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Destaque Quitandas e a volta aos tempos românticos Thiago Schwartz


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sexta-feira, julho 10, 2009

Um doce amargo

*Eduardo Daniel | www.twitter.com/eduardosdaniel

Parecia que todo o peso do mundo estava nas costas daquele casal. Era uma sexta-feira chuvosa. A parcimônia do relógio naquela tarde foi tamanha que a sensação era a de estar em uma manhã de segunda.

José Antonio da Conceição Ribeiro e a mulher Maria Aparecida da Rosa Ribeiro aparentavam ter muito mais do que os seus 37 e 35 anos respectivamente. Para os infelizes, o tempo é infinitamente mais cruel.

A tarde caia velozmente e o sol anguloso dos dias de Inverno se escondia nas montanhas do poente. A breve aquarela em tons cinzentos logo deu lugar ao véu negro da noite. O frio era o capataz. O vento, o açoite. O casal de vendedores de doces e salgados eram os condenados ao pelourinho da má sorte, da vida de privações e lamentos.

Era tanta desesperança em seus olhares que muitos duvidavam que em seus doces houvesse doçura. Conseguiria a Primavera suplantar o tenebroso Inverno com a presença daqueles dois moribundos trazendo maus agouros?

Calados seguiam encarando os paralelepípedos surrados do caminho rotineiro. Talvez aquele silêncio fosse a fórmula para suportarem os infortúnios destinados a eles. Era mais prudente continuarem cerrados em seus pensamentos. Mais fácil sonhar, do que conseguir.

Suas mãos talvez nem mais se reconhecessem umas às outras, embora seguissem marcialmente um ao lado do outro, passo após passo, em ordem unida militar. A marcha de José e Maria era rápida. Como se em casa fossem encontrar refúgio para seus desgostos existenciais. Não era o caso. Trancafiados às trancas, trincos e grades, com pés gelados em uma pobre e suja cama de casal, só faziam o favor de não perturbarem um ao outro.

Enquanto tentavam passagem para o aconchego do sono, eram tentados para as lembranças desgraçadas de mais um dia de fracassos.

A caixa em que levam seus doces e salgados volta quase sempre com o mesmo peso. Eram mal recebidos pela maioria. As crianças de pés no chão que cruzavam pela beira da estrada eram as únicas que lhes olhavam com pupilas iluminadas. Salivavam, mas sabem que dificilmente se lambuzariam com aqueles doces.

José e Maria retribuíam com um olhar gélido e ácido como limão. Não era maldade. Tinham o coração duro de tão calejado. Eram muitas portas fechadas. Muita criança em automóvel importado influenciada pelo medo do pai, que sequer os olha para acenar com um “não”.

A vida é amarga para aqueles vendedores de doces. Talvez pouco custasse para que seus sorrisos de raros dentes obturados voltassem a reinar em suas faces precocemente envelhecidas.

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CONTATO
Colaboradores Ana Carla Teixeira, Anderson Paes, Camila Rufine, Carlos Karan, Deyse Zarichta, Eduardo Daniel, Emanuela Silva, Emanuelle Querino,
Emmanuel Carvalho, Fabiano Bordignon, Fabrício Espíndola, Francine de Mattos, Gabriel Guedes, Germaá Oliveira, Guilherme Marcon, Isabel Cunha, Kellen Baesso, Manuela Prá, Patrícia Martins, Thiago Antunes, Thiago Schwartz, Tiago Tavares, Valter Ziantoni,Van Luchiari, Vanessa Feltrin, Vitor S. Castelo Branco, Viviany Pfleger

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