioso
*Eduardo Daniel | edu_s_daniel@yahoo.com.br
Foto: Eduardo Daniel
Enquanto todos teimam em marchar no mesmo passo,
Sempre há um visionário que sai do planejado.
Ou se estatela pelo chão,
Ou vai ser chamado de mentiroso voando pelo espaço.
Foto: Eduardo Daniel
Enquanto todos teimam em marchar no mesmo passo,
Sempre há um visionário que sai do planejado.
Ou se estatela pelo chão,
Ou vai ser chamado de mentiroso voando pelo espaço.
quarta-feira, julho 15, 2009
Bolão 3!
*Eduardo Daniel | www.twitter.com/eduardosdaniel
Logo que meu patrão disse que já havia perdido três quilos em menos de três dias de desafio do "bolão" desdenhei afirmando que era blefe.
Os companheiros e companheiras de escritório engrosaram meu coro.
— Impossível! – Bradaram.
E o homem mandou buscar a balança, se pesou e realmente tinha conseguido a façanha. Agora nos perguntamos se ele anda passando fome ou se tinha alguma artimanha nos bolsos no dia da pesagem.
Um fornecedor que costuma presentear as meninas do escritório com chocolate fez o desfavor de deixar duas barras. Todos, menos a secretária que aceitou três pedaços, atacaram suas frutas e copos d'água.
De minha parte, acho que um quilo consegui eliminar (isso que ainda não fui à "casinha").
Recomecei a caminhar rumo a vitória que pelo jeito vai ter que ser de virada, na raça!
Logo que meu patrão disse que já havia perdido três quilos em menos de três dias de desafio do "bolão" desdenhei afirmando que era blefe.
Os companheiros e companheiras de escritório engrosaram meu coro.
— Impossível! – Bradaram.
E o homem mandou buscar a balança, se pesou e realmente tinha conseguido a façanha. Agora nos perguntamos se ele anda passando fome ou se tinha alguma artimanha nos bolsos no dia da pesagem.
Um fornecedor que costuma presentear as meninas do escritório com chocolate fez o desfavor de deixar duas barras. Todos, menos a secretária que aceitou três pedaços, atacaram suas frutas e copos d'água.
De minha parte, acho que um quilo consegui eliminar (isso que ainda não fui à "casinha").
Recomecei a caminhar rumo a vitória que pelo jeito vai ter que ser de virada, na raça!
terça-feira, julho 14, 2009
Bolão 2
*Eduardo Daniel | www.twitter.com/eduardosdaniel
96 quilos! O mais pesado da fábrica, como eu suspeitava. Tudo bem que nem todos participaram, mas os que ficaram de fora não chegariam neste calibre. Abaixo de mim, mais ninguém na casa dos 80. O sinal de alerta realmente precisa estar ligado. Nunca cheguei nos 100. Quando me aproximo da marca famigerada emagreço. Vou até uns 85, 80 e depois torno a recuperar o perdido.
Mas agora vai ser diferente!
A começar pelo dia que escolhi para dar esta guinada: terça-feira.
Nos pesamos para o Bolão ontem, mas ainda estiquei um pouco mais a preguiça. Afinal de contas, é tradição que tudo o que começamos na segunda acabamos na terça.
Não posso passar fome. Sofro com dor de cabeça por isso. Vai ser difícil perder tanto peso em um mês, mas vou lutar por isso e voltarei a subir escadas sem parecer que morrerei no último degrau!
96 quilos! O mais pesado da fábrica, como eu suspeitava. Tudo bem que nem todos participaram, mas os que ficaram de fora não chegariam neste calibre. Abaixo de mim, mais ninguém na casa dos 80. O sinal de alerta realmente precisa estar ligado. Nunca cheguei nos 100. Quando me aproximo da marca famigerada emagreço. Vou até uns 85, 80 e depois torno a recuperar o perdido.
Mas agora vai ser diferente!
A começar pelo dia que escolhi para dar esta guinada: terça-feira.
Nos pesamos para o Bolão ontem, mas ainda estiquei um pouco mais a preguiça. Afinal de contas, é tradição que tudo o que começamos na segunda acabamos na terça.
Não posso passar fome. Sofro com dor de cabeça por isso. Vai ser difícil perder tanto peso em um mês, mas vou lutar por isso e voltarei a subir escadas sem parecer que morrerei no último degrau!
segunda-feira, julho 13, 2009
Acalanto de promessas
*Eduardo Daniel | www.twitter.com/eduardosdaniel
A chuva caia pesada. Uma cortina de lágrimas de chumbo derretido afastava qualquer som ou imagem do mundo lá fora. A precária barraca de lona lutava com bravura para não sucumbir às investidas impiedosas da natureza.
Sentado em uma cadeira velha de escritório, com os pés aquecidos pela ternura involuntária da fogueira, o olhar duro e inexpressivo daquele homem, denunciavam que sua paciência há muito dera o último suspiro.
A pobreza e a imundície do local eram gritantes. Roupas de cama estavam infestadas pelo bolor. Restos de comida eram repartidos pelos dois gatos e quatro cachorros vira-latas do miserável lar.
A mãe, com seu longo e sujo vestido, penteava o cabelo ruim da filha mais velha. As reações eram de dor e os gemidos chegavam ao patriarca como agulhadas.
O pai ainda viu quando um carro em alta velocidade lavou seus dois filhos. Chegaram, depois, apressados à barraca. Sem conseguir dominar os dentes que se digladiavam de frio. Os meninos apavorados miraram o pai em sinal de clemência, antes de erguerem as delicadas mãos no ar para dizerem sem palavras que não trouxeram dinheiro algum.
— Vagabundos!
A palavra fez em cada um, um estrago muito maior do que qualquer chibata.
— Desgraçados!
E um tapa com a mão aberta voou certeiro na face direita, suja e magra do mais velho. O bofetão o deixou de joelhos. O pai o ergueu grosseiramente pelo braço, aos grunhidos de uma besta possessa.
A mulher levantou levemente os olhos. Era como estivesse habituada à cena. A irmã que era paparicada não mexeu um músculo, enquanto a mãe atacava os nós de seu cabelo mal tratado.
O caçula, um menino dos seus dez anos, tentou corajosamente argumentar.
— Pai – gaguejou – a chuva...
— Cala a boca!
E desta vez foi com um galho seco de laranjeira o carinho monstruoso. O golpe lhe cortou a coxa esquerda. O menino não resistiu e curvou-se de dor. O pai grunhiu antes de tentar levantá-lo. O menino resistiu até ser empurrado ao chão.
— Eu quero dinheiro, seus dois vadios! Vagabundos! Filhos da puta!
O pai repetia cuspindo cada palavra com seu reluzente dente de ouro à mostra. A mãe, se ouviu, fingiu não serem suas aquelas crianças.
— Essa noite tem circo. Quero os dois pedindo. Quero dinheiro ou vão dormir amarrados na chuva!
As luzes do circo instalado em frente ao acampamento dos desafortunados meninos acenderam para a sessão das oito e meia. A chuva que banhou os desprevenidos, esgotou. Os guardadores de carro disputavam os clientes num frenesi ensurdecedor de apitos.
Os clientes os encaram como chagas abertas a serem extirpadas. Alguns, indiferentes, lhes dão pequenas esmolas. Não se comovem ou se enganam com seus pedidos, só querem livrar-se do troco miúdo que atrapalha no tumulto da fila mal organizada:
— Dinheirinho pra entrar tio... Por favor!
A noite é fraca e a arrecadação baixa é prenúncio do pior. O narrador anuncia o espetáculo, quando o irmão mais novo encontra um ingresso no chão. Ele viu o dono. Quis devolver, mas o mais velho lhe dá um tabefe e na autoridade dos seus 16 anos toma o bilhete.
Sabe que vai apanhar quando voltar. Ao menos, por instantes, vai ser como aqueles meninos que despreza.
Quando estiver apanhando vai fechar os olhos e lembrar das duras horas e tanto que viveu uma outra realidade.
Ao outro vai restar nada mais do que o acalanto de promessas. O consolo de ter que brilhar os olhinhos com o relato do mais velho, enquanto caminham com a dignidade dos que tem uma estrela no lugar do coração, rumo ao aconchego cruel e covarde do pai.
A chuva caia pesada. Uma cortina de lágrimas de chumbo derretido afastava qualquer som ou imagem do mundo lá fora. A precária barraca de lona lutava com bravura para não sucumbir às investidas impiedosas da natureza.
Sentado em uma cadeira velha de escritório, com os pés aquecidos pela ternura involuntária da fogueira, o olhar duro e inexpressivo daquele homem, denunciavam que sua paciência há muito dera o último suspiro.
A pobreza e a imundície do local eram gritantes. Roupas de cama estavam infestadas pelo bolor. Restos de comida eram repartidos pelos dois gatos e quatro cachorros vira-latas do miserável lar.
A mãe, com seu longo e sujo vestido, penteava o cabelo ruim da filha mais velha. As reações eram de dor e os gemidos chegavam ao patriarca como agulhadas.
O pai ainda viu quando um carro em alta velocidade lavou seus dois filhos. Chegaram, depois, apressados à barraca. Sem conseguir dominar os dentes que se digladiavam de frio. Os meninos apavorados miraram o pai em sinal de clemência, antes de erguerem as delicadas mãos no ar para dizerem sem palavras que não trouxeram dinheiro algum.
— Vagabundos!
A palavra fez em cada um, um estrago muito maior do que qualquer chibata.
— Desgraçados!
E um tapa com a mão aberta voou certeiro na face direita, suja e magra do mais velho. O bofetão o deixou de joelhos. O pai o ergueu grosseiramente pelo braço, aos grunhidos de uma besta possessa.
A mulher levantou levemente os olhos. Era como estivesse habituada à cena. A irmã que era paparicada não mexeu um músculo, enquanto a mãe atacava os nós de seu cabelo mal tratado.
O caçula, um menino dos seus dez anos, tentou corajosamente argumentar.
— Pai – gaguejou – a chuva...
— Cala a boca!
E desta vez foi com um galho seco de laranjeira o carinho monstruoso. O golpe lhe cortou a coxa esquerda. O menino não resistiu e curvou-se de dor. O pai grunhiu antes de tentar levantá-lo. O menino resistiu até ser empurrado ao chão.
— Eu quero dinheiro, seus dois vadios! Vagabundos! Filhos da puta!
O pai repetia cuspindo cada palavra com seu reluzente dente de ouro à mostra. A mãe, se ouviu, fingiu não serem suas aquelas crianças.
— Essa noite tem circo. Quero os dois pedindo. Quero dinheiro ou vão dormir amarrados na chuva!
As luzes do circo instalado em frente ao acampamento dos desafortunados meninos acenderam para a sessão das oito e meia. A chuva que banhou os desprevenidos, esgotou. Os guardadores de carro disputavam os clientes num frenesi ensurdecedor de apitos.
Os clientes os encaram como chagas abertas a serem extirpadas. Alguns, indiferentes, lhes dão pequenas esmolas. Não se comovem ou se enganam com seus pedidos, só querem livrar-se do troco miúdo que atrapalha no tumulto da fila mal organizada:
— Dinheirinho pra entrar tio... Por favor!
A noite é fraca e a arrecadação baixa é prenúncio do pior. O narrador anuncia o espetáculo, quando o irmão mais novo encontra um ingresso no chão. Ele viu o dono. Quis devolver, mas o mais velho lhe dá um tabefe e na autoridade dos seus 16 anos toma o bilhete.
Sabe que vai apanhar quando voltar. Ao menos, por instantes, vai ser como aqueles meninos que despreza.
Quando estiver apanhando vai fechar os olhos e lembrar das duras horas e tanto que viveu uma outra realidade.
Ao outro vai restar nada mais do que o acalanto de promessas. O consolo de ter que brilhar os olhinhos com o relato do mais velho, enquanto caminham com a dignidade dos que tem uma estrela no lugar do coração, rumo ao aconchego cruel e covarde do pai.
sexta-feira, julho 10, 2009
Bolão!
*Eduardo Daniel | www.twitter.com/eduardosdaniel
Acalmem-se gordinhos! Não estou ofendendo nenhum de vocês não. Mesmo porque tenho quase cem quilos!
Escrevo sobre este indigesto assunto para contar uma experiência interessante pela qual passarei nos próximos dias:
A empresa em que trabalho ira realizar um “bolão”. Em loterias nunca tive muita (alias, nenhuma) sorte, mas agora acho que tenho grandes chances.
A brincadeira vai ser assim: cada participante colocará uma quantia em dinheiro na banca, será devidamente pesado e aquele que ao final de um mês perder mais peso leva a bolada.
Por que estou tão animado ao ponto de compartilhar com os leitores esse desafio?
Porque sou o mais gordo da fábrica (risos) e tenho muitos quilinhos sobrando para perder!
É claro que quero vencer. Quero a bufunfa, mas também qualidade de vida e saúde.
Torçam por mim!
E agora vou atacar a pizza de calabresa que acabou de chegar com a Cola Cola 2 litros, que a pesagem é só na segunda e neste final de semana além de me despedir das delícias tenho que ganhar mais alguns quilos de bônus!
Acalmem-se gordinhos! Não estou ofendendo nenhum de vocês não. Mesmo porque tenho quase cem quilos!
Escrevo sobre este indigesto assunto para contar uma experiência interessante pela qual passarei nos próximos dias:
A empresa em que trabalho ira realizar um “bolão”. Em loterias nunca tive muita (alias, nenhuma) sorte, mas agora acho que tenho grandes chances.
A brincadeira vai ser assim: cada participante colocará uma quantia em dinheiro na banca, será devidamente pesado e aquele que ao final de um mês perder mais peso leva a bolada.
Por que estou tão animado ao ponto de compartilhar com os leitores esse desafio?
Porque sou o mais gordo da fábrica (risos) e tenho muitos quilinhos sobrando para perder!
É claro que quero vencer. Quero a bufunfa, mas também qualidade de vida e saúde.
Torçam por mim!
E agora vou atacar a pizza de calabresa que acabou de chegar com a Cola Cola 2 litros, que a pesagem é só na segunda e neste final de semana além de me despedir das delícias tenho que ganhar mais alguns quilos de bônus!
Um doce amargo
*Eduardo Daniel | www.twitter.com/eduardosdaniel
Parecia que todo o peso do mundo estava nas costas daquele casal. Era uma sexta-feira chuvosa. A parcimônia do relógio naquela tarde foi tamanha que a sensação era a de estar em uma manhã de segunda.
José Antonio da Conceição Ribeiro e a mulher Maria Aparecida da Rosa Ribeiro aparentavam ter muito mais do que os seus 37 e 35 anos respectivamente. Para os infelizes, o tempo é infinitamente mais cruel.
A tarde caia velozmente e o sol anguloso dos dias de Inverno se escondia nas montanhas do poente. A breve aquarela em tons cinzentos logo deu lugar ao véu negro da noite. O frio era o capataz. O vento, o açoite. O casal de vendedores de doces e salgados eram os condenados ao pelourinho da má sorte, da vida de privações e lamentos.
Era tanta desesperança em seus olhares que muitos duvidavam que em seus doces houvesse doçura. Conseguiria a Primavera suplantar o tenebroso Inverno com a presença daqueles dois moribundos trazendo maus agouros?
Calados seguiam encarando os paralelepípedos surrados do caminho rotineiro. Talvez aquele silêncio fosse a fórmula para suportarem os infortúnios destinados a eles. Era mais prudente continuarem cerrados em seus pensamentos. Mais fácil sonhar, do que conseguir.
Suas mãos talvez nem mais se reconhecessem umas às outras, embora seguissem marcialmente um ao lado do outro, passo após passo, em ordem unida militar. A marcha de José e Maria era rápida. Como se em casa fossem encontrar refúgio para seus desgostos existenciais. Não era o caso. Trancafiados às trancas, trincos e grades, com pés gelados em uma pobre e suja cama de casal, só faziam o favor de não perturbarem um ao outro.
Enquanto tentavam passagem para o aconchego do sono, eram tentados para as lembranças desgraçadas de mais um dia de fracassos.
A caixa em que levam seus doces e salgados volta quase sempre com o mesmo peso. Eram mal recebidos pela maioria. As crianças de pés no chão que cruzavam pela beira da estrada eram as únicas que lhes olhavam com pupilas iluminadas. Salivavam, mas sabem que dificilmente se lambuzariam com aqueles doces.
José e Maria retribuíam com um olhar gélido e ácido como limão. Não era maldade. Tinham o coração duro de tão calejado. Eram muitas portas fechadas. Muita criança em automóvel importado influenciada pelo medo do pai, que sequer os olha para acenar com um “não”.
A vida é amarga para aqueles vendedores de doces. Talvez pouco custasse para que seus sorrisos de raros dentes obturados voltassem a reinar em suas faces precocemente envelhecidas.
Parecia que todo o peso do mundo estava nas costas daquele casal. Era uma sexta-feira chuvosa. A parcimônia do relógio naquela tarde foi tamanha que a sensação era a de estar em uma manhã de segunda.
José Antonio da Conceição Ribeiro e a mulher Maria Aparecida da Rosa Ribeiro aparentavam ter muito mais do que os seus 37 e 35 anos respectivamente. Para os infelizes, o tempo é infinitamente mais cruel.
A tarde caia velozmente e o sol anguloso dos dias de Inverno se escondia nas montanhas do poente. A breve aquarela em tons cinzentos logo deu lugar ao véu negro da noite. O frio era o capataz. O vento, o açoite. O casal de vendedores de doces e salgados eram os condenados ao pelourinho da má sorte, da vida de privações e lamentos.
Era tanta desesperança em seus olhares que muitos duvidavam que em seus doces houvesse doçura. Conseguiria a Primavera suplantar o tenebroso Inverno com a presença daqueles dois moribundos trazendo maus agouros?
Calados seguiam encarando os paralelepípedos surrados do caminho rotineiro. Talvez aquele silêncio fosse a fórmula para suportarem os infortúnios destinados a eles. Era mais prudente continuarem cerrados em seus pensamentos. Mais fácil sonhar, do que conseguir.
Suas mãos talvez nem mais se reconhecessem umas às outras, embora seguissem marcialmente um ao lado do outro, passo após passo, em ordem unida militar. A marcha de José e Maria era rápida. Como se em casa fossem encontrar refúgio para seus desgostos existenciais. Não era o caso. Trancafiados às trancas, trincos e grades, com pés gelados em uma pobre e suja cama de casal, só faziam o favor de não perturbarem um ao outro.
Enquanto tentavam passagem para o aconchego do sono, eram tentados para as lembranças desgraçadas de mais um dia de fracassos.
A caixa em que levam seus doces e salgados volta quase sempre com o mesmo peso. Eram mal recebidos pela maioria. As crianças de pés no chão que cruzavam pela beira da estrada eram as únicas que lhes olhavam com pupilas iluminadas. Salivavam, mas sabem que dificilmente se lambuzariam com aqueles doces.
José e Maria retribuíam com um olhar gélido e ácido como limão. Não era maldade. Tinham o coração duro de tão calejado. Eram muitas portas fechadas. Muita criança em automóvel importado influenciada pelo medo do pai, que sequer os olha para acenar com um “não”.
A vida é amarga para aqueles vendedores de doces. Talvez pouco custasse para que seus sorrisos de raros dentes obturados voltassem a reinar em suas faces precocemente envelhecidas.
quarta-feira, julho 08, 2009
O sentido (horário) da vida
*Anderson Paes | www.twitter.com/andersonpaes
As pessoas nascem, comem e enchem as fraldas. Crescem, são educadas – não importa como, são sempre educadas de forma errada; alguém disse isso uma vez. Passam a ser adolescentes, pensam só em sexo e continuam estudando. Chegam à idade adulta, depois de um período de crise entre razão e emoção, e procuram fazer algo útil para o mundo – nem que seja para o seu próprio mundo.
Adultos, percebem que nem todas as crises foram superadas. Alguns fazem terapia, outros pulam da ponte. Se apaixonam, sofrem, ficam felizes e pensam na vida a dois. Pensam em como vai ficar orçamento do lar, em se aposentar pela assistência social, no imóvel financiado na Caixa, numa vida de comercial de margarina.
Até que chegam os filhos. Que nascem, comem, enchem as fraldas, crescem, são mal educados, pensam em sexo, viram adultos, se apaixonam, sofrem, ficam felizes, têm filhos, etc. E começa tudo outra vez.
Agora as coisas se misturam e as gerações entram em conflito, com doses de harmonia. Tudo ao mesmo tempo. Nessas horas o tempo acelera. Sem volta e sem relatividade.
As pessoas nascem, comem e enchem as fraldas. Crescem, são educadas – não importa como, são sempre educadas de forma errada; alguém disse isso uma vez. Passam a ser adolescentes, pensam só em sexo e continuam estudando. Chegam à idade adulta, depois de um período de crise entre razão e emoção, e procuram fazer algo útil para o mundo – nem que seja para o seu próprio mundo.
Adultos, percebem que nem todas as crises foram superadas. Alguns fazem terapia, outros pulam da ponte. Se apaixonam, sofrem, ficam felizes e pensam na vida a dois. Pensam em como vai ficar orçamento do lar, em se aposentar pela assistência social, no imóvel financiado na Caixa, numa vida de comercial de margarina.
Até que chegam os filhos. Que nascem, comem, enchem as fraldas, crescem, são mal educados, pensam em sexo, viram adultos, se apaixonam, sofrem, ficam felizes, têm filhos, etc. E começa tudo outra vez.
Agora as coisas se misturam e as gerações entram em conflito, com doses de harmonia. Tudo ao mesmo tempo. Nessas horas o tempo acelera. Sem volta e sem relatividade.
Eis o mistério da fé
*Anderson Paes | www.twitter.com/andersonpaes
Dizem que o paraíso fica lá pros lados da Bahia. Não quero nem imaginar pra onde fica o inferno, mas é capaz de estar no Brasil também. O purgatório, lugar de parada para os que deixaram este mundo e esperam o julgamento final, faliu. O Papa anunciou que esta parada obrigatória para alguns deixou de existir. Não vi a cópia do Divino Fax – firmada em cartório – mas acredito.
E pra ter falido uma instituição tão antiga quanto essa – e olha que já faz algum tempo, nem foi culpa da crise –, ela deve ter sido muito mal administrada. Imagino que os réus que lá esperavam foram todos amparados por advogados brasileiros – nas leis da Terra de Vera Cruz, como lembra o amigo Eduardo Daniel. É possível que todos tenham conseguido habeas corpus e foram esperar no paraíso – céu azul, água de coco e um mar claro e quente do nordeste.
Outros dizem que o mandatário da casa empregou uns parentes e não quis sair de lá nem com vaga assegurada no paraíso. Eis que então o cara lá de cima resolveu chamá-lo pra uma conversa e deu no que deu. Mais uma instituição pública às moscas e gente desconfiada por toda parte. Melhor dizer que acabou mesmo.
Dizem que o paraíso fica lá pros lados da Bahia. Não quero nem imaginar pra onde fica o inferno, mas é capaz de estar no Brasil também. O purgatório, lugar de parada para os que deixaram este mundo e esperam o julgamento final, faliu. O Papa anunciou que esta parada obrigatória para alguns deixou de existir. Não vi a cópia do Divino Fax – firmada em cartório – mas acredito.
E pra ter falido uma instituição tão antiga quanto essa – e olha que já faz algum tempo, nem foi culpa da crise –, ela deve ter sido muito mal administrada. Imagino que os réus que lá esperavam foram todos amparados por advogados brasileiros – nas leis da Terra de Vera Cruz, como lembra o amigo Eduardo Daniel. É possível que todos tenham conseguido habeas corpus e foram esperar no paraíso – céu azul, água de coco e um mar claro e quente do nordeste.
Outros dizem que o mandatário da casa empregou uns parentes e não quis sair de lá nem com vaga assegurada no paraíso. Eis que então o cara lá de cima resolveu chamá-lo pra uma conversa e deu no que deu. Mais uma instituição pública às moscas e gente desconfiada por toda parte. Melhor dizer que acabou mesmo.
Terra de ninguém... (ou das Empresas de Ônibus)
*Viviany Pfleger | vivianypfleger@yahoo.com.br
É mais um evento no ano, e deveria ser colocado no calendário municipal. Concordas?
Se as empresas, prefeitura e trabalhadores comemoram anualmente, é porque virou evento. O único problema é que esqueceram de incluir a opinião da população nesta festa. Ainda não aprendemos a lutar por nossos direitos, salvo os estudantes que têm dado a cara à tapa, sempre que os preços das passagens de ônibus aumentam (Movimento Passe Livre). E eles vêm por aí nos próximos dias, aguardem.
É da terrinha Florianópolis (SC), que falo. A cidade parou por três dias, posso assim dizer, e o transporte coletivo é a causa novamente.
O trânsito ficou caótico. As lojas amargaram prejuízos de fim de mês. E as metas? Ah, as metas já eram! Sem funcionário e clientes, nada de metas. Só estavam presentes aqueles que conseguiram caronas ou os que foram buscados em casa, por solicitação dos patrões.
Provas foram adiadas, crianças sem escolas, sem creche; perdidas no Centro, pois não tinham como voltar pra casa. É... geralmente eles fazem isto. Tiram as pessoas das suas casas, de manhã cedo, e as deixam desamparadas no Centro da cidade – isso não se faz, mas eles sempre repetem.
É um ciclo vicioso. As empresas precisam de arrecadação, os empregados querem aumento e garantias de emprego, o sindicato entra na história em defesa dos trabalhadores que têm direito à ‘greve’, e a prefeitura da cidade acaba intermediando a discussão, além de fornecer o subsídio para o transporte público. E onde estão os prefeitos das outras cidades da Grande Florianópolis, já que as empresas intermunicipais também aderiram à greve?
Sempre marmelada. Como o povo sempre pagará a conta, e foi o que aconteceu – aumento de R$ 0,10 nas passagens desde a última segunda-feira –, fica cômodo gerar uma greve provocada pelo sindicato, que não abre mão de nenhuma proposta proveniente dos trabalhadores – reivindicavam 72 itens. E para as empresas também é bom, já que os preços são aumentados com o consentimento da prefeitura.
Porém, apesar de se dizer que o sistema está falido, que as empresas de transporte coletivo amargam milhões por mês, uma coisa é clara: o povo não tem mais dinheiro pra cobrir os gastos caríssimos de transporte da cidade. Por trechos pequenos, cerca de dez minutos, o cidadão que vai ao centro paga os mesmos R$2,80, que alguém que se locomove para o norte da ilha, cuja viajem dura em torno de 40 minutos. Além do que, hoje em dia tem empresa que não contrata mais funcionário que mora longe, em função do preço do vale-transporte. Onde vamos parar?
Esta foi a quarta paralização em apenas dois meses, devido às inúmeras tentativas de negociação entre sindicato, empresas e a prefeitura.
Durante estes três dias de greve da última semana, eu pensei: — Espero que resolvam hoje. Então veio a quarta-feira, e nada. Dois dias sem transporte já era o caos, em uma cidade que se dizia ‘candidata a sediar a Copa do mundo’, imagina um terceiro dia sem nada. Pois veio a quinta-feira, e era um tal de o prefeito, o secretário, o fulano e o sicrano falando na mídia – e andando em círculos. Ninguém sabia o que fazer. A terra era de ninguém, mesmo. Não havia um consenso. O que parecia é que a cidade estava nas mãos de motoristas e cobradores de ônibus, pois esta foi a sensação clara, da população, que em meio a tudo isto, já estava insatisfeita com a classe e com o excesso de exigências que eles buscavam.
Era o aumento desejado de 7%, mais vale-alimentação no valor de R$310,00 pra trabalhar seis horas por dia, mais participação nos lucros, mais garantia de que os cobradores não serão demitidos – trocados por catracas eletrônicas –, e mais e mais e mais e mais...
Sabe de uma coisa? Essa história está longe de ser resolvida...
E não esqueça de anotar: ano quem vem, teremos ‘feriado’ novamente!
Até parece carnaval.
___
*Viviany Pfleger é administradora e viveu essa crise do transporte público na capital catarinense.
É mais um evento no ano, e deveria ser colocado no calendário municipal. Concordas?
Se as empresas, prefeitura e trabalhadores comemoram anualmente, é porque virou evento. O único problema é que esqueceram de incluir a opinião da população nesta festa. Ainda não aprendemos a lutar por nossos direitos, salvo os estudantes que têm dado a cara à tapa, sempre que os preços das passagens de ônibus aumentam (Movimento Passe Livre). E eles vêm por aí nos próximos dias, aguardem.
É da terrinha Florianópolis (SC), que falo. A cidade parou por três dias, posso assim dizer, e o transporte coletivo é a causa novamente.
O trânsito ficou caótico. As lojas amargaram prejuízos de fim de mês. E as metas? Ah, as metas já eram! Sem funcionário e clientes, nada de metas. Só estavam presentes aqueles que conseguiram caronas ou os que foram buscados em casa, por solicitação dos patrões.
Provas foram adiadas, crianças sem escolas, sem creche; perdidas no Centro, pois não tinham como voltar pra casa. É... geralmente eles fazem isto. Tiram as pessoas das suas casas, de manhã cedo, e as deixam desamparadas no Centro da cidade – isso não se faz, mas eles sempre repetem.
É um ciclo vicioso. As empresas precisam de arrecadação, os empregados querem aumento e garantias de emprego, o sindicato entra na história em defesa dos trabalhadores que têm direito à ‘greve’, e a prefeitura da cidade acaba intermediando a discussão, além de fornecer o subsídio para o transporte público. E onde estão os prefeitos das outras cidades da Grande Florianópolis, já que as empresas intermunicipais também aderiram à greve?
Sempre marmelada. Como o povo sempre pagará a conta, e foi o que aconteceu – aumento de R$ 0,10 nas passagens desde a última segunda-feira –, fica cômodo gerar uma greve provocada pelo sindicato, que não abre mão de nenhuma proposta proveniente dos trabalhadores – reivindicavam 72 itens. E para as empresas também é bom, já que os preços são aumentados com o consentimento da prefeitura.
Porém, apesar de se dizer que o sistema está falido, que as empresas de transporte coletivo amargam milhões por mês, uma coisa é clara: o povo não tem mais dinheiro pra cobrir os gastos caríssimos de transporte da cidade. Por trechos pequenos, cerca de dez minutos, o cidadão que vai ao centro paga os mesmos R$2,80, que alguém que se locomove para o norte da ilha, cuja viajem dura em torno de 40 minutos. Além do que, hoje em dia tem empresa que não contrata mais funcionário que mora longe, em função do preço do vale-transporte. Onde vamos parar?
Esta foi a quarta paralização em apenas dois meses, devido às inúmeras tentativas de negociação entre sindicato, empresas e a prefeitura.
Durante estes três dias de greve da última semana, eu pensei: — Espero que resolvam hoje. Então veio a quarta-feira, e nada. Dois dias sem transporte já era o caos, em uma cidade que se dizia ‘candidata a sediar a Copa do mundo’, imagina um terceiro dia sem nada. Pois veio a quinta-feira, e era um tal de o prefeito, o secretário, o fulano e o sicrano falando na mídia – e andando em círculos. Ninguém sabia o que fazer. A terra era de ninguém, mesmo. Não havia um consenso. O que parecia é que a cidade estava nas mãos de motoristas e cobradores de ônibus, pois esta foi a sensação clara, da população, que em meio a tudo isto, já estava insatisfeita com a classe e com o excesso de exigências que eles buscavam.
Era o aumento desejado de 7%, mais vale-alimentação no valor de R$310,00 pra trabalhar seis horas por dia, mais participação nos lucros, mais garantia de que os cobradores não serão demitidos – trocados por catracas eletrônicas –, e mais e mais e mais e mais...
Sabe de uma coisa? Essa história está longe de ser resolvida...
E não esqueça de anotar: ano quem vem, teremos ‘feriado’ novamente!
Até parece carnaval.
___
*Viviany Pfleger é administradora e viveu essa crise do transporte público na capital catarinense.
terça-feira, julho 07, 2009
"Não deu!"
*Eduardo Daniel | www.twitter.com/eduardosdaniel
Se Leonardo de Oliveira soubesse, no dia anterior, que nessa fatídica terça-feira seria ele um dos personagens das páginas policiais dos jornais, certamente teria esperado o semáforo abrir para os pedestres. Não apostaria todas as suas fichas na travessia tresloucada que o levaria à morte. Saberia que aquele Volkswagen interromperia sua vida numa manhã pachorrenta de segunda-feira.
O atropelamento na esquina das ruas Rui Barbosa com a Altamiro Guimarães, logo reuniu uns bons cinquenta espectadores.
Esticavam os olhares e velavam, inquietos, o corpo coberto por jornais recém trocados nas bancas pelas edições atualizadas. Umas senhoras que duvidosamente diziam ter visto tudo, colocavam a par os desavisados de última hora:
— Tentou atravessar a rua. Achou que dava, não deu! Voou uns 20 metros e foi com a cabeça no meio-fio. Como caiu, ficou – e olhavam umas para as outras como que pedindo crédito ao testemunho.
A polícia chegou rápido. Colocou o trânsito em meia-pista e evitou o pior. Pregadores da “justiça com as próprias mãos” arvoravam-se defensores do infeliz atropelado, já haviam dado o veredicto e a pena era a máxima para o caso:
— Tem que linchar! Atropelou o rapaz na faixa de pedestres – bradavam sedentos por mais sangue.
Encostado no Volkswagen, Ernani Gomes da Costa, aposentado, 68 anos, três filhos e dois netos, estava em estado de choque. Era consolado pelos compreensivos:
— O sinal estava aberto para o senhor. Ele que atravessou na hora errada – diziam sem demonstrar tristeza pelo morto.
Ernani parecia não ouvir. À pequena platéia que se juntou de início somavam-se agora, sem medo de parecer exagerado, mais uns 20 pares de olhos curiosos. Alguns conseguiam sorrir com a novidade que os tirou da rotina acachapante. Outros tiravam fotos com os aparelhos de telefonia móvel.
A roda que se formou em torno de Leonardo, engenheiro civil, 41 anos, solteiro, sem filhos, natural de Florianópolis, no Bairro Oficinas, em Tubarão, no Sul de Santa Catarina, só abriu com a chegada do famigerado rabecão.
O respeito típico desta hora fez todos se calarem, enquanto Leonardo era retirado do asfalto em sua mortalha de jornais.
O tenente Ferreira, policial militar de uma altivez que inspira segurança e compromisso, saca um celular, digita um número que encontra na carteira de Leonardo, dá as costas e sai do murmurinho.
Enquanto algum conhecido do pobre engenheiro recebe a nefasta notícia, o defunto segue ao Instituto Médico Legal.
Rapidamente o cenário de horrendo acontecimento se desfaz. Os curiosos seguem para cuidar de suas vidas. Em poucos dias talvez nem se lembrem dos detalhes. Uns vão aliviados: estão vivos. Outros precavidos: podia ter sido com eles. Mas todos seguem inexoravelmente seus caminhos, sem olhar para trás, apresando o passo para compensar o tempo perdido.
Se Leonardo de Oliveira soubesse, no dia anterior, que nessa fatídica terça-feira seria ele um dos personagens das páginas policiais dos jornais, certamente teria esperado o semáforo abrir para os pedestres. Não apostaria todas as suas fichas na travessia tresloucada que o levaria à morte. Saberia que aquele Volkswagen interromperia sua vida numa manhã pachorrenta de segunda-feira.
O atropelamento na esquina das ruas Rui Barbosa com a Altamiro Guimarães, logo reuniu uns bons cinquenta espectadores.
Esticavam os olhares e velavam, inquietos, o corpo coberto por jornais recém trocados nas bancas pelas edições atualizadas. Umas senhoras que duvidosamente diziam ter visto tudo, colocavam a par os desavisados de última hora:
— Tentou atravessar a rua. Achou que dava, não deu! Voou uns 20 metros e foi com a cabeça no meio-fio. Como caiu, ficou – e olhavam umas para as outras como que pedindo crédito ao testemunho.
A polícia chegou rápido. Colocou o trânsito em meia-pista e evitou o pior. Pregadores da “justiça com as próprias mãos” arvoravam-se defensores do infeliz atropelado, já haviam dado o veredicto e a pena era a máxima para o caso:
— Tem que linchar! Atropelou o rapaz na faixa de pedestres – bradavam sedentos por mais sangue.
Encostado no Volkswagen, Ernani Gomes da Costa, aposentado, 68 anos, três filhos e dois netos, estava em estado de choque. Era consolado pelos compreensivos:
— O sinal estava aberto para o senhor. Ele que atravessou na hora errada – diziam sem demonstrar tristeza pelo morto.
Ernani parecia não ouvir. À pequena platéia que se juntou de início somavam-se agora, sem medo de parecer exagerado, mais uns 20 pares de olhos curiosos. Alguns conseguiam sorrir com a novidade que os tirou da rotina acachapante. Outros tiravam fotos com os aparelhos de telefonia móvel.
A roda que se formou em torno de Leonardo, engenheiro civil, 41 anos, solteiro, sem filhos, natural de Florianópolis, no Bairro Oficinas, em Tubarão, no Sul de Santa Catarina, só abriu com a chegada do famigerado rabecão.
O respeito típico desta hora fez todos se calarem, enquanto Leonardo era retirado do asfalto em sua mortalha de jornais.
O tenente Ferreira, policial militar de uma altivez que inspira segurança e compromisso, saca um celular, digita um número que encontra na carteira de Leonardo, dá as costas e sai do murmurinho.
Enquanto algum conhecido do pobre engenheiro recebe a nefasta notícia, o defunto segue ao Instituto Médico Legal.
Rapidamente o cenário de horrendo acontecimento se desfaz. Os curiosos seguem para cuidar de suas vidas. Em poucos dias talvez nem se lembrem dos detalhes. Uns vão aliviados: estão vivos. Outros precavidos: podia ter sido com eles. Mas todos seguem inexoravelmente seus caminhos, sem olhar para trás, apresando o passo para compensar o tempo perdido.
segunda-feira, julho 06, 2009
Dúvida cruel
*Gabriel Guedes | www.twitter.com/gabrielzguedes
Ainda da série das informações “represadas”, recordei hoje de uma história que captei na minha última estada em Tubarão, no começo de maio. Na verdade, soube desta informação durante uma rápida passagem, a negócios, em Gravatal. Vou falar de Anitápolis.
— Alguém já ouviu falar?
Anitápolis é um de vários minúsculos municípios do meu Estado que vivem praticamente isolados. Sim, por que existe mais estrada de chão do que asfalto para chegar até lá. Distante 96 quilômetros de Tubarão e outros 97 de Florianópolis, é lá que nasce o principal afluente do Rio Tubarão: o Rio Braço do Norte, que verte do encontro das encostas da Serra Geral, da Boa Vista e do Tabuleiro. Uma região de enorme beleza natural e que conta com uma das maiores áreas de mata atlântica preservada em Santa Catarina. Colonizada por imigrantes alemães, os seus 3,2 mil habitantes são gente simples e que subsistem da agricultura. Agora eles vivem um dilema: instalar ou não uma mina, a céu aberto, de fosfato para fabricação de fertilizantes?
Num lugar tão distante de qualquer grande centro urbano, é normal que se tenha uma ânsia pelo desenvolvimento econômico. Principalmente quando se fala em geração de empregos em larga escala. Soube que devem ser gerados cerca de 2 mil empregos, entre diretos e indiretos. E o prefeito Saulo Weiss (PMDB) estaria empolgadíssimo.
A primeira licença para a instalação já foi dada pela Fundação Estadual de Meio Ambiente (Fatma). Claro, isso não demorou porque se trata de um empreendimento da gigante alimentícia Bünge, por intermédio da Indústria de Fosfatados Catarinense Ltda. Onde há um forte lobby. E se tratando da Fatma, há que se desconfiar mais que duas vezes. Segundo o pessoal da Fepam (a fundação de proteção ambiental gaúcha), a Fatma tem fama de ser “frouxa”. E num governo como o de Luiz Henrique da Silveira (PMDB) – que apoiou o descarado “código florestal catarinense” –, dizem que a Fatma, assim como outros órgãos do Estado, são loteados politicamente. Logo, sem critérios racionais.
Tubarão precisa se mobilizar: o projeto prevê a construção de uma barragem de 80 metros de altura no Rio Pinheiros, afluente do Braço do Norte–Rio Tubarão, onde ficarão retidos os dejetos tóxicos da extração do fosfato.
Imagine a catástrofe: numa região em que a água já é castigada pela extração de carvão mineral, ter uma barragem gigantesca retendo resíduos tóxicos e que pode arrebentar a qualquer momento, bastando uma chuva torrencial para iniciar o desastre. Qualquer vazamento é fatal para todas as cidades que dependem do Rio Braço do Norte e Tubarão, além do Complexo Lagunar, para sobreviver.
Isso sem relevar o fato dos caminhões – em torno de 112/dia – que irão trafegar com enxofre, ácido sulfúrico e fosfato pela BR-282/BR-101 até o Porto de Imbituba e até Lages, onde a carga seguirá por ferrovia até Rio Grande do Sul e São Paulo. Os riscos de um grave acidente ambiental são enormes, segundo especialistas.
— Fica a pergunta: é isso que queremos, mesmo? Será que vale a pena o “Brasil, País do futuro” sacrificando o meio ambiente e a segurança de sobrevivência de mais de 300 mil pessoas?
Fique à vontade para conhecer as duas versões: Quem quer: www.projetoanitapolis.com.br / Quem não quer: www.montanhaviva.org.br
No próximo post digo o que isso tem a ver com a concentração populacional no litoral catarinense.
Ainda da série das informações “represadas”, recordei hoje de uma história que captei na minha última estada em Tubarão, no começo de maio. Na verdade, soube desta informação durante uma rápida passagem, a negócios, em Gravatal. Vou falar de Anitápolis.
— Alguém já ouviu falar?
Anitápolis é um de vários minúsculos municípios do meu Estado que vivem praticamente isolados. Sim, por que existe mais estrada de chão do que asfalto para chegar até lá. Distante 96 quilômetros de Tubarão e outros 97 de Florianópolis, é lá que nasce o principal afluente do Rio Tubarão: o Rio Braço do Norte, que verte do encontro das encostas da Serra Geral, da Boa Vista e do Tabuleiro. Uma região de enorme beleza natural e que conta com uma das maiores áreas de mata atlântica preservada em Santa Catarina. Colonizada por imigrantes alemães, os seus 3,2 mil habitantes são gente simples e que subsistem da agricultura. Agora eles vivem um dilema: instalar ou não uma mina, a céu aberto, de fosfato para fabricação de fertilizantes?
Num lugar tão distante de qualquer grande centro urbano, é normal que se tenha uma ânsia pelo desenvolvimento econômico. Principalmente quando se fala em geração de empregos em larga escala. Soube que devem ser gerados cerca de 2 mil empregos, entre diretos e indiretos. E o prefeito Saulo Weiss (PMDB) estaria empolgadíssimo.
A primeira licença para a instalação já foi dada pela Fundação Estadual de Meio Ambiente (Fatma). Claro, isso não demorou porque se trata de um empreendimento da gigante alimentícia Bünge, por intermédio da Indústria de Fosfatados Catarinense Ltda. Onde há um forte lobby. E se tratando da Fatma, há que se desconfiar mais que duas vezes. Segundo o pessoal da Fepam (a fundação de proteção ambiental gaúcha), a Fatma tem fama de ser “frouxa”. E num governo como o de Luiz Henrique da Silveira (PMDB) – que apoiou o descarado “código florestal catarinense” –, dizem que a Fatma, assim como outros órgãos do Estado, são loteados politicamente. Logo, sem critérios racionais.
Tubarão precisa se mobilizar: o projeto prevê a construção de uma barragem de 80 metros de altura no Rio Pinheiros, afluente do Braço do Norte–Rio Tubarão, onde ficarão retidos os dejetos tóxicos da extração do fosfato.
Imagine a catástrofe: numa região em que a água já é castigada pela extração de carvão mineral, ter uma barragem gigantesca retendo resíduos tóxicos e que pode arrebentar a qualquer momento, bastando uma chuva torrencial para iniciar o desastre. Qualquer vazamento é fatal para todas as cidades que dependem do Rio Braço do Norte e Tubarão, além do Complexo Lagunar, para sobreviver.
Isso sem relevar o fato dos caminhões – em torno de 112/dia – que irão trafegar com enxofre, ácido sulfúrico e fosfato pela BR-282/BR-101 até o Porto de Imbituba e até Lages, onde a carga seguirá por ferrovia até Rio Grande do Sul e São Paulo. Os riscos de um grave acidente ambiental são enormes, segundo especialistas.
— Fica a pergunta: é isso que queremos, mesmo? Será que vale a pena o “Brasil, País do futuro” sacrificando o meio ambiente e a segurança de sobrevivência de mais de 300 mil pessoas?
Fique à vontade para conhecer as duas versões: Quem quer: www.projetoanitapolis.com.br / Quem não quer: www.montanhaviva.org.br
No próximo post digo o que isso tem a ver com a concentração populacional no litoral catarinense.
Os cinco sentidos em favor da boa reportagem
*Eduardo Daniel | www.twitter.com/eduardosdaniel
Não tenho vontade de continuar neste assunto sobre o diploma de jornalismo. Sei que chateia o leitor, se é que temos algum. Por isso devo uma explicação ao postar mais uma vez sobre o tema:
Ao escrever um comentário sobre o texto Liberdade Expressão ou Liberdade de Restrição, do jornalista Gabriel Guedes, percebi que estava elaborando um compêndio e como a ideia é não desperdiçar nada, ganhei o dia e mais uma postagem!
— Este papo de extinguir a exigência do diploma para favorecer a liberdade de expressão é o "ó do borogodó" – assim eu havia iniciado o já mencionado comentário e segui:
Há muitos anos qualquer brasileiro tem o direito de se expressar da maneira que bem entender na imprensa, desde que, com responsabilidade, assumindo suas palavras e tendo sua opinião selecionada para estampar algumas linhas de qualquer publicação. Sem levar em conta é evidente, os meios eletrônicos e sua quase que total anarquia.
Artigos e colunas nunca foram privilégios de jornalistas formados e, ademais, com ou sem diploma não existe nenhuma garantia de “expressão”, apesar das garantias que temos para tal.
De todo modo, reforço que, o diploma pelo diploma não garante qualidade e não deve ser ferramenta para reserva de emprego, embora, é claro, ele tenha o seu devido valor, como já disse em outra postagem. Um exemplo é a aberração que vai acontecer ao não exigir certificado de jornalista para cargos públicos na área de imprensa.
É preciso aliar o talento à técnica.
Antes de cursar jornalismo sempre me aventurei na escrita. Enviava artigos e comentários para jornais e revistas. Também era metido a poeta (graças ao bom senso mantenho minhas poesias bem guardadas). Mas foi com a faculdade de Comunicação Social que descobri de fato (embora não pareça) como escrever. Embora sem o diploma, eu já possuísse este direito.
Mesmo com a técnica e a objetividade ensinadas nas salas de aula, o bom repórter precisa ter uma veia literária com destaque. A reportagem precisa contar uma história e essa história deve ser contada com a audição, o olfato, a visão, o paladar e o tato atentos ao ambiente.
É preciso querer ser como Gay Talese, ícone do jornalismo literário e investigativo.
O último parágrafo do texto dedicado a participação de Talese na Flip (Festa Literária Internacional de Paraty) no blogue Máquina de Escrever (colunas.g1.com.br/maquinadeescrever), endossa o que quero dizer ao citar como indispensável ao bom jornalista ter os cinco sentidos aguçados:
— O dom da observação vem da infância (de Talese), quando, após o colégio, Talese ajudava o pai, um alfaiate imigrante da Calábria, em sua loja. Foi então que ele aprendeu a enxergar e diferenciar a forma como cada pessoa se apresentava, não apenas nas palavras, mas também no estilo. Aprendeu também a se relacionar sem qualquer desconforto com pessoas de diferentes classes sociais, um requisito que considera indispensável, além da paciência e perseverança, para quem quiser se dedicar ao tipo de jornalismo investigativo que o consagrou.
Não tenho vontade de continuar neste assunto sobre o diploma de jornalismo. Sei que chateia o leitor, se é que temos algum. Por isso devo uma explicação ao postar mais uma vez sobre o tema:
Ao escrever um comentário sobre o texto Liberdade Expressão ou Liberdade de Restrição, do jornalista Gabriel Guedes, percebi que estava elaborando um compêndio e como a ideia é não desperdiçar nada, ganhei o dia e mais uma postagem!
— Este papo de extinguir a exigência do diploma para favorecer a liberdade de expressão é o "ó do borogodó" – assim eu havia iniciado o já mencionado comentário e segui:
Há muitos anos qualquer brasileiro tem o direito de se expressar da maneira que bem entender na imprensa, desde que, com responsabilidade, assumindo suas palavras e tendo sua opinião selecionada para estampar algumas linhas de qualquer publicação. Sem levar em conta é evidente, os meios eletrônicos e sua quase que total anarquia.
Artigos e colunas nunca foram privilégios de jornalistas formados e, ademais, com ou sem diploma não existe nenhuma garantia de “expressão”, apesar das garantias que temos para tal.
De todo modo, reforço que, o diploma pelo diploma não garante qualidade e não deve ser ferramenta para reserva de emprego, embora, é claro, ele tenha o seu devido valor, como já disse em outra postagem. Um exemplo é a aberração que vai acontecer ao não exigir certificado de jornalista para cargos públicos na área de imprensa.
É preciso aliar o talento à técnica.
Antes de cursar jornalismo sempre me aventurei na escrita. Enviava artigos e comentários para jornais e revistas. Também era metido a poeta (graças ao bom senso mantenho minhas poesias bem guardadas). Mas foi com a faculdade de Comunicação Social que descobri de fato (embora não pareça) como escrever. Embora sem o diploma, eu já possuísse este direito.
Mesmo com a técnica e a objetividade ensinadas nas salas de aula, o bom repórter precisa ter uma veia literária com destaque. A reportagem precisa contar uma história e essa história deve ser contada com a audição, o olfato, a visão, o paladar e o tato atentos ao ambiente.
É preciso querer ser como Gay Talese, ícone do jornalismo literário e investigativo.
O último parágrafo do texto dedicado a participação de Talese na Flip (Festa Literária Internacional de Paraty) no blogue Máquina de Escrever (colunas.g1.com.br/maquinadeescrever), endossa o que quero dizer ao citar como indispensável ao bom jornalista ter os cinco sentidos aguçados:
— O dom da observação vem da infância (de Talese), quando, após o colégio, Talese ajudava o pai, um alfaiate imigrante da Calábria, em sua loja. Foi então que ele aprendeu a enxergar e diferenciar a forma como cada pessoa se apresentava, não apenas nas palavras, mas também no estilo. Aprendeu também a se relacionar sem qualquer desconforto com pessoas de diferentes classes sociais, um requisito que considera indispensável, além da paciência e perseverança, para quem quiser se dedicar ao tipo de jornalismo investigativo que o consagrou.
domingo, julho 05, 2009
Liberdade de Expressão ou Liberdade de Restrição?
*Gabriel Guedes | www.twitter.com/gabrielzguedes
Tarde de domingo em São Leopoldo. O céu de brigadeiro dos últimos dias cedeu lugar a um tom "leitoso", sem graça. Estou aqui tomando um chimarrão enquanto resolvo estrear de vez no Gelo em Marte, quebrando a hegemonia do Anderson Paes e do Eduardo Daniel durante esta primeira semana de site no ar. Foi o tempo que me restou para escrever. Durante a semana o tempo voa. Principalmente pelo tempo dedicado ao trabalho na redação.
Em meio a discussão provocada diante da queda do diploma de bacharel em Jornalismo, me chamou atenção a justificativa das empresas jornalísticas. Uma delas, é a defesa da liberdade de expressão, que estaria supostamente restringida em detrimento do documento. Algo que eu não consigo compreender exatamente por ser contraditório.
Nas últimas semanas, eu e meus colegas, tivemos de lidar com matérias sobre a nossa classe e que foram vetadas de publicação. Uma delas foi a intitulada Quarenta senadores já assinaram PEC que prevê exigência de diploma, publicada pela Agência Brasil no dia 24 de junho. No dia seguinte, resolvi conferir a Zero Hora, a Folha de S. Paulo e o Estadão. Para minha surpresa, a mesma situação: matéria não publicada. Justamente por causa de um alinhamento editorial articulado pelas empresas.
Se liberdade de expressão é poder falar de tudo e mais um pouco, no caso dos maiores jornais do Brasil isso significa a liberdade de restrição. A liberdade de publicar o que lhes é conveniente e vêm a atender os interesses nos bastidores do negócio. É a parcialidade vendida sob o selo da imparcialidade, da independência. Mas isso o pobre leitor nem imagina que aconteça.
No dia 29 de junho recebi um e-mail de Caçador (SC), da minha ex-colega de faculdade, a jornalista Nicole Trevisol. Era um press release e uma foto sobre uma greve na principal empresa calçadista desta cidade do meio-oeste catarinense. Mas havia um apelo. E o transcrevo abaixo, na íntegra.
Tarde de domingo em São Leopoldo. O céu de brigadeiro dos últimos dias cedeu lugar a um tom "leitoso", sem graça. Estou aqui tomando um chimarrão enquanto resolvo estrear de vez no Gelo em Marte, quebrando a hegemonia do Anderson Paes e do Eduardo Daniel durante esta primeira semana de site no ar. Foi o tempo que me restou para escrever. Durante a semana o tempo voa. Principalmente pelo tempo dedicado ao trabalho na redação.
Em meio a discussão provocada diante da queda do diploma de bacharel em Jornalismo, me chamou atenção a justificativa das empresas jornalísticas. Uma delas, é a defesa da liberdade de expressão, que estaria supostamente restringida em detrimento do documento. Algo que eu não consigo compreender exatamente por ser contraditório.
Nas últimas semanas, eu e meus colegas, tivemos de lidar com matérias sobre a nossa classe e que foram vetadas de publicação. Uma delas foi a intitulada Quarenta senadores já assinaram PEC que prevê exigência de diploma, publicada pela Agência Brasil no dia 24 de junho. No dia seguinte, resolvi conferir a Zero Hora, a Folha de S. Paulo e o Estadão. Para minha surpresa, a mesma situação: matéria não publicada. Justamente por causa de um alinhamento editorial articulado pelas empresas.
Se liberdade de expressão é poder falar de tudo e mais um pouco, no caso dos maiores jornais do Brasil isso significa a liberdade de restrição. A liberdade de publicar o que lhes é conveniente e vêm a atender os interesses nos bastidores do negócio. É a parcialidade vendida sob o selo da imparcialidade, da independência. Mas isso o pobre leitor nem imagina que aconteça.
No dia 29 de junho recebi um e-mail de Caçador (SC), da minha ex-colega de faculdade, a jornalista Nicole Trevisol. Era um press release e uma foto sobre uma greve na principal empresa calçadista desta cidade do meio-oeste catarinense. Mas havia um apelo. E o transcrevo abaixo, na íntegra.
"Colegas, peço a ajuda de todos para que seja possível a divulgação deste fato. Em greve desde segunda-feira, dia 23, os trabalhadores da empresa Viposa estão mobilizados em busca de um melhor salário. Entretanto, a categoria tem enfrentado retaliações da mídia local que tem estado apática e indiferente sobre esta situação."Coitado de nós, jornalistas. Se não fosse a internet...
sábado, julho 04, 2009
Mãos que driblam
*Eduardo Daniel | www.twitter.com/eduardosdaniel
António Lobo Antunes, um dos escritores portugueses mais lidos da atualidade, contraria o seu estilo de escrita densa e labiríntica, ao afirmar em sua palestra na Flip (Festa Literária Internacional de Paraty), que “se queres ser um escritor, precisas ver Garrincha jogar e ser espontâneo como tal”.
O escritor lisboeta arrancou da platéia em Paraty uma das participações mais entusiasmadas. Tudo porque, para utilizar uma imagem mais familiar ao Brasil, citou um ídolo tupiniquim: Garrincha:
— Qualquer pessoa que queira ser escritora precisava ver Garrincha jogando, ou melhor, a jogar por dez minutos – disse em conversa com o jornalista Humberto Werneck, em referência a espontaneidade do anjo de pernas tortas.
António Lobo que também é psiquiatra e serviu na Angola na Guerra do Ultramar, como tenente e médico do Exército Português de 1971 a 1973, ainda mencionou outro craque brasileiro: Didi:
— Em um escritor, Didi é a cabeça e Garrincha é a mão. Você tem que ter os dois. A mão tem que escrever com a espontaneidade de Garrincha, mas com a cabeça acima, em vigia.
Mesmo sem querer, Lobo Antunes toca num ponto crucial em que as escolas de jornalismo, os jornalistas e os patrões da comunicação debatem com o fim da exigência do diploma para a profissão: a formação acadêmica e o talento inerente.
Garrincha era craque. Quem sabe jogar futebol nasce sabendo. Não se discute. Meu tio Bartolomeu mesmo tem certeza de que Garrincha foi muito mais jogador do que Pelé.
Mas e se Garrincha não treinasse? Se não aprimorasse a técnica, o preparo físico, o entrosamento com o grupo? Seria o mesmo? E se não fosse o mesmo, quem perderia? Certamente Garrincha sairia perdendo, seria preterido por um atleta dedicado aos treinamentos e obediente as ordens táticas.
O talento é a cereja do bolo. É a pedrinha de ouro no meio dos pedregulhos na peneira do garimpeiro. O mais é suor, muito estudo e trabalho duro.
António Lobo Antunes, um dos escritores portugueses mais lidos da atualidade, contraria o seu estilo de escrita densa e labiríntica, ao afirmar em sua palestra na Flip (Festa Literária Internacional de Paraty), que “se queres ser um escritor, precisas ver Garrincha jogar e ser espontâneo como tal”.
O escritor lisboeta arrancou da platéia em Paraty uma das participações mais entusiasmadas. Tudo porque, para utilizar uma imagem mais familiar ao Brasil, citou um ídolo tupiniquim: Garrincha:
— Qualquer pessoa que queira ser escritora precisava ver Garrincha jogando, ou melhor, a jogar por dez minutos – disse em conversa com o jornalista Humberto Werneck, em referência a espontaneidade do anjo de pernas tortas.
António Lobo que também é psiquiatra e serviu na Angola na Guerra do Ultramar, como tenente e médico do Exército Português de 1971 a 1973, ainda mencionou outro craque brasileiro: Didi:
— Em um escritor, Didi é a cabeça e Garrincha é a mão. Você tem que ter os dois. A mão tem que escrever com a espontaneidade de Garrincha, mas com a cabeça acima, em vigia.
Mesmo sem querer, Lobo Antunes toca num ponto crucial em que as escolas de jornalismo, os jornalistas e os patrões da comunicação debatem com o fim da exigência do diploma para a profissão: a formação acadêmica e o talento inerente.
Garrincha era craque. Quem sabe jogar futebol nasce sabendo. Não se discute. Meu tio Bartolomeu mesmo tem certeza de que Garrincha foi muito mais jogador do que Pelé.
Mas e se Garrincha não treinasse? Se não aprimorasse a técnica, o preparo físico, o entrosamento com o grupo? Seria o mesmo? E se não fosse o mesmo, quem perderia? Certamente Garrincha sairia perdendo, seria preterido por um atleta dedicado aos treinamentos e obediente as ordens táticas.
O talento é a cereja do bolo. É a pedrinha de ouro no meio dos pedregulhos na peneira do garimpeiro. O mais é suor, muito estudo e trabalho duro.
sexta-feira, julho 03, 2009
Um pensador no calçadão
*Eduardo Daniel | www.twitter.com/eduardosdaniel
De repente a estátua se mexeu. Ajeitou sua túnica, que assim como todo o resto em seu corpo, está pintada de cinza e desceu do banquinho. Apanhou a caixa de sapatos que utiliza como ofertório, guardou as poucas moedas e cuidadosamente contou alguns trocados em cédulas amassadas.
Deu alguns passos diante dos olhos perplexos de algumas pobres crianças e foi ao bar do calçadão. Também tinha o direito de se refrescar à sombra. Suava às bicas. Pediu uma cerveja. Pagou com um orgulho mal disfarçado. O dinheiro era dele. Trabalhou por ele. Que importa se umas velhas carolas passavam e lhe lançavam olhares raivosos?
Entre o zunzunzum da lanchonete, a estátua maltrapilha conseguiu se concentrar na TV enquanto tomava sem pressa sua cerveja barata.
Viu, sem demonstrar surpresa, o presidente Lula receber a visita do capitão da Seleção Brasileira campeão da Copa das Confederações, depois de já ter pedido pessoalmente a presença do Corinthians, campeão da Copa do Brasil, na Capital Federal.
— É bom brincar de dono do mundo – matutou a estátua (que não era a obra prima de Auguste Rodin), mas também pensava.
Terminou o seu refresco em goles lentos no intervalo vespertino, limpou um bigode de cerveja que se formou acima da boca, retocou a maquiagem e voltou para seu banquinho.
Enquanto se esforçava para manter o equilíbrio e a postura, seguiu com seus botões, cada vez mais introspectivo:
— O engraçado é que nos anos da ditadura essa mesma turma que agora recebe jogador de futebol e a Seleção Brasileira, deve ter torcido contra a esquadra nacional na Copa do Mundo de 1970 e malhado de alienado quem torcia a favor do Brasil.
E a estátua indaga:
— Que militante de esquerda não torcia o nariz diante da propaganda que os milicos faziam com o ufanismo causado pelo sucesso do futebol aqui na Terra de Vera Cruz? É verdade que mesmo entre os mais radicais, aquela Copa serviu de anestésico e quer queira, quer não queira, assoviavam o “90 milhões em ação, pra frente Brasil, salve a Seleção”, enquanto se arrepiavam ao ouvir a Internacional Comunista.
Quando os pensamentos da estátua estavam prestes a desaparecer feito nuvem passageira, um transeunte com a camisa do Corinthians, aparentando ser mais miserável que ele próprio, deixou umas moedas na caixinha e despertou um último suspiro no solitário artista:
— Enquanto o Lula recebe jogadores de futebol ele não deu nem uma passadinha na Flip. Aliás, ele sabe que está acontecendo? Sabe o que é? Precisa avisar que é Flip e não Felipe, o goleiro do seu Corinthians...
De repente a estátua se mexeu. Ajeitou sua túnica, que assim como todo o resto em seu corpo, está pintada de cinza e desceu do banquinho. Apanhou a caixa de sapatos que utiliza como ofertório, guardou as poucas moedas e cuidadosamente contou alguns trocados em cédulas amassadas.
Deu alguns passos diante dos olhos perplexos de algumas pobres crianças e foi ao bar do calçadão. Também tinha o direito de se refrescar à sombra. Suava às bicas. Pediu uma cerveja. Pagou com um orgulho mal disfarçado. O dinheiro era dele. Trabalhou por ele. Que importa se umas velhas carolas passavam e lhe lançavam olhares raivosos?
Entre o zunzunzum da lanchonete, a estátua maltrapilha conseguiu se concentrar na TV enquanto tomava sem pressa sua cerveja barata.
Viu, sem demonstrar surpresa, o presidente Lula receber a visita do capitão da Seleção Brasileira campeão da Copa das Confederações, depois de já ter pedido pessoalmente a presença do Corinthians, campeão da Copa do Brasil, na Capital Federal.
— É bom brincar de dono do mundo – matutou a estátua (que não era a obra prima de Auguste Rodin), mas também pensava.
Terminou o seu refresco em goles lentos no intervalo vespertino, limpou um bigode de cerveja que se formou acima da boca, retocou a maquiagem e voltou para seu banquinho.
Enquanto se esforçava para manter o equilíbrio e a postura, seguiu com seus botões, cada vez mais introspectivo:
— O engraçado é que nos anos da ditadura essa mesma turma que agora recebe jogador de futebol e a Seleção Brasileira, deve ter torcido contra a esquadra nacional na Copa do Mundo de 1970 e malhado de alienado quem torcia a favor do Brasil.
E a estátua indaga:
— Que militante de esquerda não torcia o nariz diante da propaganda que os milicos faziam com o ufanismo causado pelo sucesso do futebol aqui na Terra de Vera Cruz? É verdade que mesmo entre os mais radicais, aquela Copa serviu de anestésico e quer queira, quer não queira, assoviavam o “90 milhões em ação, pra frente Brasil, salve a Seleção”, enquanto se arrepiavam ao ouvir a Internacional Comunista.
Quando os pensamentos da estátua estavam prestes a desaparecer feito nuvem passageira, um transeunte com a camisa do Corinthians, aparentando ser mais miserável que ele próprio, deixou umas moedas na caixinha e despertou um último suspiro no solitário artista:
— Enquanto o Lula recebe jogadores de futebol ele não deu nem uma passadinha na Flip. Aliás, ele sabe que está acontecendo? Sabe o que é? Precisa avisar que é Flip e não Felipe, o goleiro do seu Corinthians...
quarta-feira, julho 01, 2009
Um presidente literário
*Anderson Paes | www.twitter.com/andersonpaes
Desde a campanha para a presidência em 2002 que ouvimos as várias metáforas de Luís Inácio Lula da Silva. São sete anos de um vasto repertório, para todo tipo de situação. Do arroz com feijão na Bahia ao momento crítico que vive o Irã. A grande maioria faz referência ao futebol. Um livro de metáforas presidenciais cairia bem – com prefácio dele, claro.
Fico imaginando as próximas eleições. Dilma Rousseff, que vai contar com o apoio de Lula, usará novas metáforas? Diz-se que em time que está ganhando não se mexe, mas imagine se o Lula se dedicasse mais às onomatopeias do que às metáforas: A situação do Irã pof!, O Palocci catapluft! Seria bem ilustrativo. Talvez até mais popular, como ele sempre quis, e uma carta na manga para 2010. Sem falar dos jornais que publicariam “sons” pela primeira vez.
Do outro lado do ringue vem Aécio ou Serra. E enquanto a oposição vai fazendo análise sintática, Lula leva no gogó e conquista o povo que o entende. Foi o que sempre faltou: o uso do idioma do povo. Se tudo continuar assim, apesar das crises alternadas no Senado e na Câmara, nada vai mudar tão radicalmente. Capaz de dar PT (Partido dos Trabalhadores) outra vez. Aí sim os demais vão bater pé pela reforma política – já está na hora.
Até lá, aos poucos vamos conhecendo a Dilma. Quem sabe ano que vem ela apareça com metáforas, onomatopeias, hipérboles, e apresente um novo estilo literário ao Brasil. O discurso dos outros já conhecemos... Hunf!
Desde a campanha para a presidência em 2002 que ouvimos as várias metáforas de Luís Inácio Lula da Silva. São sete anos de um vasto repertório, para todo tipo de situação. Do arroz com feijão na Bahia ao momento crítico que vive o Irã. A grande maioria faz referência ao futebol. Um livro de metáforas presidenciais cairia bem – com prefácio dele, claro.
Fico imaginando as próximas eleições. Dilma Rousseff, que vai contar com o apoio de Lula, usará novas metáforas? Diz-se que em time que está ganhando não se mexe, mas imagine se o Lula se dedicasse mais às onomatopeias do que às metáforas: A situação do Irã pof!, O Palocci catapluft! Seria bem ilustrativo. Talvez até mais popular, como ele sempre quis, e uma carta na manga para 2010. Sem falar dos jornais que publicariam “sons” pela primeira vez.
Do outro lado do ringue vem Aécio ou Serra. E enquanto a oposição vai fazendo análise sintática, Lula leva no gogó e conquista o povo que o entende. Foi o que sempre faltou: o uso do idioma do povo. Se tudo continuar assim, apesar das crises alternadas no Senado e na Câmara, nada vai mudar tão radicalmente. Capaz de dar PT (Partido dos Trabalhadores) outra vez. Aí sim os demais vão bater pé pela reforma política – já está na hora.
Até lá, aos poucos vamos conhecendo a Dilma. Quem sabe ano que vem ela apareça com metáforas, onomatopeias, hipérboles, e apresente um novo estilo literário ao Brasil. O discurso dos outros já conhecemos... Hunf!
Enquanto houver peixe...
(ou 'Conto pra foca dormir')
*Anderson Paes | www.twitter.com/andersonpaes
Toda manhã João Roberto entrega folhetos no centro de Porto Alegre. Do outro lado da rua ele vê o prédio antigo do jornal Correio do Povo. João Roberto decidiu ser jornalista. Com quase 20 anos, ele tem muito a dizer. Mas nunca teve a chance nem o dinheiro pra estudar até conseguir entrar na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Recentemente viu no Jornal Nacional que não precisa mais fazer faculdade para ser jornalista. João Roberto ficou contente, vai poder dizer tudo o que sempre quis. E como sempre trabalhou com texto, pelo menos o dos folhetos que traz da gráfica, espera se dar bem – não que jornalista ganhe bem, pelo contrário; ele sabe disso.
João sabe que no Brasil, assim como em outros lugares do mundo, tem direito a falar o que quiser e a pensar como quiser. Mas não tem espaço, não é ouvido – e disso ele reclama. Cansou de mandar cartas para a redação. Enquanto isso, o Jornal do outro lado da rua, a TV, a Rádio, expressam a ideia de alguns e alcançam estados inteiros. Mas João não precisa de tanto, ficaria contente de ser lido só na Rua da Praia.
A diferença se dá no dinheiro. Jornalismo virou atividade econômica. As empresas lucram, acham espaços para os anúncios até sobre as fotos, e pagam mal a quem escreve e faz o jornal. Jornalistas, muitos com diploma na mão – ou guardado num envelope – ficam desmotivados e não escrevem mais do mesmo jeito. A categoria não é tão unida, muito menos regulamentada. João não está preocupado com isso, sua atividade, pelo menos por enquanto, ainda é “humanista”. Um jornalismo como dever social.
Em parceria com o sujeito da gráfica a Folhinha da Praia saiu. Um anunciozinho daqui, outro dali, e, paga-se a impressão. Sem falar que anúncio de jornal dá mais dinheiro que folheto pra distribuir na rua.
— João Roberto, jornalista. Muito prazer.
Os dias passam e a Folhinha ganha leitores, distribuição gratuita – os anúncios dão conta disso; além de pagar a impressão João ainda tira uns trocados no fim do mês. E ele escreve bem, até recebe um olhar desconfiado dum editor da Grande Mídia – que continua puto por não precisar mais de diploma para exercer a profissão; teme que o salário possa diminuir por causa da concorrência iletrada.
Mas o mercado de trabalho mudou. Tudo muda. João, jornalista, sem cursar jornalismo, é convidado a trabalhar num jornal “de verdade”. Ele recusa: — Pagavam mal porque não fiz faculdade. Estou melhor assim.
João continuou com a sua Folhinha. Largou os folhetos. O editor desconfiado seguiu como editor e seu salário continua igual. O jornal onde ele trabalha continua contratando jornalistas que cursaram faculdade – e exige cada vez mais. A decisão de não exigir o diploma para o exercício do jornalismo fez com o que os jornalistas graduados retomassem o gosto pela profissão e uniu a classe. Voltaram a fazer o que sempre quiseram e continuam conquistando novos espaços. Nos impressos e eletrônicos – até mesmo nos blogs –, vemos agora um jornalismo motivado, com mais informação do que aspas.
E o povo, assim como João Roberto, tem agora seu espaço livre do poder econômico e das estranhas relações da grande mídia. A Folhinha do João também embrulha peixe no fim de semana.
Toda manhã João Roberto entrega folhetos no centro de Porto Alegre. Do outro lado da rua ele vê o prédio antigo do jornal Correio do Povo. João Roberto decidiu ser jornalista. Com quase 20 anos, ele tem muito a dizer. Mas nunca teve a chance nem o dinheiro pra estudar até conseguir entrar na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Recentemente viu no Jornal Nacional que não precisa mais fazer faculdade para ser jornalista. João Roberto ficou contente, vai poder dizer tudo o que sempre quis. E como sempre trabalhou com texto, pelo menos o dos folhetos que traz da gráfica, espera se dar bem – não que jornalista ganhe bem, pelo contrário; ele sabe disso.
João sabe que no Brasil, assim como em outros lugares do mundo, tem direito a falar o que quiser e a pensar como quiser. Mas não tem espaço, não é ouvido – e disso ele reclama. Cansou de mandar cartas para a redação. Enquanto isso, o Jornal do outro lado da rua, a TV, a Rádio, expressam a ideia de alguns e alcançam estados inteiros. Mas João não precisa de tanto, ficaria contente de ser lido só na Rua da Praia.
A diferença se dá no dinheiro. Jornalismo virou atividade econômica. As empresas lucram, acham espaços para os anúncios até sobre as fotos, e pagam mal a quem escreve e faz o jornal. Jornalistas, muitos com diploma na mão – ou guardado num envelope – ficam desmotivados e não escrevem mais do mesmo jeito. A categoria não é tão unida, muito menos regulamentada. João não está preocupado com isso, sua atividade, pelo menos por enquanto, ainda é “humanista”. Um jornalismo como dever social.
Em parceria com o sujeito da gráfica a Folhinha da Praia saiu. Um anunciozinho daqui, outro dali, e, paga-se a impressão. Sem falar que anúncio de jornal dá mais dinheiro que folheto pra distribuir na rua.
— João Roberto, jornalista. Muito prazer.
Os dias passam e a Folhinha ganha leitores, distribuição gratuita – os anúncios dão conta disso; além de pagar a impressão João ainda tira uns trocados no fim do mês. E ele escreve bem, até recebe um olhar desconfiado dum editor da Grande Mídia – que continua puto por não precisar mais de diploma para exercer a profissão; teme que o salário possa diminuir por causa da concorrência iletrada.
Mas o mercado de trabalho mudou. Tudo muda. João, jornalista, sem cursar jornalismo, é convidado a trabalhar num jornal “de verdade”. Ele recusa: — Pagavam mal porque não fiz faculdade. Estou melhor assim.
João continuou com a sua Folhinha. Largou os folhetos. O editor desconfiado seguiu como editor e seu salário continua igual. O jornal onde ele trabalha continua contratando jornalistas que cursaram faculdade – e exige cada vez mais. A decisão de não exigir o diploma para o exercício do jornalismo fez com o que os jornalistas graduados retomassem o gosto pela profissão e uniu a classe. Voltaram a fazer o que sempre quiseram e continuam conquistando novos espaços. Nos impressos e eletrônicos – até mesmo nos blogs –, vemos agora um jornalismo motivado, com mais informação do que aspas.
E o povo, assim como João Roberto, tem agora seu espaço livre do poder econômico e das estranhas relações da grande mídia. A Folhinha do João também embrulha peixe no fim de semana.
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