PRIMEIRA PÁGINA | FOTOGRAFIA | SÉRIES | TWITTER | FACEBOOK
Destaque Quitandas e a volta aos tempos românticos Thiago Schwartz


Blog •

terça-feira, julho 07, 2009

"Não deu!"

*Eduardo Daniel | www.twitter.com/eduardosdaniel

Se Leonardo de Oliveira soubesse, no dia anterior, que nessa fatídica terça-feira seria ele um dos personagens das páginas policiais dos jornais, certamente teria esperado o semáforo abrir para os pedestres. Não apostaria todas as suas fichas na travessia tresloucada que o levaria à morte. Saberia que aquele Volkswagen interromperia sua vida numa manhã pachorrenta de segunda-feira.

O atropelamento na esquina das ruas Rui Barbosa com a Altamiro Guimarães, logo reuniu uns bons cinquenta espectadores.

Esticavam os olhares e velavam, inquietos, o corpo coberto por jornais recém trocados nas bancas pelas edições atualizadas. Umas senhoras que duvidosamente diziam ter visto tudo, colocavam a par os desavisados de última hora:

— Tentou atravessar a rua. Achou que dava, não deu! Voou uns 20 metros e foi com a cabeça no meio-fio. Como caiu, ficou – e olhavam umas para as outras como que pedindo crédito ao testemunho.

A polícia chegou rápido. Colocou o trânsito em meia-pista e evitou o pior. Pregadores da “justiça com as próprias mãos” arvoravam-se defensores do infeliz atropelado, já haviam dado o veredicto e a pena era a máxima para o caso:

— Tem que linchar! Atropelou o rapaz na faixa de pedestres – bradavam sedentos por mais sangue.

Encostado no Volkswagen, Ernani Gomes da Costa, aposentado, 68 anos, três filhos e dois netos, estava em estado de choque. Era consolado pelos compreensivos:

— O sinal estava aberto para o senhor. Ele que atravessou na hora errada – diziam sem demonstrar tristeza pelo morto.

Ernani parecia não ouvir. À pequena platéia que se juntou de início somavam-se agora, sem medo de parecer exagerado, mais uns 20 pares de olhos curiosos. Alguns conseguiam sorrir com a novidade que os tirou da rotina acachapante. Outros tiravam fotos com os aparelhos de telefonia móvel.

A roda que se formou em torno de Leonardo, engenheiro civil, 41 anos, solteiro, sem filhos, natural de Florianópolis, no Bairro Oficinas, em Tubarão, no Sul de Santa Catarina, só abriu com a chegada do famigerado rabecão.

O respeito típico desta hora fez todos se calarem, enquanto Leonardo era retirado do asfalto em sua mortalha de jornais.

O tenente Ferreira, policial militar de uma altivez que inspira segurança e compromisso, saca um celular, digita um número que encontra na carteira de Leonardo, dá as costas e sai do murmurinho.

Enquanto algum conhecido do pobre engenheiro recebe a nefasta notícia, o defunto segue ao Instituto Médico Legal.

Rapidamente o cenário de horrendo acontecimento se desfaz. Os curiosos seguem para cuidar de suas vidas. Em poucos dias talvez nem se lembrem dos detalhes. Uns vão aliviados: estão vivos. Outros precavidos: podia ter sido com eles. Mas todos seguem inexoravelmente seus caminhos, sem olhar para trás, apresando o passo para compensar o tempo perdido.

0 comentários:

Postar um comentário

 

CONTATO
Colaboradores Ana Carla Teixeira, Anderson Paes, Camila Rufine, Carlos Karan, Deyse Zarichta, Eduardo Daniel, Emanuela Silva, Emanuelle Querino,
Emmanuel Carvalho, Fabiano Bordignon, Fabrício Espíndola, Francine de Mattos, Gabriel Guedes, Germaá Oliveira, Guilherme Marcon, Isabel Cunha, Kellen Baesso, Manuela Prá, Patrícia Martins, Thiago Antunes, Thiago Schwartz, Tiago Tavares, Valter Ziantoni,Van Luchiari, Vanessa Feltrin, Vitor S. Castelo Branco, Viviany Pfleger

©2010 GeloEmMarte.com Todos os direitos reservados. As opiniões aqui expressas são de responsabilidade de seus respectivos autores.