*Eduardo Daniel | www.twitter.com/eduardosdaniel
De repente a estátua se mexeu. Ajeitou sua túnica, que assim como todo o resto em seu corpo, está pintada de cinza e desceu do banquinho. Apanhou a caixa de sapatos que utiliza como ofertório, guardou as poucas moedas e cuidadosamente contou alguns trocados em cédulas amassadas.
Deu alguns passos diante dos olhos perplexos de algumas pobres crianças e foi ao bar do calçadão. Também tinha o direito de se refrescar à sombra. Suava às bicas. Pediu uma cerveja. Pagou com um orgulho mal disfarçado. O dinheiro era dele. Trabalhou por ele. Que importa se umas velhas carolas passavam e lhe lançavam olhares raivosos?
Entre o zunzunzum da lanchonete, a estátua maltrapilha conseguiu se concentrar na TV enquanto tomava sem pressa sua cerveja barata.
Viu, sem demonstrar surpresa, o presidente Lula receber a visita do capitão da Seleção Brasileira campeão da Copa das Confederações, depois de já ter pedido pessoalmente a presença do Corinthians, campeão da Copa do Brasil, na Capital Federal.
— É bom brincar de dono do mundo – matutou a estátua (que não era a obra prima de Auguste Rodin), mas também pensava.
Terminou o seu refresco em goles lentos no intervalo vespertino, limpou um bigode de cerveja que se formou acima da boca, retocou a maquiagem e voltou para seu banquinho.
Enquanto se esforçava para manter o equilíbrio e a postura, seguiu com seus botões, cada vez mais introspectivo:
— O engraçado é que nos anos da ditadura essa mesma turma que agora recebe jogador de futebol e a Seleção Brasileira, deve ter torcido contra a esquadra nacional na Copa do Mundo de 1970 e malhado de alienado quem torcia a favor do Brasil.
E a estátua indaga:
— Que militante de esquerda não torcia o nariz diante da propaganda que os milicos faziam com o ufanismo causado pelo sucesso do futebol aqui na Terra de Vera Cruz? É verdade que mesmo entre os mais radicais, aquela Copa serviu de anestésico e quer queira, quer não queira, assoviavam o “90 milhões em ação, pra frente Brasil, salve a Seleção”, enquanto se arrepiavam ao ouvir a Internacional Comunista.
Quando os pensamentos da estátua estavam prestes a desaparecer feito nuvem passageira, um transeunte com a camisa do Corinthians, aparentando ser mais miserável que ele próprio, deixou umas moedas na caixinha e despertou um último suspiro no solitário artista:
— Enquanto o Lula recebe jogadores de futebol ele não deu nem uma passadinha na Flip. Aliás, ele sabe que está acontecendo? Sabe o que é? Precisa avisar que é Flip e não Felipe, o goleiro do seu Corinthians...
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