*Eduardo Daniel | www.twitter.com/eduardosdaniel
Gíria de novela. Poucas coisas me aborrecem mais do que gíria de novela. Pior, só gente discutindo novela, dando previsões dos próximos capítulos porque leu em alguma revista de fofoca.
Nada mais efêmero do que gíria de novela. Talvez mais pueril do que as próprias gírias, só mesmo as novelas. Algum noveleiro assíduo, lembra, por um acaso, sem ter que forçar os neurônios, qual o nome da última novela das oito e o seu enredo? Duvide-o-dó!
É o favor que a Rede Globo nós faz ao criar no Brasil a cultura amnética. Por um lado isto é bom. Assim varremos rapidinho o lixo para debaixo do tapete, que como diria Raul Seixas, “é supostamente Persa, pra alegria do ladrão”.
Ô xente my godi; me poupe Salgadinho; felomenal; muita calma nessa hora; eu vai colocar essa prédio na chom; catiguria; cada mergulho é um flash; é justo, é muito justo, é justíssimo; epa, epa, epa; eu quero nhanhar; maledeto e Jamanta não morreu, são alguns exemplos dos bordões relâmpagos que infestam os ambientes durantes os meses de uma novela global e somem com a gota de orvalho na folha exposta ao sol da manhã.
Aonde você vê alguém bradar uma gíria dessas, com a intenção de demarcar território identificando-se como membro da tribo dos noveleiros, se observa nitidamente que livros na cabeceira daquele telespectador (se existem), só se for de auto-ajuda (que ele, por sinal, precisaria, e muita!).
Gíria para mim, é aquela da infância. Assim como a música e os ídolos. Mas o que esperar de um país em o que é sucesso hoje é descartado assim que o novo aparece? E o novo consegue ser pior que o velho, sucessivamente.
Já tivemos o forró-universitário, o pagode-universitário e agora o sertanejo-universitário. Bom seria se o conteúdo dos dramas-melacueca destes cantores tivessem uma profundidade e originalidade poética que merecesse a alcunha.
Mas tudo bem, assim como a maioria dos tele-noveleiros esqueceram em quem votaram nas últimas eleições, as, para mim, repugnantes gírias indianas também serão jogadas ao vento e queimarão no mármore do inferno. To certo, ou to errado?
segunda-feira, agosto 31, 2009
domingo, agosto 30, 2009
Para alguém que vai
*Anderson Paes | www.twitter.com/andersonpaes
De tempos em tempos as pessoas passam por uma sensação de que é hora de partir pra algum lugar – acredito que muitos vivam isso. Mas acabam ocupados com outras coisas e adiam um pouco mais. Outros desistem pelas oportunidades que faltam. É algo forte essa vontade de conhecer o mundo, as pessoas, as culturas, os diferentes cenários dessa peça que a vida prega. Encontrar explicações, contar o que se vê, entender o que não se sabe. Aprender.
Interessa ouvir o que ainda não foi dito, escrever o que não foi escrito. Ruma-se ao desconhecido em troca de algo novo, como faziam os antigos. Todos os grandes pensadores cruzaram o Atlântico, viajaram pelo Pacífico, visitaram o Índico, subiram montes, vaguearam por aí. Fizeram as viagens possíveis para os meios de transporte da época, não importava o tempo do trajeto.
E não tem idade para fazer isso, sempre há tempo. René Descartes, com as tropas holandesas, os ingleses que partiram para a América do Norte com ideais de liberdade, Albert Einstein que passou até pelo Brasil, Charles Darwin observando o mundo. Sem falar dos anônimos, grande maioria, que mudam o mundo aos poucos. São raros os que fizeram algo maior sem sair de casa – apesar dos avanços tecnológicos.
O pensamento se amplia, o mundo das idéias deixa de ser apenas ideal, e a vontade de voltar às vezes se perde. Nem todos trilham o caminho de volta, sentem-se em casa. Sinta-se bem ao chegar lá. Faça algo bom e conte ao mundo. E quando surgir a vontade de voltar, lembra que sempre há tempo – para isso também – e que o mundo é uma casa maior. Nossa casa.
Até a volta!
De tempos em tempos as pessoas passam por uma sensação de que é hora de partir pra algum lugar – acredito que muitos vivam isso. Mas acabam ocupados com outras coisas e adiam um pouco mais. Outros desistem pelas oportunidades que faltam. É algo forte essa vontade de conhecer o mundo, as pessoas, as culturas, os diferentes cenários dessa peça que a vida prega. Encontrar explicações, contar o que se vê, entender o que não se sabe. Aprender.
Interessa ouvir o que ainda não foi dito, escrever o que não foi escrito. Ruma-se ao desconhecido em troca de algo novo, como faziam os antigos. Todos os grandes pensadores cruzaram o Atlântico, viajaram pelo Pacífico, visitaram o Índico, subiram montes, vaguearam por aí. Fizeram as viagens possíveis para os meios de transporte da época, não importava o tempo do trajeto.
E não tem idade para fazer isso, sempre há tempo. René Descartes, com as tropas holandesas, os ingleses que partiram para a América do Norte com ideais de liberdade, Albert Einstein que passou até pelo Brasil, Charles Darwin observando o mundo. Sem falar dos anônimos, grande maioria, que mudam o mundo aos poucos. São raros os que fizeram algo maior sem sair de casa – apesar dos avanços tecnológicos.
O pensamento se amplia, o mundo das idéias deixa de ser apenas ideal, e a vontade de voltar às vezes se perde. Nem todos trilham o caminho de volta, sentem-se em casa. Sinta-se bem ao chegar lá. Faça algo bom e conte ao mundo. E quando surgir a vontade de voltar, lembra que sempre há tempo – para isso também – e que o mundo é uma casa maior. Nossa casa.
Até a volta!
sexta-feira, agosto 28, 2009
Vou para o inferno?
*Eduardo Daniel | www.twitter.com/eduardosdaniel
Eu acho que vou para o inferno. Se ele existe, do jeito que as coisas vão, é pra lá que eu vou.
Calma! Não tenho presa! Explico o teor de minha conversa com meus botões.
Não vou à missa aos domingos. Aliás, nem às segundas, terças, quartas, quintas, sextas e sábados. Também confesso que dou uma olhadinha quando passa uma mulher gostosa e nem me importo se ela é ou não a mulher do próximo.
Ira, inveja, vaidade, luxúria e avareza? É coisa pouca para um pecador do meu tipo. Gula e preguiça então, são minhas especialidades.
Na hora de votar dizem que não sou cidadão, pois anulo meu voto até em referendo e não respeito os políticos, os padres, os pastores, os bispos e o papa.
Se irritado, esbravejo sem censuras: demônio!
Não vejo muitas chances de escapar do fogo eterno. Os que entendem do assunto ainda me dizem que não existe ateu capaz de sentir compaixão pelos outros e respeito às regras. Discutem comigo que um ser humano só faz o bem se tem medo da punição.
Se vou mesmo para o inferno, sem problemas, mas há atitudes que não aceito de forma alguma. Não suporto aquele que diz que lei existe para ser contestada. Apesar de todo o meu anarquismo, para mim, lei existe é para ser cumprida.
No trânsito, dou a vez sempre que encontro-me numa situação onde dois motoristas disputam a passagem. Paro sempre para os pedestres atravessarem na faixa. Não buzino se o carro da frente demora segundos para arrancar após o sinal verde no semáforo e não desrespeito as monitoras da “área azul”.
Minhas contas estão sempre em dia. Pagas no débito automático e os cheques sempre cobertos. O fio de bigode, na minha casa, ainda vale mais que a palavra. Grávida e idosos, perto de mim, não ficam em pé se eu estiver sentado. Atravesso meio mundo para oferecer o meu lugar. Outro dia em um estacionamento de um shopping, o funcionário me ofereceu uma vaga para idosos. Recusei e estacionei no segundo piso, muito longe da porta de entrada.
Tenho vontade de avançar no pescoço daqueles que dão razão aos oportunistas que se acham no direito de usufruir de dinheiro depositado erroneamente pelo banco em sua conta. Detesto quem leva vantagem por favorecimentos indevidos, do tipo “tenho conhecidos lá dentro”. Se eu for para o inferno, acharia justo levar comigo aqueles que maltratam os animais. Ao menos esses...
A batata assa mesmo em minhas mãos quando lembro que tem muita gente que reza toda noite, vai à missa regularmente, é devota aos santos e adora os padres, diz não cometer nenhum pecado capital e seguir a risca a tábua dos dez mandamentos, vota religiosamente, nem que seja no “menos pior”, que garante ter seu lugarzinho no céu.
Não importa se elas estacionam em vagas para idosos e deficientes, deixam as grávidas de pé enquanto se resfolegam nas cadeiras, vibram com quem não devolve dinheiro alheio, não pagam as contas em dia, tratam os animais como um estorvo na face da terra a ser eliminado, querem levar vantagem em tudo e só fazem o bem com medo da caldeira e do garfo do capeta. Para elas, o lar de São Pedro será o seu lar.
Pelas tantas, um botão olhou pra mim, eu olhei para ele, e como que pensando juntos, conclui: se no inferno eu vou encontrar gente como eu, é pra lá que quero ir. Ou passarei a eternidade com ânsia de vômito, cólica intestinal e urticária.
Eu acho que vou para o inferno. Se ele existe, do jeito que as coisas vão, é pra lá que eu vou.
Calma! Não tenho presa! Explico o teor de minha conversa com meus botões.
Não vou à missa aos domingos. Aliás, nem às segundas, terças, quartas, quintas, sextas e sábados. Também confesso que dou uma olhadinha quando passa uma mulher gostosa e nem me importo se ela é ou não a mulher do próximo.
Ira, inveja, vaidade, luxúria e avareza? É coisa pouca para um pecador do meu tipo. Gula e preguiça então, são minhas especialidades.
Na hora de votar dizem que não sou cidadão, pois anulo meu voto até em referendo e não respeito os políticos, os padres, os pastores, os bispos e o papa.
Se irritado, esbravejo sem censuras: demônio!
Não vejo muitas chances de escapar do fogo eterno. Os que entendem do assunto ainda me dizem que não existe ateu capaz de sentir compaixão pelos outros e respeito às regras. Discutem comigo que um ser humano só faz o bem se tem medo da punição.
Se vou mesmo para o inferno, sem problemas, mas há atitudes que não aceito de forma alguma. Não suporto aquele que diz que lei existe para ser contestada. Apesar de todo o meu anarquismo, para mim, lei existe é para ser cumprida.
No trânsito, dou a vez sempre que encontro-me numa situação onde dois motoristas disputam a passagem. Paro sempre para os pedestres atravessarem na faixa. Não buzino se o carro da frente demora segundos para arrancar após o sinal verde no semáforo e não desrespeito as monitoras da “área azul”.
Minhas contas estão sempre em dia. Pagas no débito automático e os cheques sempre cobertos. O fio de bigode, na minha casa, ainda vale mais que a palavra. Grávida e idosos, perto de mim, não ficam em pé se eu estiver sentado. Atravesso meio mundo para oferecer o meu lugar. Outro dia em um estacionamento de um shopping, o funcionário me ofereceu uma vaga para idosos. Recusei e estacionei no segundo piso, muito longe da porta de entrada.
Tenho vontade de avançar no pescoço daqueles que dão razão aos oportunistas que se acham no direito de usufruir de dinheiro depositado erroneamente pelo banco em sua conta. Detesto quem leva vantagem por favorecimentos indevidos, do tipo “tenho conhecidos lá dentro”. Se eu for para o inferno, acharia justo levar comigo aqueles que maltratam os animais. Ao menos esses...
A batata assa mesmo em minhas mãos quando lembro que tem muita gente que reza toda noite, vai à missa regularmente, é devota aos santos e adora os padres, diz não cometer nenhum pecado capital e seguir a risca a tábua dos dez mandamentos, vota religiosamente, nem que seja no “menos pior”, que garante ter seu lugarzinho no céu.
Não importa se elas estacionam em vagas para idosos e deficientes, deixam as grávidas de pé enquanto se resfolegam nas cadeiras, vibram com quem não devolve dinheiro alheio, não pagam as contas em dia, tratam os animais como um estorvo na face da terra a ser eliminado, querem levar vantagem em tudo e só fazem o bem com medo da caldeira e do garfo do capeta. Para elas, o lar de São Pedro será o seu lar.
Pelas tantas, um botão olhou pra mim, eu olhei para ele, e como que pensando juntos, conclui: se no inferno eu vou encontrar gente como eu, é pra lá que quero ir. Ou passarei a eternidade com ânsia de vômito, cólica intestinal e urticária.
quinta-feira, agosto 27, 2009
Fotografe uma Ideia #1
Autor: Francine de Mattos | www.twitter.com/fotografe
Local: Salete, Santa Catarina (Brasil)
Site: www.fotografeumaideia.com.br
A partir de hoje, toda quinta-feira uma nova foto.
Deixe sua sugestão de título para a imagem.
quarta-feira, agosto 26, 2009
A extinção do bicho de pé
*Thiago Schwartz | www.twitter.com/perereco
O aumento nos casos de alergia respiratória e alimentar nas últimas gerações, constatado através de diversos estudos teóricos e empíricos, revela aquilo que desconfiávamos há tempos: O excesso de limpeza afeta o desenvolvimento do sistema imunológico do ser humano.
Nas gerações atuais, existe uma espécie de ojeriza à sujeira. Os pais, quase sempre com uma visão de curto prazo a respeito do assunto, privam os filhos de certos prazeres inerentes à sujeira. Andar descalço é um sacrilégio. Jogar bola no pasto lamacento, nem pensar.
Na minha humilde opinião, essa redoma de limpeza tem início desde o nascimento da criança. Pedir para uma mãe utilizar uma fralda de pano é considerado um crime. Não imagino uma criança criada no leite com pera tomando água como fazíamos antigamente, após os joguinhos de futebol (leia uma descrição perfeita do método aqui). Hoje em dia, devem levar água numa garrafinha térmica ou num daqueles squeeze. Conheço pessoas com seus 18, 19 anos, que nunca pegaram bicho de pé. Que nunca quebraram o braço por pendurarem-se num galho podre de goiabeira. Que nunca arrancaram a unha do dedão chutando uma bola molhada.
Meu filho vai ter bicho de pé. Vai aprender a tirar o bicho de pé com uma agulha. Vai aprender que quando a bola estiver molhada, tem que bater de lado de pé, senão a unha voa. Vai aprender que mexer na terra não vai fazer ele ficar doente. Que brincar com o cachorro não é uma atividade de risco. Que antissépticos com agentes bactericidas que matam 99% dos germes não curam tão bem uma ferida quanto uma esponja com sabão e um beijo de mãe. Vai aprender a brincar sem ter que ficar se policiando sobre a coisa certa a ser feita. A sujeira sai no banho, à noite.
O aumento nos casos de alergia respiratória e alimentar nas últimas gerações, constatado através de diversos estudos teóricos e empíricos, revela aquilo que desconfiávamos há tempos: O excesso de limpeza afeta o desenvolvimento do sistema imunológico do ser humano.
Nas gerações atuais, existe uma espécie de ojeriza à sujeira. Os pais, quase sempre com uma visão de curto prazo a respeito do assunto, privam os filhos de certos prazeres inerentes à sujeira. Andar descalço é um sacrilégio. Jogar bola no pasto lamacento, nem pensar.
Na minha humilde opinião, essa redoma de limpeza tem início desde o nascimento da criança. Pedir para uma mãe utilizar uma fralda de pano é considerado um crime. Não imagino uma criança criada no leite com pera tomando água como fazíamos antigamente, após os joguinhos de futebol (leia uma descrição perfeita do método aqui). Hoje em dia, devem levar água numa garrafinha térmica ou num daqueles squeeze. Conheço pessoas com seus 18, 19 anos, que nunca pegaram bicho de pé. Que nunca quebraram o braço por pendurarem-se num galho podre de goiabeira. Que nunca arrancaram a unha do dedão chutando uma bola molhada.
Meu filho vai ter bicho de pé. Vai aprender a tirar o bicho de pé com uma agulha. Vai aprender que quando a bola estiver molhada, tem que bater de lado de pé, senão a unha voa. Vai aprender que mexer na terra não vai fazer ele ficar doente. Que brincar com o cachorro não é uma atividade de risco. Que antissépticos com agentes bactericidas que matam 99% dos germes não curam tão bem uma ferida quanto uma esponja com sabão e um beijo de mãe. Vai aprender a brincar sem ter que ficar se policiando sobre a coisa certa a ser feita. A sujeira sai no banho, à noite.
terça-feira, agosto 25, 2009
Não foi por medo de avião
*Anderson Paes | www.twitter.com/andersonpaes
No último domingo, um dia típico de sofá e controle remoto, assisti a reportagem do Fantástico que falava do sumiço de Belchior. Depois de tanta gente nem tão preocupada assim com a história, dá até para pensar que pode ser uma jogada para voltar a aparecer na TV. Quem sabe neste fim de mês ele “apareça” nos programas vespertinos de assuntos nem tão relevantes.
Mas Antônio Carlos Gomes Belchior, assim como outros nomes da música brasileira que são pouco ou quase nada valorizados por aqui, não precisa de polêmica para que seus fãs conheçam seus nos trabalhos. Ele, Tom Zé, Fágner e Juca Chaves, por exemplo, ainda contam com seus públicos para isso. Seguem com suas apresentações por aqui e de vez em quando aparecem num Programa do Jô ou algo parecido. Afinal, nunca foram personagens populares – ou populistas –, desses que passam os domingos em programas de auditório.
Na segunda-feira o assunto curioso continuou na internet, no site de notícias da TV Globo, leitores contaram que viram Belchior por vários lugares do país e até no Uruguai. No Twitter, as brincadeiras já surgiram: Belchior no elenco da série Lost e até mesmo uma certa viagem com os outros “reis magos”.
Ainda no mundo da música, Belchior nos últimos anos tem sido ouvido por um público mais novo. Com suas músicas “A palo seco” na voz de Marcelo Camelo (Los Hermanos) e “Alucinação” por Humberto Gessinger (Engenheiros do Hawaii). Esta última, citei certa vez aqui no blog: “Amar e mudar as coisas me interessa mais” – que talvez seja a melhor resposta para alguém desaparecer.
Bom, pode-se dizer que o rapaz latino americano perdeu seu medo de avião.
No último domingo, um dia típico de sofá e controle remoto, assisti a reportagem do Fantástico que falava do sumiço de Belchior. Depois de tanta gente nem tão preocupada assim com a história, dá até para pensar que pode ser uma jogada para voltar a aparecer na TV. Quem sabe neste fim de mês ele “apareça” nos programas vespertinos de assuntos nem tão relevantes.
Mas Antônio Carlos Gomes Belchior, assim como outros nomes da música brasileira que são pouco ou quase nada valorizados por aqui, não precisa de polêmica para que seus fãs conheçam seus nos trabalhos. Ele, Tom Zé, Fágner e Juca Chaves, por exemplo, ainda contam com seus públicos para isso. Seguem com suas apresentações por aqui e de vez em quando aparecem num Programa do Jô ou algo parecido. Afinal, nunca foram personagens populares – ou populistas –, desses que passam os domingos em programas de auditório.
Na segunda-feira o assunto curioso continuou na internet, no site de notícias da TV Globo, leitores contaram que viram Belchior por vários lugares do país e até no Uruguai. No Twitter, as brincadeiras já surgiram: Belchior no elenco da série Lost e até mesmo uma certa viagem com os outros “reis magos”.
Ainda no mundo da música, Belchior nos últimos anos tem sido ouvido por um público mais novo. Com suas músicas “A palo seco” na voz de Marcelo Camelo (Los Hermanos) e “Alucinação” por Humberto Gessinger (Engenheiros do Hawaii). Esta última, citei certa vez aqui no blog: “Amar e mudar as coisas me interessa mais” – que talvez seja a melhor resposta para alguém desaparecer.
Bom, pode-se dizer que o rapaz latino americano perdeu seu medo de avião.
domingo, agosto 23, 2009
Tapas, chutes e uma guerra perdida
*Eduardo Daniel | www.twitter.com/eduardosdaniel
Cada uma das partes de um conflito sempre conta a história à sua maneira. Desde um arranca-rabo doméstico a um conflito mundial. Quase nada muda.
Tenho 30 anos e até hoje briguei apenas uma vez na rua. Se é que alguém pode chamar de briga aquele entrevero da saída da aula quando estava na 7ª série. Sempre fui um sujeito pacato, embora com alguns acessos de irritação corriqueiros e isolados. Naquele ano assumi de vez meu lugar na turma do fundão e dali sairia muito tempo mais tarde.
Naquela classe estudava um rapaz atarracado, o tipo baixinho metido a valentão. Frank é o nome dele. Volta e meia passo por ele nas ruas da minha pequena Tubarão, ao Sul de Santa Catarina, mas nunca mais nos cumprimentamos.
O Frank era o goleiro do time de futebol de salão da turma. Quase todo time de salão tem um arqueiro com o biotipo do Frank. É fácil imaginar. Tinha em sim uma aura que procurava encrenca em todo o canto. Andava com o peito estufado provocando todos com o olhar. Normalmente se metia com quem nada tinha que ver com o que ele pensava.
Certo dia, durante o recreio (o que hoje chamam de intervalo), mal terminei meu pastel de carne acompanhado de um Chocoleite e deixei meu instinto animal prevalecer. Fui tomar as dores de uma infeliz vítima do tal Frank.
Como contei no início da conversa, briguei apenas uma vez na vida e foi justamente naquela. Tinha tudo pra levar a maior surra. O Frank era temido por todos. Num primeiro momento fui salvo pelo gongo, quando acabaram os 15 minutos de vadiagem. Trocamos um empurrão de cada, sem ninguém da turma do deixa disso se manifestar e juramos um novo encontro na saída.
Não lembro dos minutos que antecederam o grande embate, como não faço ideia de como a notícia se espalhou por toda a escola. Admito que não queria brigar. Não sabia nem como brigar. Eu era do tipo sossegado: óculos de grau e cabelo lambido.
Apertei o passo na saída. Na esquina uma multidão já estava formada. Olhavam para mim como estivessem no Coliseu de Roma e eu fosse um pobre cristão a caminho do encontro com um leão. Não sei com quais palavras Frank me chamou, mas me fez parar e virar para trás. A roda se abriu.
A briga foi rápida. Até hoje sempre disse que eu venci. Que quebrei o relógio dele. Mas, omitia um detalhe: antes ele me deu um tapa desmoralizante nos óculos, que voaram. Fiquei sem saber o que fazer. A única reação foi um chute perdido, sem nenhuma habilidade, que por sorte minha, aterrissou meu pé direito no querido relógio do Frank.
Ele parou para verificar o estrago e eu corri atrás dos meus óculos que, pasmem, estavam intactos.
Levei esse tempo para admitir que nessa briga estapafúrdia não existiu vencedores e que levei esse tapa constrangedor. Mesmo assim, só contei para vocês, que sei, irão guardar segredo. Não sei se o Frank, algum dia confessou quase ter chorado por aquele relógio, mas certamente vangloriou-se destilando sua versão sobre a briga e elevando ao máximo o tapa que me deu.
Assim como naquela infeliz tarde em que todo o colégio parou para nos ver brigar, o mundo parou para ver os Estados Unidos contra os vietcongs. Entre 1959 e 1975 a Guerra do Vietnã tomou conta das atenções mundiais.
Cinquenta anos depois do início do conflito travado no Sudeste Asiático, entre o Vietnã do Norte e seus aliados comunistas e o Vietnã do Sul apoiado pelos Estados Unidos – que entraram na guerra em 1965 após ataques provocativos a embarcações na costa vietnamita.
A guerra para os americanos durou oito anos. Em 1973 eles retiraram suas desmanteladas e humilhadas tropas de solo asiático. O governo do Vietnã do Sul entrou em colapso e os guerrilheiros e soldados comandados por Ho Chi Minh invadiram e ocuparam Saigon em abril de 1975, provocando a rendição integral do exército sul-vietnamita.
Na nossa cultura ocidental com influência maciça do capitalismo liderado pelos Estados Unidos, as cinco décadas do início da Guerra do Vietnã certamente passaram quase que despercebidas, ao contrário dos 40 anos do festival de Woodstock realizado em 1969 e é lembrado à beça.
Os americanos em rituais discretos irão lembrar suas vítimas e os que pregaram em favor da "paz e amor" contra a Guerra do Vietnã tentarão em vão levar o tema para reflexões. No Vietnã do Norte, considerados vencedores do conflito, é certo que desfiles militares e muita exibição armamentista marcarão a passagem da data.
O costume é sempre determinar um vencedor e um derrotado em qualquer conflito e mesmo que ele não exista, sempre uma parte puxará a brasa para sua sardinha.
Na pequena briga que travei com Frank, exalto o relógio que quebrei do adversário e escondo o tapa que levei nos óculos. Ele deve narrar os fatos como meu algoz ao me arrancar os aros pretos com fundos de garrafa do rosto com um safanão. Na realidade, perderam os dois. Ele com o relógio quebrado e eu com a dignidade no chão.
Na Guerra do Vietnã, os derrotados Estados Unidos contabilizaram aproximadamente 50 mil mortos. O vencedor Vietnã do Norte, que teve seu país arrasado e parte considerável de sua população economicamente ativa morta, olhando-se no espelho atualmente não deve ter muitos motivos para se achar um vencedor.
Do lado Norte e do lado Sul, os Vietnãs perderem algo em torno de quatro milhões de vidas, além de outros dois milhões de cambojanos e laocianos, arrastados para a guerra com a propagação do conflito.
Cada uma das partes de um conflito sempre conta a história à sua maneira. Desde um arranca-rabo doméstico a um conflito mundial. Quase nada muda.
Tenho 30 anos e até hoje briguei apenas uma vez na rua. Se é que alguém pode chamar de briga aquele entrevero da saída da aula quando estava na 7ª série. Sempre fui um sujeito pacato, embora com alguns acessos de irritação corriqueiros e isolados. Naquele ano assumi de vez meu lugar na turma do fundão e dali sairia muito tempo mais tarde.
Naquela classe estudava um rapaz atarracado, o tipo baixinho metido a valentão. Frank é o nome dele. Volta e meia passo por ele nas ruas da minha pequena Tubarão, ao Sul de Santa Catarina, mas nunca mais nos cumprimentamos.
O Frank era o goleiro do time de futebol de salão da turma. Quase todo time de salão tem um arqueiro com o biotipo do Frank. É fácil imaginar. Tinha em sim uma aura que procurava encrenca em todo o canto. Andava com o peito estufado provocando todos com o olhar. Normalmente se metia com quem nada tinha que ver com o que ele pensava.
Certo dia, durante o recreio (o que hoje chamam de intervalo), mal terminei meu pastel de carne acompanhado de um Chocoleite e deixei meu instinto animal prevalecer. Fui tomar as dores de uma infeliz vítima do tal Frank.
Como contei no início da conversa, briguei apenas uma vez na vida e foi justamente naquela. Tinha tudo pra levar a maior surra. O Frank era temido por todos. Num primeiro momento fui salvo pelo gongo, quando acabaram os 15 minutos de vadiagem. Trocamos um empurrão de cada, sem ninguém da turma do deixa disso se manifestar e juramos um novo encontro na saída.
Não lembro dos minutos que antecederam o grande embate, como não faço ideia de como a notícia se espalhou por toda a escola. Admito que não queria brigar. Não sabia nem como brigar. Eu era do tipo sossegado: óculos de grau e cabelo lambido.
Apertei o passo na saída. Na esquina uma multidão já estava formada. Olhavam para mim como estivessem no Coliseu de Roma e eu fosse um pobre cristão a caminho do encontro com um leão. Não sei com quais palavras Frank me chamou, mas me fez parar e virar para trás. A roda se abriu.
A briga foi rápida. Até hoje sempre disse que eu venci. Que quebrei o relógio dele. Mas, omitia um detalhe: antes ele me deu um tapa desmoralizante nos óculos, que voaram. Fiquei sem saber o que fazer. A única reação foi um chute perdido, sem nenhuma habilidade, que por sorte minha, aterrissou meu pé direito no querido relógio do Frank.
Ele parou para verificar o estrago e eu corri atrás dos meus óculos que, pasmem, estavam intactos.
Levei esse tempo para admitir que nessa briga estapafúrdia não existiu vencedores e que levei esse tapa constrangedor. Mesmo assim, só contei para vocês, que sei, irão guardar segredo. Não sei se o Frank, algum dia confessou quase ter chorado por aquele relógio, mas certamente vangloriou-se destilando sua versão sobre a briga e elevando ao máximo o tapa que me deu.
Assim como naquela infeliz tarde em que todo o colégio parou para nos ver brigar, o mundo parou para ver os Estados Unidos contra os vietcongs. Entre 1959 e 1975 a Guerra do Vietnã tomou conta das atenções mundiais.
Cinquenta anos depois do início do conflito travado no Sudeste Asiático, entre o Vietnã do Norte e seus aliados comunistas e o Vietnã do Sul apoiado pelos Estados Unidos – que entraram na guerra em 1965 após ataques provocativos a embarcações na costa vietnamita.
A guerra para os americanos durou oito anos. Em 1973 eles retiraram suas desmanteladas e humilhadas tropas de solo asiático. O governo do Vietnã do Sul entrou em colapso e os guerrilheiros e soldados comandados por Ho Chi Minh invadiram e ocuparam Saigon em abril de 1975, provocando a rendição integral do exército sul-vietnamita.
Na nossa cultura ocidental com influência maciça do capitalismo liderado pelos Estados Unidos, as cinco décadas do início da Guerra do Vietnã certamente passaram quase que despercebidas, ao contrário dos 40 anos do festival de Woodstock realizado em 1969 e é lembrado à beça.
Os americanos em rituais discretos irão lembrar suas vítimas e os que pregaram em favor da "paz e amor" contra a Guerra do Vietnã tentarão em vão levar o tema para reflexões. No Vietnã do Norte, considerados vencedores do conflito, é certo que desfiles militares e muita exibição armamentista marcarão a passagem da data.
O costume é sempre determinar um vencedor e um derrotado em qualquer conflito e mesmo que ele não exista, sempre uma parte puxará a brasa para sua sardinha.
Na pequena briga que travei com Frank, exalto o relógio que quebrei do adversário e escondo o tapa que levei nos óculos. Ele deve narrar os fatos como meu algoz ao me arrancar os aros pretos com fundos de garrafa do rosto com um safanão. Na realidade, perderam os dois. Ele com o relógio quebrado e eu com a dignidade no chão.
Na Guerra do Vietnã, os derrotados Estados Unidos contabilizaram aproximadamente 50 mil mortos. O vencedor Vietnã do Norte, que teve seu país arrasado e parte considerável de sua população economicamente ativa morta, olhando-se no espelho atualmente não deve ter muitos motivos para se achar um vencedor.
Do lado Norte e do lado Sul, os Vietnãs perderem algo em torno de quatro milhões de vidas, além de outros dois milhões de cambojanos e laocianos, arrastados para a guerra com a propagação do conflito.
sábado, agosto 22, 2009
Alguns atrasos na vida
*Viviany Pfleger | vivianypfleger@yahoo.com.br
Há quem diga que os atrasos só nos trazem problemas. Concordo que muita coisa poderia ser evitada se o reloginho fosse cumprido, mas sabe... às vezes esses atrasos surpreendem positivamente.
Tudo acontece numa manhã atípica: acordar já atrasada porque decidiu tirar só mais um cochilo, verificar e responder os e-mails mais urgentes que não conseguiu ler na noite anterior – pois acabou dormindo em frente ao computador –, se arrumar e seguir para o trabalho.
De repente – destino talvez –, você encontra uma daquelas pessoas que mudam a sua vida pra sempre. Aquela que dará o empurrão que precisava e diz as palavras que você já sabia, mas desconhecia a razão delas não terem vindo à tona antes.
Senti um puxão no braço, e delicadamente ouvi:
— Oi! Quanto tempo?
Realmente, fazia mais de um ano que não a via. Aquela pessoa cujas conversas são sempre rápidas, sempre com pressa, e o final você já pode imaginar: o típico encontro marcado que nunca acontece, mas que insistimos em dizer “vamos marcar, mas vamos mesmo”.
Sentei por perto e conversamos. É como dizem: “pessoa certa no momento certo”. Por algum motivo nos encontramos ali – foi o que eu pensei por uns minutos, quando comentei que eu não tinha o costume de pegar aquele ônibus. Eu estava atrasada, só por isso estava ali.
Trabalhamos juntas há cinco anos e, apesar de cada uma ter a sua rotina, penso que as pessoas importantes sempre estarão lá – mesmo que por míseros cinco minutos, mas estarão lá para mostrar algumas verdades, mostrar algo que fará você refletir e provocar mudanças (ou não).
A conversa durou cerca de uma hora e ainda tivemos que trocar de ônibus. Um verde e o outro amarelo. Tínhamos milhões de histórias para contar, e às vezes uma interrompia a outra lembrando de algum fato do passado ou algo novo que não podia ser esquecido – já que não vislumbrávamos mais nenhum encontro no atordoado semestre que está por vir.
Saí com novas idéias – e velhas também. Algumas sempre estiveram comigo, guardadas. Eu que não as deixava aparecer. Às vezes parece que a gente espera por um toque, um apoio, alguém nos diga: – vá em frente, você consegue!
Essas ideias precisavam explodir e agora pode ser a hora.
Seria bom se todos os atrasos nos levassem além... onde queremos chegar.
Há quem diga que os atrasos só nos trazem problemas. Concordo que muita coisa poderia ser evitada se o reloginho fosse cumprido, mas sabe... às vezes esses atrasos surpreendem positivamente.
Tudo acontece numa manhã atípica: acordar já atrasada porque decidiu tirar só mais um cochilo, verificar e responder os e-mails mais urgentes que não conseguiu ler na noite anterior – pois acabou dormindo em frente ao computador –, se arrumar e seguir para o trabalho.
De repente – destino talvez –, você encontra uma daquelas pessoas que mudam a sua vida pra sempre. Aquela que dará o empurrão que precisava e diz as palavras que você já sabia, mas desconhecia a razão delas não terem vindo à tona antes.
Senti um puxão no braço, e delicadamente ouvi:
— Oi! Quanto tempo?
Realmente, fazia mais de um ano que não a via. Aquela pessoa cujas conversas são sempre rápidas, sempre com pressa, e o final você já pode imaginar: o típico encontro marcado que nunca acontece, mas que insistimos em dizer “vamos marcar, mas vamos mesmo”.
Sentei por perto e conversamos. É como dizem: “pessoa certa no momento certo”. Por algum motivo nos encontramos ali – foi o que eu pensei por uns minutos, quando comentei que eu não tinha o costume de pegar aquele ônibus. Eu estava atrasada, só por isso estava ali.
Trabalhamos juntas há cinco anos e, apesar de cada uma ter a sua rotina, penso que as pessoas importantes sempre estarão lá – mesmo que por míseros cinco minutos, mas estarão lá para mostrar algumas verdades, mostrar algo que fará você refletir e provocar mudanças (ou não).
A conversa durou cerca de uma hora e ainda tivemos que trocar de ônibus. Um verde e o outro amarelo. Tínhamos milhões de histórias para contar, e às vezes uma interrompia a outra lembrando de algum fato do passado ou algo novo que não podia ser esquecido – já que não vislumbrávamos mais nenhum encontro no atordoado semestre que está por vir.
Saí com novas idéias – e velhas também. Algumas sempre estiveram comigo, guardadas. Eu que não as deixava aparecer. Às vezes parece que a gente espera por um toque, um apoio, alguém nos diga: – vá em frente, você consegue!
Essas ideias precisavam explodir e agora pode ser a hora.
Seria bom se todos os atrasos nos levassem além... onde queremos chegar.
sexta-feira, agosto 21, 2009
Raul Seixas: Deixa gravar isso tudo
Imagem retirada do site http://letras.terra.com.br/ | Autor desconhecido
O esperado dia do eclipse
*Anderson Paes | www.twitter.com/andersonpaes
No dia 17 de agosto de 1989, a Lua se apagou completamente no céu. Quatro dias depois (21), Raul Seixas partiu numa viagem interestelar – como dizem alguns fãs. Coincidência ou não, no dia 25 daquele mês a sonda espacial Voyager 2 chegou ao planeta Netuno...
Raul, diferente do que as reportagens de hoje vão dizer, foi além da música. Questionou o Universo, o Homem, a Fé. Formou e informou muita gente do que é o início, meio e fim deste mundo que não quer parar. Contou das coisas que viu, leu e aprendeu – ensinou assim.
Alguns o chamaram de profeta do apocalipse, outros acusaram de todos os tipos de bruxaria. Provavelmente teria sido queimado vivo nos tempos da inquisição. Um alquimista das palavras. Raul experimentou este mundo, sem frescura. Avisou que só o entenderiam “no esperado dia do eclipse”. Talvez por algum motivo que ele já soubesse, talvez aquela tal “velocidade da luz pra alcançar”.
Hoje, 20 anos depois, Raul ainda é citado, cantado, pedido – “Toca Raul” até virou tema de música –, e continua abrindo cabeças, lembrando ideias quase esquecidas por aqui.
Naquela semana em que a Lua se apagou, seus fãs disseram “até a próxima” e até um repórter compartilhou e sentiu aquela despedida (veja o link no fim deste artigo). No dia 31, ainda em 1989, o Sol também se apagou.
•••
O lado B de Raul
*Eduardo Daniel | www.twitter.com/eduardosdaniel
Eu poderia buscar inspiração na Ilha da Fantasia, na rodoviária, na beira do pantanal, em Anarkinópolis, ou nas minas do Rei Salomão. Mas não. Gostaria mesmo era de estar no dia em que a Terra parou, enquanto pulava o muro no fundo do quintal da escola, para ler a lei das profecias e descobrir por quem os sinos dobram e o segredo do universo.
Quem sabe apanho o trem das sete, movido a álcool, até o novo aeon. Aos trancos e barrancos vou acompanhar as aventuras de Raul Seixas na cidade de Thor. Se perguntares por quê? Eu respondo que sim, eu quero ir!
E se levar um tapa na cara, mando um SOS para os super-heróis, o moleque maravilho ou o cowboy fora da lei. Eu que não fico escutando conversa pra boi dormir. Antes convido Ângela ou Alice Maria para rezar uma Ave Maria da Rua com o pastor João e a Igreja invisível.
De cabeça para baixo, traço planos de papel, neste eterno Carnaval, mandando um som para Laio, atrás de você para entoar um canto para a minha morte ou uma canção do vento.
Se todo mundo explica, você ainda pode sonhar e, meu piano e minha viola, só pra variar, estão prontos para cantar, coisas do coração, uma cantiga de ninar ou um chorinho inconsequente.
Só porque você roubou meu vídeo cassete, calcei meu sapato 36, passei um DDI para Judas e fui curtir um rock das aranhas.
Vovó já dizia que ando muito dorminhoco e que o Dr. Pacheco não vê isso como uma brincadeira. Preciso fazer um check-up. Se o rádio não toca, meu amigo Pedro diz que eu sou egoísta. Mando ele parar de paranóia e pegar o trem 103.
Em uma mata virgem, nos anos 80 ou no século XXI, durante um banquete de lixo, encontro um diamante de mendigo. Esqueço Vera Verinha, Maria, e com a loba deito sob a lua cheia, fazendo o que o diabo gosta.
Ê meu pai, pagando brabo a gente leva a vida à prestação. O negócio é que é fim do mês e nem que eu faça, fuce, force, a placa de "aluga-se está na pedra do Gênesis. Não quero mais andar na contramão, mas não adianta ser um carpinteiro do universo, pois serei um canceriano sem lar.
Não adiantou aconselhar para que tente outra vez ou conserve seu medo. A areia da ampulheta acabou e tá na hora, na hora do trem passar.
Não posso ficar um minuto mais. Mesmo que acerte na loteria da Babilônia. Eu também vou reclamar e num cambalache descubro que luz é essa.
E parafraseando Raulzito na música Os números: eu falei de tanto assunto, talvez esqueci algum, mas as coisas que eu disse não são lá muito comum... quem souber que conte outro, ou que fique sem nenhum.
•••
Sob o signo de câncer
*Thiago Schwartz | www.twitter.com/perereco
Eu sempre gostei de Raul. Gostaria de ter presenciado mais de sua carreira em vida, mas ele nos deixou quando eu ainda tinha 5.
Quando criança, eu adorava Plunct Plact Zum e Ouro de tolo. E adorava a ideia de ser uma mosca na sopa de alguém, embora na época eu não entendesse que isso fosse algo ruim. Mas me chamava a atenção em especial a música "Canceriano sem lar".
Eu tinha uns 8 anos quando escutei essa música pela primeira vez. Achei engraçada aquela letra, praticamente um mantra do ócio ("Estou sentado em minha cama / Tomando meu café pra fumar"). Achei engraçado o fato de Raul Seixas ter o mesmo signo que eu, e sentir algumas coisas que eu também sentia. Uma melancolia subversiva, uma saudade de não-sei-o-quê misturada com a revolta por não estar onde se quer, e sempre querer estar longe dali.
Gostava das roupas, do misticismo, da bichogrilice. Gostava até de Paulo Coelho (até descobrir que ele também escrevia).
De algum modo especial, eu entendo Raul. Sinto uma espécie de orgulho, por ter nascido no mesmo dia que ele (28 de junho). Tanto orgulho que tudo o que eu escrever aqui será pequeno e inútil. E não chegará nem perto daquilo que quero dizer.
Definitivamente, hoje é feriado. É o dia da saudade.
___
Links:
#1 Reportagem sobre Raul Seixas no Globo Repórter
#2 Ouça a música “O Homem”
*Os dois links levam a vídeos disponíveis no YouTube
e serão abertos numa nova janela.
quarta-feira, agosto 19, 2009
A velha!
*Eduardo Daniel | www.twitter.com/eduardosdaniel
O Jornal O Esporte ainda era no Edifício Iracema, na Galeria Pio XII, no Calçadão, no Centro de Tubarão, ao Sul de Santa Catarina. Eu ainda era repórter e sócio daquele querido semanário esportivo. Procurava palavras para intitular uma matéria quando Fabiano aparece mais branco que os cabelos do seu Jandir (pai dele):
— Tremedeira! – exclamou esbaforido, estica as duas mãos agitadas e espana as palavras, recém encontradas.
Abre parênteses: O Fabiano, pra quem não o conhece, é um bon vivant, que deve rezar pra Santo Antonio pedindo para continuar solteiro.
Natural de Seara, no Oeste Catarinense, veio parar na Cidade Azul para estudar Jornalismo. Cursamos juntos a faculdade. Já no primeiro dia fomos embora conversando. Eu na minha timidez e panca de revolucionário: barba e cabelo desgrenhado. Ele com pinta de maluco, gorro até a cintura. No momento do trote pulou a janela. Ganhou a turma.
No texto da formatura nos descreveram como amigos inseparáveis. “Se um dia o Fabiano for candidato a prefeito, o Eduardo certamente será o vice”. E uma médium disse que fomos irmãos em outra vida. Mas o fato concreto é que durante seis anos tocamos juntos um jornal. Fecha parênteses.
— O que foi? – perguntei, ao mesmo tempo em que ele chegava à janela para tomar um ar.
— Eu fui ao mercado e tu não imaginas o rolo que deu.
Acomodei-me melhor na cadeira. Cruzei os braços e esperei o pior.
— Quando fui passar no caixa – começou a explicar – tinha uma senhora, toda arrumada, com panca de grã-fina, na minha frente.
Pigarreei. Ele seguiu:
— Depois que a senhora passou suas compras e foi pagar, aconteceu o rolo – instigou e olhou para as mãos, como quem diz: por isso cheguei tremendo.
— Ela roubou alguma coisa? – preocupei-me.
— Não. Disse que não estava encontrando a carteira. Abriu a bolsa, tirou tudo de dentro e nada. A moça do caixa chamou um orientador. Aí a velha olha para trás e diz: “foi ele”.
— Tu? – pulei da cadeira.
— É. Ela disse que eu tinha roubado a carteira. Ainda duvidei e olhei para trás de mim. Não tinha mais ninguém. Gelei.
— Bah, que foda!
— Expliquei que nunca tinha visto aquela senhora e que ela estava enganada. Me controlei pra manter a calma. Nisso já juntou uns curiosos.
Eu não respirava. Numa prova de apneia venceria.
— Mandei então chamar o gerente. Quando ele chegou sugeri que fossemos na casa daquela senhora, que ela deveria ter esquecido lá a carteira.
— E vocês foram até lá mesmo?
— Fomos. Ela mora num prédio na Marcolino Martins Cabral.
— Sei.
— Cada um foi em seu carro. No apartamento, ela convidou para entrar, garantindo que não havia esquecido a carteira. Fiquei na sala. Ela foi para outros cômodos com o gerente e ouvi lá de dentro ela falar: achei.
— Maluca essa velha! E ainda levar vocês para o apartamento...
— Calma – disse Fabiano, mexendo num dos bolsos da jaqueta — aproveitei pra pegar um relógio antigo que estava na estante.
Endureci. Tive vontade de chamá-lo de burro. “Que otário”, pensei, “perdeu a razão”. “Logo tu, tão honesto, tão sério”. Mas ficou entalado. Ele seguiu:
— Na hora que estávamos nos despedindo o relógio despertou...
— Puta merda! – desembuchei.
Ele me olhou sério. Seu rosto se transfigurou. Algum ser parecia querer sair de suas entranhas. Não agüentou. Soltou uma gargalhada como eu nunca havia ouvido antes. Sem entender bulhufas, ele encerrou a cena lutando contra o riso que o encurvava e lhe roubava o ar:
— Aí eu acordei. Estava sonhando!
Outros parênteses para fazer justiça: essa história o próprio Fabiano publicou em sua coluna no Jornal O Esporte e, só porque nesta semana ele faz aniversário, lembrei deste momento com algumas licenças poéticas. Parabéns meu velho e caro amigo! És um monstro! Fecha parênteses.
O Jornal O Esporte ainda era no Edifício Iracema, na Galeria Pio XII, no Calçadão, no Centro de Tubarão, ao Sul de Santa Catarina. Eu ainda era repórter e sócio daquele querido semanário esportivo. Procurava palavras para intitular uma matéria quando Fabiano aparece mais branco que os cabelos do seu Jandir (pai dele):
— Tremedeira! – exclamou esbaforido, estica as duas mãos agitadas e espana as palavras, recém encontradas.
Abre parênteses: O Fabiano, pra quem não o conhece, é um bon vivant, que deve rezar pra Santo Antonio pedindo para continuar solteiro.
Natural de Seara, no Oeste Catarinense, veio parar na Cidade Azul para estudar Jornalismo. Cursamos juntos a faculdade. Já no primeiro dia fomos embora conversando. Eu na minha timidez e panca de revolucionário: barba e cabelo desgrenhado. Ele com pinta de maluco, gorro até a cintura. No momento do trote pulou a janela. Ganhou a turma.
No texto da formatura nos descreveram como amigos inseparáveis. “Se um dia o Fabiano for candidato a prefeito, o Eduardo certamente será o vice”. E uma médium disse que fomos irmãos em outra vida. Mas o fato concreto é que durante seis anos tocamos juntos um jornal. Fecha parênteses.
— O que foi? – perguntei, ao mesmo tempo em que ele chegava à janela para tomar um ar.
— Eu fui ao mercado e tu não imaginas o rolo que deu.
Acomodei-me melhor na cadeira. Cruzei os braços e esperei o pior.
— Quando fui passar no caixa – começou a explicar – tinha uma senhora, toda arrumada, com panca de grã-fina, na minha frente.
Pigarreei. Ele seguiu:
— Depois que a senhora passou suas compras e foi pagar, aconteceu o rolo – instigou e olhou para as mãos, como quem diz: por isso cheguei tremendo.
— Ela roubou alguma coisa? – preocupei-me.
— Não. Disse que não estava encontrando a carteira. Abriu a bolsa, tirou tudo de dentro e nada. A moça do caixa chamou um orientador. Aí a velha olha para trás e diz: “foi ele”.
— Tu? – pulei da cadeira.
— É. Ela disse que eu tinha roubado a carteira. Ainda duvidei e olhei para trás de mim. Não tinha mais ninguém. Gelei.
— Bah, que foda!
— Expliquei que nunca tinha visto aquela senhora e que ela estava enganada. Me controlei pra manter a calma. Nisso já juntou uns curiosos.
Eu não respirava. Numa prova de apneia venceria.
— Mandei então chamar o gerente. Quando ele chegou sugeri que fossemos na casa daquela senhora, que ela deveria ter esquecido lá a carteira.
— E vocês foram até lá mesmo?
— Fomos. Ela mora num prédio na Marcolino Martins Cabral.
— Sei.
— Cada um foi em seu carro. No apartamento, ela convidou para entrar, garantindo que não havia esquecido a carteira. Fiquei na sala. Ela foi para outros cômodos com o gerente e ouvi lá de dentro ela falar: achei.
— Maluca essa velha! E ainda levar vocês para o apartamento...
— Calma – disse Fabiano, mexendo num dos bolsos da jaqueta — aproveitei pra pegar um relógio antigo que estava na estante.
Endureci. Tive vontade de chamá-lo de burro. “Que otário”, pensei, “perdeu a razão”. “Logo tu, tão honesto, tão sério”. Mas ficou entalado. Ele seguiu:
— Na hora que estávamos nos despedindo o relógio despertou...
— Puta merda! – desembuchei.
Ele me olhou sério. Seu rosto se transfigurou. Algum ser parecia querer sair de suas entranhas. Não agüentou. Soltou uma gargalhada como eu nunca havia ouvido antes. Sem entender bulhufas, ele encerrou a cena lutando contra o riso que o encurvava e lhe roubava o ar:
— Aí eu acordei. Estava sonhando!
Outros parênteses para fazer justiça: essa história o próprio Fabiano publicou em sua coluna no Jornal O Esporte e, só porque nesta semana ele faz aniversário, lembrei deste momento com algumas licenças poéticas. Parabéns meu velho e caro amigo! És um monstro! Fecha parênteses.
terça-feira, agosto 18, 2009
O fenômeno Lua Nova
*Thiago Schwartz | www.twitter.com/perereco
Na lista de livros mais vendidos da Revista Veja de 19 de agosto desse ano, há uma consonância do segundo ao quinto lugares: Livros da série "Crepúsculo", da escritora americana Stephanie Meyer. Os quatro livros da série – Amanhecer, Lua Nova, Eclipse e Crepúsculo – encontram-se ali, praticamente desde que foram lançados. Trazem uma nova história de ficção, voltada ao público jovem, mais precisamente a mulheres entre 15 e 25 anos, "velhas demais para ler Harry Potter e jovens demais para ler Dostoiévski".
Basicamente, os livros contam a história de uma garota jovem (a identificação do público inicia-se aí), que se apaixona por um garoto jovem. Mas o garoto jovem é, na verdade, um vampiro [música de suspense]. A ficção, em especial este tipo de ficção fantasiosa, envolvendo lobisomens, vampiros e seres que brilham à luz do Sol, sempre esteve para o público feminino assim como a água benta está para o vampiro. No entanto, Stephanie consegue arrebatar este público com maestria, assim como J. K. Rowling fez com o público infanto-juvenil tempos atrás, com seu pequeno bruxo.
Mas qual o segredo desse sucesso de vendas? Na minha modesta opinião, houve um avanço significativo na arte de escrever histórias populares. As tramas não oferecem nenhum tipo de novidade, a não ser pelo modo que seu desenrolar é narrado. Os livros de hoje estão mais fáceis de ler, oferecem um auxílio descritivo fundamental na construção mental da aparência e do caráter de seus personagens (muitas pessoas, ao assistirem ao filme Crepúsculo, relatam que imaginavam o personagem principal exatamente da mesma maneira que foi retratado na película), o que acaba aproximando o jovem leitor do objeto de sua leitura. Talvez o ponto mais positivo nisso tudo seja também o negativo, pois se a autora define o personagem em seus mínimos detalhes, não sobra muito espaço para a imaginação do leitor. Em outras palavras, o leitor torna-se o espectador da trama, não parte dela. Não compartilha as emoções da encantadora Bella, apenas as visualiza, como visualiza as emoções da mocinha da novela das 8.
Só para estabelecer um parâmetro para o que quero dizer, compararei o início do livro Crepúsculo com o início do livro A Metamorfose, de Franz Kafka:
Meyer escreveu:
Kafka escreveu:
Há uma discrepância a respeito da situação inicial dos dois personagens. Claro que o estilo de cada autor influencia na narrativa, mas esse é apenas um dos muitos exemplos que poderia dar a respeito. E continuaria sendo uma opinião pessoal. A minha é essa. Um livro é mais do que simples diversão, é um portal, por onde pode-se chegar onde o leitor quiser. Meu único medo nisso tudo é que o leitor acostume-se a não chegar a lugar algum.
Na lista de livros mais vendidos da Revista Veja de 19 de agosto desse ano, há uma consonância do segundo ao quinto lugares: Livros da série "Crepúsculo", da escritora americana Stephanie Meyer. Os quatro livros da série – Amanhecer, Lua Nova, Eclipse e Crepúsculo – encontram-se ali, praticamente desde que foram lançados. Trazem uma nova história de ficção, voltada ao público jovem, mais precisamente a mulheres entre 15 e 25 anos, "velhas demais para ler Harry Potter e jovens demais para ler Dostoiévski".
Basicamente, os livros contam a história de uma garota jovem (a identificação do público inicia-se aí), que se apaixona por um garoto jovem. Mas o garoto jovem é, na verdade, um vampiro [música de suspense]. A ficção, em especial este tipo de ficção fantasiosa, envolvendo lobisomens, vampiros e seres que brilham à luz do Sol, sempre esteve para o público feminino assim como a água benta está para o vampiro. No entanto, Stephanie consegue arrebatar este público com maestria, assim como J. K. Rowling fez com o público infanto-juvenil tempos atrás, com seu pequeno bruxo.
Mas qual o segredo desse sucesso de vendas? Na minha modesta opinião, houve um avanço significativo na arte de escrever histórias populares. As tramas não oferecem nenhum tipo de novidade, a não ser pelo modo que seu desenrolar é narrado. Os livros de hoje estão mais fáceis de ler, oferecem um auxílio descritivo fundamental na construção mental da aparência e do caráter de seus personagens (muitas pessoas, ao assistirem ao filme Crepúsculo, relatam que imaginavam o personagem principal exatamente da mesma maneira que foi retratado na película), o que acaba aproximando o jovem leitor do objeto de sua leitura. Talvez o ponto mais positivo nisso tudo seja também o negativo, pois se a autora define o personagem em seus mínimos detalhes, não sobra muito espaço para a imaginação do leitor. Em outras palavras, o leitor torna-se o espectador da trama, não parte dela. Não compartilha as emoções da encantadora Bella, apenas as visualiza, como visualiza as emoções da mocinha da novela das 8.
Só para estabelecer um parâmetro para o que quero dizer, compararei o início do livro Crepúsculo com o início do livro A Metamorfose, de Franz Kafka:
Meyer escreveu:
Minha mãe me levou ao aeroporto com as janelas do carro abertas. Fazia 24 graus em Phoenix, o céu de um azul perfeito e sem nuvens. Eu estava com minha blusa preferida – sem mangas, de renda branca com ilhoses; eu a vesti como um gesto de despedida. Minha bagagem de mão era uma parca.
Kafka escreveu:
Quando certa manhã Gregor Samsa acordou de sonhos intranquilos, encontrou-se em sua cama metamorfoseado num inseto monstruoso.
Há uma discrepância a respeito da situação inicial dos dois personagens. Claro que o estilo de cada autor influencia na narrativa, mas esse é apenas um dos muitos exemplos que poderia dar a respeito. E continuaria sendo uma opinião pessoal. A minha é essa. Um livro é mais do que simples diversão, é um portal, por onde pode-se chegar onde o leitor quiser. Meu único medo nisso tudo é que o leitor acostume-se a não chegar a lugar algum.
segunda-feira, agosto 17, 2009
Caro entrevistado
*Manuela Prá | manuelapraa@gmail.com
Escrevo para agradecer pelo carinho e atenção a mim dedicados ao derrubar mais uma de minhas pautas.
A vida fácil que nós repórteres levamos, deve-se em muito a pessoas como você. É a sua consideração ao desmarcar três ou quatro minutos antes do horário combinado, seu dom de marcar conosco muito cedo, ou tão tarde a ponto de termos que fazer hora extra para preparar o material que conta com sua contribuição.
Claro que entendemos que você possui uma agenda própria, independente dos nossos compromissos, mas, assim como você, adoramos poder trabalhar.
Sim, por mais incrível que pareça, ser repórter, jornalista, radialista, “cara” da TV, do rádio ou do jornal – como queira –, é uma profissão. E precisamos de sua declaração.
Contribuir com uma matéria não é favor para nós, é exercer um direito cidadão. É esclarecer dúvidas, semear a justiça, incentivar o desenvolvimento, fazer rir, fazer chorar, alertar. Enfim, ajudar a melhorar, da forma que lhe cabe, o mundo em que vive.
O que peço pode levar entre cinco e dez minutos, e embora você não acredite nisso, o trabalho dos jornalistas ajuda a sociedade – e o mais importante, é um trabalho.
Então, caro amigo, da próxima vez que for simplesmente deixar de lado aquela nossa – antecipadamente marcada – entrevista, pense também que eu me preparo já há dias para fazer algumas perguntas. Que já agendei outras declarações para somar a sua, já conversei com meu chefe sobre ela e o principal, abri um espaço na edição que espera pela pauta – que depende de você.
Meu tempo para encontrar outro tema, outros entrevistados, preparar um material diferente é tão curto quanto o seu para estar de bom-humor novamente, para pentear o cabelo ou maquiar-se, para terminar aquele relatório incrível para amanhã e tantas outras desculpas.
Obrigada pela atenção, que desta vez você me deu.
Atenciosamente,
uma jornalista impedida de reportar a sua opinião – mas com direito a expressar a minha.
Escrevo para agradecer pelo carinho e atenção a mim dedicados ao derrubar mais uma de minhas pautas.
A vida fácil que nós repórteres levamos, deve-se em muito a pessoas como você. É a sua consideração ao desmarcar três ou quatro minutos antes do horário combinado, seu dom de marcar conosco muito cedo, ou tão tarde a ponto de termos que fazer hora extra para preparar o material que conta com sua contribuição.
Claro que entendemos que você possui uma agenda própria, independente dos nossos compromissos, mas, assim como você, adoramos poder trabalhar.
Sim, por mais incrível que pareça, ser repórter, jornalista, radialista, “cara” da TV, do rádio ou do jornal – como queira –, é uma profissão. E precisamos de sua declaração.
Contribuir com uma matéria não é favor para nós, é exercer um direito cidadão. É esclarecer dúvidas, semear a justiça, incentivar o desenvolvimento, fazer rir, fazer chorar, alertar. Enfim, ajudar a melhorar, da forma que lhe cabe, o mundo em que vive.
O que peço pode levar entre cinco e dez minutos, e embora você não acredite nisso, o trabalho dos jornalistas ajuda a sociedade – e o mais importante, é um trabalho.
Então, caro amigo, da próxima vez que for simplesmente deixar de lado aquela nossa – antecipadamente marcada – entrevista, pense também que eu me preparo já há dias para fazer algumas perguntas. Que já agendei outras declarações para somar a sua, já conversei com meu chefe sobre ela e o principal, abri um espaço na edição que espera pela pauta – que depende de você.
Meu tempo para encontrar outro tema, outros entrevistados, preparar um material diferente é tão curto quanto o seu para estar de bom-humor novamente, para pentear o cabelo ou maquiar-se, para terminar aquele relatório incrível para amanhã e tantas outras desculpas.
Obrigada pela atenção, que desta vez você me deu.
Atenciosamente,
uma jornalista impedida de reportar a sua opinião – mas com direito a expressar a minha.
domingo, agosto 16, 2009
O silêncio de agosto
*Eduardo Daniel | www.twitter.com/eduardosdaniel
Não era o sol em suas horas extras nos dias que dissipavam o Inverno que anunciava a chegada da Primavera. O que sempre lembrou a chegada dos aprazíveis meses primaveris eram as bandas dos colégios do meu bairro ensaiando para o 7 de Setembro.
Em especial, todos paravam para ver a charanga da Escola Técnica Diomício Freitas, o CIP, do Bairro Santo Antonio de Pádua, em Tubarão, ao Sul de Santa Catarina. A fanfarra é regida há 22 anos por Adilson Carvalho da Costa, o Da Costa.
Da Costa é um negro de porte altivo, garboso e soberano. Tem 60 anos e sua altura não esconde seu passado. O maestro da banda do CIP é ex-goleiro do Comerciário (hoje Criciúma), do Ferroviário (de Tubarão), do Grêmio, do Internacional, do Botafogo, da Portuguesa, do Guarani e do Figueirense. Se no desfile, sempre perdemos para os colégios Dehon e São José – nunca toquei na banda, mas o CIP era a minha segunda casa – em campo, Da Costa é motivo de orgulho com seus quatro títulos estaduais: um pelo Comerciário, um pelo Figueirense, um pelo Ferroviário e outro pelo Guarani. O ex-arqueiro encerrou a carreira por conta de uma hérnia de disco.
De longe, quando a luz do dia se despedia de mansinho, o repicar das caixas com suas duas peles esticadas dando o som característico das marchas militares, a batida grave do bumbo, o coração da bateria, dependurado no peito do músico por um talabarte, repercutido em ambas as membranas por duas macetas que voavam malabaristicamente de um lado a outro, o ganido metálico dos címbalos de latão, golpeados um contra o outro deixando-se vibrar livremente, o acompanhamento exato dos metais com o trombone de vara, a tuba enrolada ao aluno como uma serpente e o canto estridente do trompete, anunciavam a charanga.
Moradores da redondeza abandonavam o Professor Raimundo e sua escolinha sozinhos dentro de casa e corriam para ver por mais uma vez a banda. Uns abriam as janelas, outros iam aos portões e muros. Os vizinhos ainda conversavam. As mães eram donas de casa. Os pais haviam recém chegado do trabalho com os pés apertados nos sapatos, o suor na testa, a camisa amassado com os últimos botões já abertos.
Crianças de bicicleta e os cachorros da vizinhança seguiam a charanga pela meia dúzia de quadras em que desfilavam. Os músicos tentavam se concentrar, mas sorrisos escapavam pelos cantos dos lábios. Orgulho e vergonha andavam lado a lado nos sentimentos daqueles privilegiados.
Para quem precisava andar próximo da banda o mais complicado era não entrar no passo da marcha. O pé direito teimava em pisar mais forte, no batimento cardíaco do bumbo.
Entre as quatro fileiras de instrumentistas, Da Costa ordenava com os silvos de seu apito imperioso os toques precisos. O maestro deixava seus braços soltos em paralelo a seu corpanzil. Saltava com a leveza de um Ademir da Guia vestido com a camisa da Academia do Palmeiras e ameaçava tocar nos fios dos postes.
Neste ano infelizmente, por desgraça, a Gripe Suína não roubou apenas espaços imensuráveis nos assuntos cotidianos, furtou-me também o prazer lúdico de acompanhar os sons marciais como se eu fosse ainda um moleque, escorado com meus cotovelos imberbes no muro da casa onde passei a infância. Sem aulas, sem ensaios.
A primavera vai chegar sem alardes. Só as flores irão saudá-la.
Não era o sol em suas horas extras nos dias que dissipavam o Inverno que anunciava a chegada da Primavera. O que sempre lembrou a chegada dos aprazíveis meses primaveris eram as bandas dos colégios do meu bairro ensaiando para o 7 de Setembro.
Em especial, todos paravam para ver a charanga da Escola Técnica Diomício Freitas, o CIP, do Bairro Santo Antonio de Pádua, em Tubarão, ao Sul de Santa Catarina. A fanfarra é regida há 22 anos por Adilson Carvalho da Costa, o Da Costa.
Da Costa é um negro de porte altivo, garboso e soberano. Tem 60 anos e sua altura não esconde seu passado. O maestro da banda do CIP é ex-goleiro do Comerciário (hoje Criciúma), do Ferroviário (de Tubarão), do Grêmio, do Internacional, do Botafogo, da Portuguesa, do Guarani e do Figueirense. Se no desfile, sempre perdemos para os colégios Dehon e São José – nunca toquei na banda, mas o CIP era a minha segunda casa – em campo, Da Costa é motivo de orgulho com seus quatro títulos estaduais: um pelo Comerciário, um pelo Figueirense, um pelo Ferroviário e outro pelo Guarani. O ex-arqueiro encerrou a carreira por conta de uma hérnia de disco.
De longe, quando a luz do dia se despedia de mansinho, o repicar das caixas com suas duas peles esticadas dando o som característico das marchas militares, a batida grave do bumbo, o coração da bateria, dependurado no peito do músico por um talabarte, repercutido em ambas as membranas por duas macetas que voavam malabaristicamente de um lado a outro, o ganido metálico dos címbalos de latão, golpeados um contra o outro deixando-se vibrar livremente, o acompanhamento exato dos metais com o trombone de vara, a tuba enrolada ao aluno como uma serpente e o canto estridente do trompete, anunciavam a charanga.
Moradores da redondeza abandonavam o Professor Raimundo e sua escolinha sozinhos dentro de casa e corriam para ver por mais uma vez a banda. Uns abriam as janelas, outros iam aos portões e muros. Os vizinhos ainda conversavam. As mães eram donas de casa. Os pais haviam recém chegado do trabalho com os pés apertados nos sapatos, o suor na testa, a camisa amassado com os últimos botões já abertos.
Crianças de bicicleta e os cachorros da vizinhança seguiam a charanga pela meia dúzia de quadras em que desfilavam. Os músicos tentavam se concentrar, mas sorrisos escapavam pelos cantos dos lábios. Orgulho e vergonha andavam lado a lado nos sentimentos daqueles privilegiados.
Para quem precisava andar próximo da banda o mais complicado era não entrar no passo da marcha. O pé direito teimava em pisar mais forte, no batimento cardíaco do bumbo.
Entre as quatro fileiras de instrumentistas, Da Costa ordenava com os silvos de seu apito imperioso os toques precisos. O maestro deixava seus braços soltos em paralelo a seu corpanzil. Saltava com a leveza de um Ademir da Guia vestido com a camisa da Academia do Palmeiras e ameaçava tocar nos fios dos postes.
Neste ano infelizmente, por desgraça, a Gripe Suína não roubou apenas espaços imensuráveis nos assuntos cotidianos, furtou-me também o prazer lúdico de acompanhar os sons marciais como se eu fosse ainda um moleque, escorado com meus cotovelos imberbes no muro da casa onde passei a infância. Sem aulas, sem ensaios.
A primavera vai chegar sem alardes. Só as flores irão saudá-la.
sábado, agosto 15, 2009
Niilismo
*Isabel Cunha | www.twitter.com/sweetmisswendy | Portugal
Já dei por mim a pensar sobre a minha importância neste planeta. O que faço eu aqui? O que me agrada? O que me completa? O que me passa ao lado? O que me falta? Entre outras questões que ficam suspensas no ar...
O certo é que sinto que não somos nada. Andamos aqui a figurar, inventamos coisas, continuamos projectos iniciados por falecidos e homenageados, recebemos prémios, gastamos dinheiro em futilidades, vamos de férias para locais diferentes que ao fim de um tempo nos cansam e se transformam em monotonia, convivemos socialmente porque faz bem (e fica bem). Mas no fundo, sabemos que há-de chegar um dia em que, tal como o fogo se apaga, também nós iremos desaparecer.
Sempre gostei de estar sozinha, aliás, isto de ser independente faz-me conhecer um outro lado da solidão que me agrada bastante. Ser livre de pensar, organizar o espaço de acordo com os meus interesses e gostos, estabelecer os meus horários, rotinas, saídas e compromissos. Gosto de ler deitada no sofá, sentar no chão a teclar, acender velas e incensos, dormir com a janela aberta, cozinhar com música de fundo... mas o que é EU interesso?
Não tenciono inventar nada, descobrir curas de doenças, ganhar o euromilhões, interpretar promessas políticas ou promover a cultura nacional no Japão... Apenas pretendo receber o sol todas as manhãs para continuar a não ser nada e a ser tudo o que há de discreto neste mundo. Nada!
Uma perfeita anónima, que sossegada no seu canto, é feliz à sua maneira com a passividade dos dias, onde nada acontece.
Já dei por mim a pensar sobre a minha importância neste planeta. O que faço eu aqui? O que me agrada? O que me completa? O que me passa ao lado? O que me falta? Entre outras questões que ficam suspensas no ar...
O certo é que sinto que não somos nada. Andamos aqui a figurar, inventamos coisas, continuamos projectos iniciados por falecidos e homenageados, recebemos prémios, gastamos dinheiro em futilidades, vamos de férias para locais diferentes que ao fim de um tempo nos cansam e se transformam em monotonia, convivemos socialmente porque faz bem (e fica bem). Mas no fundo, sabemos que há-de chegar um dia em que, tal como o fogo se apaga, também nós iremos desaparecer.
Sempre gostei de estar sozinha, aliás, isto de ser independente faz-me conhecer um outro lado da solidão que me agrada bastante. Ser livre de pensar, organizar o espaço de acordo com os meus interesses e gostos, estabelecer os meus horários, rotinas, saídas e compromissos. Gosto de ler deitada no sofá, sentar no chão a teclar, acender velas e incensos, dormir com a janela aberta, cozinhar com música de fundo... mas o que é EU interesso?
Não tenciono inventar nada, descobrir curas de doenças, ganhar o euromilhões, interpretar promessas políticas ou promover a cultura nacional no Japão... Apenas pretendo receber o sol todas as manhãs para continuar a não ser nada e a ser tudo o que há de discreto neste mundo. Nada!
Uma perfeita anónima, que sossegada no seu canto, é feliz à sua maneira com a passividade dos dias, onde nada acontece.
sexta-feira, agosto 14, 2009
Um ateu abençoado
*Eduardo Daniel | www.twitter.com/eduardosdaniel
Sexta-feira. Dez horas da manhã. Dia de sol. E tinha que ser assim. Ou melhor, podia ser numa segunda ou numa quarta também, mas que fosse as dez e numa manhã de sol. Essas foram as primeiras orientações que recebi da dona Benta, uma senhorinha de 80 anos com vitalidade de 50, avó da minha esposa.
O objetivo dela: tirar o sol da minha cabeça, que de acordo com o seu diagnóstico, é a causa de minhas cefaleias que me acompanham desde sempre.
Não possuo religião, apesar de acompanhar a família, católica, nos ritos tradicionais – muito mais por conveniência. Tenho uma forte tendência para não acreditar em Deus pelo simples fato de procurar explicação científica e histórica em tudo o que os religiosos chamam de bíblico ou sagrado. Mesmo assim, aceitei o convite da dona Benta que se propôs a me curar.
Uma das riquezas do Brasil é justamente este sincretismo religioso. Acho até que as portas das igrejas precisam estar abertas para seguidores de outras religiões. É absurdo um católico encontrar pecado se um fiel de sua igreja entrar em uma evangélica ou vice-versa. Que mal haveria se o Deus é o mesmo?
Isso sem falarmos dos terreiros, centros espíritas e outras manifestações religiosas no país, que convivem pacificamente – salvo um ou outro ato isolado de intolerância.
Se dentro de tanto sincretismo, que problema teria se um ateu fosse benzido por uma católica, num rito praticamente indígena, em um bairro com nome de padre, Dehon, em uma rua com nome de papa, Pio XII?
O banquinho escolhido para que eu sentasse com meus quase cem quilos foi o menor possível. Com 1,78 metros qualquer cadeira me tornaria uma montanha inatingível para dona Benta e seus pouco mais de um metro e meio.
Cerimoniosamente ela põe água até a metade em uma pequena garrafa de vidro transparente. Em seguida dobra cuidadosamente duas camisas de homem com botão – no caso, do seu João, seu esposo – e uma toalha de rosto totalmente branca.
Sento de costas para o sol, ela coloca as três peças sobre minha cabeça e emborca a garrafa. Pelo espelho vejo as bolhas se formando dentro da garrafa. Dona Benta pressiona os objetos em meu cocuruto e chama a atenção:
— Ta vendo meu filho? As bolhas “fervendo” é o sol na tua cabeça.
O logradouro está deserto e silencioso. O sol da manhã dá uma preguiça gostosa. Em nossas sombras a vejo fazer o sinal da cruz e logo em seguida, em um murmúrio característico das benzedeiras, interrompe o canto descompassado dos pardais:
— Que curo? – pergunta ela.
— Mal de dor de cabeça! – respondo, como antes combinado.
- Aqui chegou o mal de dor de cabeça, vou te afastar de constipação braba. Constipação, achacado, adoentado, torturado e o sangue derramado – continua dona Benta e mais uma vez pergunta:
— Que curo?
— Mal de dor de cabeça!
— Mal do tempo, mal do vento. Mal do dia, mal do sol, mal do fogo, mal da água, mal da noite, mal da estrela e ar ruim – finaliza sem parar de fazer cruzes em minha cabeça com o polegar da mão direita, segurando a garrafa com a esquerda.
Dona Benta fica em silêncio por instantes e logo depois fala como aqueles que revelam um segredo descoberto ao ler o passado nas entranhas da memória alheia:
— O Eduardo brincava muito no sol, com a cabeça desprotegida. Jogava bola, andava de bicicleta. O pai dele o chamava pra sombra, mas ele era teimosinho.
Meu filho, de quatro anos, assiste a tudo e nessa parte esboça um sorriso malicioso. Dona Benta termina a benzedura:
— Deus é o sol. Deus é a luz. Deus é a mesma claridade. Deus é o sumo da verdade. Se for ar, sangue derramado ou ventocidade. Deus nosso senhor tire desse lugar, que não se torne mais a dar.
Sexta-feira. Dez horas da manhã. Dia de sol. E tinha que ser assim. Ou melhor, podia ser numa segunda ou numa quarta também, mas que fosse as dez e numa manhã de sol. Essas foram as primeiras orientações que recebi da dona Benta, uma senhorinha de 80 anos com vitalidade de 50, avó da minha esposa.
O objetivo dela: tirar o sol da minha cabeça, que de acordo com o seu diagnóstico, é a causa de minhas cefaleias que me acompanham desde sempre.
Não possuo religião, apesar de acompanhar a família, católica, nos ritos tradicionais – muito mais por conveniência. Tenho uma forte tendência para não acreditar em Deus pelo simples fato de procurar explicação científica e histórica em tudo o que os religiosos chamam de bíblico ou sagrado. Mesmo assim, aceitei o convite da dona Benta que se propôs a me curar.
Uma das riquezas do Brasil é justamente este sincretismo religioso. Acho até que as portas das igrejas precisam estar abertas para seguidores de outras religiões. É absurdo um católico encontrar pecado se um fiel de sua igreja entrar em uma evangélica ou vice-versa. Que mal haveria se o Deus é o mesmo?
Isso sem falarmos dos terreiros, centros espíritas e outras manifestações religiosas no país, que convivem pacificamente – salvo um ou outro ato isolado de intolerância.
Se dentro de tanto sincretismo, que problema teria se um ateu fosse benzido por uma católica, num rito praticamente indígena, em um bairro com nome de padre, Dehon, em uma rua com nome de papa, Pio XII?
O banquinho escolhido para que eu sentasse com meus quase cem quilos foi o menor possível. Com 1,78 metros qualquer cadeira me tornaria uma montanha inatingível para dona Benta e seus pouco mais de um metro e meio.
Cerimoniosamente ela põe água até a metade em uma pequena garrafa de vidro transparente. Em seguida dobra cuidadosamente duas camisas de homem com botão – no caso, do seu João, seu esposo – e uma toalha de rosto totalmente branca.
Sento de costas para o sol, ela coloca as três peças sobre minha cabeça e emborca a garrafa. Pelo espelho vejo as bolhas se formando dentro da garrafa. Dona Benta pressiona os objetos em meu cocuruto e chama a atenção:
— Ta vendo meu filho? As bolhas “fervendo” é o sol na tua cabeça.
O logradouro está deserto e silencioso. O sol da manhã dá uma preguiça gostosa. Em nossas sombras a vejo fazer o sinal da cruz e logo em seguida, em um murmúrio característico das benzedeiras, interrompe o canto descompassado dos pardais:
— Que curo? – pergunta ela.
— Mal de dor de cabeça! – respondo, como antes combinado.
- Aqui chegou o mal de dor de cabeça, vou te afastar de constipação braba. Constipação, achacado, adoentado, torturado e o sangue derramado – continua dona Benta e mais uma vez pergunta:
— Que curo?
— Mal de dor de cabeça!
— Mal do tempo, mal do vento. Mal do dia, mal do sol, mal do fogo, mal da água, mal da noite, mal da estrela e ar ruim – finaliza sem parar de fazer cruzes em minha cabeça com o polegar da mão direita, segurando a garrafa com a esquerda.
Dona Benta fica em silêncio por instantes e logo depois fala como aqueles que revelam um segredo descoberto ao ler o passado nas entranhas da memória alheia:
— O Eduardo brincava muito no sol, com a cabeça desprotegida. Jogava bola, andava de bicicleta. O pai dele o chamava pra sombra, mas ele era teimosinho.
Meu filho, de quatro anos, assiste a tudo e nessa parte esboça um sorriso malicioso. Dona Benta termina a benzedura:
— Deus é o sol. Deus é a luz. Deus é a mesma claridade. Deus é o sumo da verdade. Se for ar, sangue derramado ou ventocidade. Deus nosso senhor tire desse lugar, que não se torne mais a dar.
Programação à portuguesa
*Isabel Cunha | www.twitter.com/sweetmisswendy | Portugal
Ora, dado que actualmente estou de férias, morena que nem uma alfarroba, dou por mim mais propensa a assistir à programação de televisão com maior frequência do que quando estou em período de labuta.
Todavia, tenho-me apercebido da decadente programação que os 4 canais genéricos nos oferecem, com excepção às noites da RTP2.
Será que não existem mais criativos a trabalhar nas estações de TV?
Os dias são passados com programas rurais, que circulam pelos caminhos do nosso mui belo país, intercalados com os noticiários e publicidade.
Resumindo, não se aprende nada com a programação, daí que prefira estar a ler numa esplanada, a passaritar pela praia ou a deambular por algum jardim. Acaba por ser mais interessante. Ou então, ponho-me a engomar a roupinha que também é um bom serviço!
Ora, dado que actualmente estou de férias, morena que nem uma alfarroba, dou por mim mais propensa a assistir à programação de televisão com maior frequência do que quando estou em período de labuta.
Todavia, tenho-me apercebido da decadente programação que os 4 canais genéricos nos oferecem, com excepção às noites da RTP2.
Será que não existem mais criativos a trabalhar nas estações de TV?
Os dias são passados com programas rurais, que circulam pelos caminhos do nosso mui belo país, intercalados com os noticiários e publicidade.
Resumindo, não se aprende nada com a programação, daí que prefira estar a ler numa esplanada, a passaritar pela praia ou a deambular por algum jardim. Acaba por ser mais interessante. Ou então, ponho-me a engomar a roupinha que também é um bom serviço!
quinta-feira, agosto 13, 2009
H1N1, a nova peste
*Thiago Schwartz | www.twitter.com/perereco
Moro em Tubarão, Santa Catarina. Cidade pacata, mas acometida de um mal muito grande nessas últimas semanas. Não me refiro à nova gripe, e sim à paranoia que está sendo criada em torno dela na região.
Todos os dias são novas notícias que chegam. Informações desencontradas populam em todos os meios de comunicação, mas é no boca-a-boca que a tragédia se forma: parentes infectados, pessoas públicas em estado grave, qualquer tosse em público se torna uma nota de falecimento no dia seguinte. Um exemplo bem definido disso diz respeito a um médico de renome na cidade.
No Domingo, recebi de minha senhora (que trabalha no shopping) a notícia que o tal médico havia morrido, da maldita gripe suína. Como bom brasileiro, sem checar as fontes liguei para minha mãe e contei o ocorrido. Ela ficou momentaneamente chocada e desligou o telefone. No outro dia, todos sabiam que o médico tinha esticado as canelas por culpa do vilão da vez.
A balbúrdia foi tanta em cima da morte do doutor, que o mesmo se viu obrigado a ir na rádio e declarar: "Gente, eu tô vivo". Alguns pacientes seus correram para o local onde ele dava plantão, para verificar se era realmente verdade que o médico não havia sido mais uma vítima.
O médico foi sim uma vítima. Uma vítima da paranoia que se formou em torno desta questão. Uma das milhares de mortes que não foram confirmadas, mas que permeiam as conversas dos populares. Um dos que, como muitos, "teve a morte ocultada pelas autoridades, como uma forma de evitar o pânico e manter o status quo"...
Só esqueceram de avisar ao médico de que ele deveria estar morto.
Moro em Tubarão, Santa Catarina. Cidade pacata, mas acometida de um mal muito grande nessas últimas semanas. Não me refiro à nova gripe, e sim à paranoia que está sendo criada em torno dela na região.
Todos os dias são novas notícias que chegam. Informações desencontradas populam em todos os meios de comunicação, mas é no boca-a-boca que a tragédia se forma: parentes infectados, pessoas públicas em estado grave, qualquer tosse em público se torna uma nota de falecimento no dia seguinte. Um exemplo bem definido disso diz respeito a um médico de renome na cidade.
No Domingo, recebi de minha senhora (que trabalha no shopping) a notícia que o tal médico havia morrido, da maldita gripe suína. Como bom brasileiro, sem checar as fontes liguei para minha mãe e contei o ocorrido. Ela ficou momentaneamente chocada e desligou o telefone. No outro dia, todos sabiam que o médico tinha esticado as canelas por culpa do vilão da vez.
A balbúrdia foi tanta em cima da morte do doutor, que o mesmo se viu obrigado a ir na rádio e declarar: "Gente, eu tô vivo". Alguns pacientes seus correram para o local onde ele dava plantão, para verificar se era realmente verdade que o médico não havia sido mais uma vítima.
O médico foi sim uma vítima. Uma vítima da paranoia que se formou em torno desta questão. Uma das milhares de mortes que não foram confirmadas, mas que permeiam as conversas dos populares. Um dos que, como muitos, "teve a morte ocultada pelas autoridades, como uma forma de evitar o pânico e manter o status quo"...
Só esqueceram de avisar ao médico de que ele deveria estar morto.
Covardia
*Eduardo Daniel | www.twitter.com/eduardosdaniel
De tempos em tempos, hábitos costumeiros são suplantados por outros nem sonhados outrora. Ao menos dois deles de minha época de moleque hoje soam quase que absurdos: não comprávamos água mineral para beber em casa e não pagávamos para jogar futebol.
Não que a água da torneira fosse muito mais limpa há 20 anos do que é hoje. Por certo a paranóia que nos assola atualmente não era tanta. Nós tínhamos era medo do russo que guardava o botão da Bomba H e das ogivas nucleares americanas prontas para voarem sobre o planeta. Eram medos distantes do nosso mundinho sem celular e internet, eram temores de quem ainda se recuperava do resfriado da Guerra Fria.
A água, bebíamos de duas maneiras: em casa, nos filtros de barro, e na rua, na torneira, diretamente com a boca ou com as mãos imundas em forma de concha. Esta segunda modalidade de ingestão da água era muito comum após os jogos de futebol nos terrenos baldios.
As crianças de hoje jogam futebol duas vezes por semana, supervisionadas por um professor, em um campo de gramado sintético, com uniforme completo, e com hora marcada para terminar a partida, acham que são mais felizes do que nós, que dividíamos os times em com camisa e sem camisa, jogávamos descalços e gramado era pasto pra cavalo. Pobres coitados.
Os nossos campos eram de chão batido, a grama era rala e rara, a duração da partida era determinada pela luz do sol, não pagávamos para jogar e durante o horário de verão as partidas aconteciam todos os dias depois da escola dos que estudavam a tarde.
O bairro Santo Antônio de Pádua, em Tubarão, ao Sul de Santa Catarina, aonde cresci, era rico em terrenos baldios transformados em campinhos de futebol. Nenhum deles possuía qualquer estrutura. Alambrado, marcação com cal, traves, isso era um luxo para os profissionais. A lateral e a linha de fundo eram fronteiras invisíveis e bandeiras e juizes eram os próprios jogadores. Praticamente não exista falta.
Também não existam goleiros (talvez por isso o Brasil fosse tão carente nesta posição). Jogávamos com duas travinhas pequenas, com o perdão da redundância. A regra mais importante e a mais difícil de ser cumprida era a do zagueiro que ficava plantado na travinha. Não existia impedimento. Era normal que os piores jogadores de cada time fossem colocados ou na banheira (ataque) ou na defesa. Para o defensor valia mais a artimanha de ludibriar os outros e disfarçadamente se postar entre os tijolos, chinelos, paus ou pedras, que geralmente faziam o papel de traves.
Nos jogos em que eu participava, emprestava duas traves de ferro (por sinal, só jogava mesmo porque era o dono das traves e normalmente era o atacante ou o zagueiro). Com as traves de ferro o papel do defensor era ainda mais fácil: bastava sentar-se no travessão.
De todo modo os adversários alertavam para a prática ilegal. Riscávamos no chão uma área que limitava o recuo do defensor, mas num ataque eram comuns uns passinhos indevidos para trás. Briga na certa! Ou o atacante se queimava e metia um bago nos bagos do zagueiro ou soltava um pombo sem asas e a bola perdia-se no terreno de um vizinho.
Era um drama quando se enfrentava um time com um plantado na travinha. Não havia meio de fazer um gol. Ou melhor, havia: chutávamos a bola nas mãos do zagueiro desgraçado a procura de um pênalti.
Para a cobrança da penalidade, por sinal, armávamos mais brigas. A primeira para definir a forma de cobrança. Eram duas escolhas: do meio do campo, sem o defensor, ou de cinco passos de distância da meta, com o zagueiro de lado. Se a segunda era escolhida era difícil o “goleiro” ficar parado.
Podia perguntar na época se algum atacante sonhava em um dia eliminar o zagueiro plantado na travinha. Todos iriam dizer que sim.
Hoje, no futebol, depois de ter sido banida, a paradinha (quando o jogador faz que vai, não vai e depois vai) na cobrança de pênaltis voltou. Em matéria de penalidades duas coisas me chamam a atenção: jogador canhoto (hoje é o dia mundial do canhoto) raramente converte seu tento e um goleiro jamais defende um pênalti cobrado com a famigerada paradinha.
No meu tempo o zagueirão plantado na trave era o pesadelo do atacante. Uma covardia! Agora é o atacante que vai a forra em cima do goleiro com a paradinha, um verdadeiro crime consentido pela regra.
Sinais do tempo em que muitos outros crimes de toda ordem são cometidos sem que os responsáveis sejam punidos. Vide os escândalos políticos e futebolísticos...
De tempos em tempos, hábitos costumeiros são suplantados por outros nem sonhados outrora. Ao menos dois deles de minha época de moleque hoje soam quase que absurdos: não comprávamos água mineral para beber em casa e não pagávamos para jogar futebol.
Não que a água da torneira fosse muito mais limpa há 20 anos do que é hoje. Por certo a paranóia que nos assola atualmente não era tanta. Nós tínhamos era medo do russo que guardava o botão da Bomba H e das ogivas nucleares americanas prontas para voarem sobre o planeta. Eram medos distantes do nosso mundinho sem celular e internet, eram temores de quem ainda se recuperava do resfriado da Guerra Fria.
A água, bebíamos de duas maneiras: em casa, nos filtros de barro, e na rua, na torneira, diretamente com a boca ou com as mãos imundas em forma de concha. Esta segunda modalidade de ingestão da água era muito comum após os jogos de futebol nos terrenos baldios.
As crianças de hoje jogam futebol duas vezes por semana, supervisionadas por um professor, em um campo de gramado sintético, com uniforme completo, e com hora marcada para terminar a partida, acham que são mais felizes do que nós, que dividíamos os times em com camisa e sem camisa, jogávamos descalços e gramado era pasto pra cavalo. Pobres coitados.
Os nossos campos eram de chão batido, a grama era rala e rara, a duração da partida era determinada pela luz do sol, não pagávamos para jogar e durante o horário de verão as partidas aconteciam todos os dias depois da escola dos que estudavam a tarde.
O bairro Santo Antônio de Pádua, em Tubarão, ao Sul de Santa Catarina, aonde cresci, era rico em terrenos baldios transformados em campinhos de futebol. Nenhum deles possuía qualquer estrutura. Alambrado, marcação com cal, traves, isso era um luxo para os profissionais. A lateral e a linha de fundo eram fronteiras invisíveis e bandeiras e juizes eram os próprios jogadores. Praticamente não exista falta.
Também não existam goleiros (talvez por isso o Brasil fosse tão carente nesta posição). Jogávamos com duas travinhas pequenas, com o perdão da redundância. A regra mais importante e a mais difícil de ser cumprida era a do zagueiro que ficava plantado na travinha. Não existia impedimento. Era normal que os piores jogadores de cada time fossem colocados ou na banheira (ataque) ou na defesa. Para o defensor valia mais a artimanha de ludibriar os outros e disfarçadamente se postar entre os tijolos, chinelos, paus ou pedras, que geralmente faziam o papel de traves.
Nos jogos em que eu participava, emprestava duas traves de ferro (por sinal, só jogava mesmo porque era o dono das traves e normalmente era o atacante ou o zagueiro). Com as traves de ferro o papel do defensor era ainda mais fácil: bastava sentar-se no travessão.
De todo modo os adversários alertavam para a prática ilegal. Riscávamos no chão uma área que limitava o recuo do defensor, mas num ataque eram comuns uns passinhos indevidos para trás. Briga na certa! Ou o atacante se queimava e metia um bago nos bagos do zagueiro ou soltava um pombo sem asas e a bola perdia-se no terreno de um vizinho.
Era um drama quando se enfrentava um time com um plantado na travinha. Não havia meio de fazer um gol. Ou melhor, havia: chutávamos a bola nas mãos do zagueiro desgraçado a procura de um pênalti.
Para a cobrança da penalidade, por sinal, armávamos mais brigas. A primeira para definir a forma de cobrança. Eram duas escolhas: do meio do campo, sem o defensor, ou de cinco passos de distância da meta, com o zagueiro de lado. Se a segunda era escolhida era difícil o “goleiro” ficar parado.
Podia perguntar na época se algum atacante sonhava em um dia eliminar o zagueiro plantado na travinha. Todos iriam dizer que sim.
Hoje, no futebol, depois de ter sido banida, a paradinha (quando o jogador faz que vai, não vai e depois vai) na cobrança de pênaltis voltou. Em matéria de penalidades duas coisas me chamam a atenção: jogador canhoto (hoje é o dia mundial do canhoto) raramente converte seu tento e um goleiro jamais defende um pênalti cobrado com a famigerada paradinha.
No meu tempo o zagueirão plantado na trave era o pesadelo do atacante. Uma covardia! Agora é o atacante que vai a forra em cima do goleiro com a paradinha, um verdadeiro crime consentido pela regra.
Sinais do tempo em que muitos outros crimes de toda ordem são cometidos sem que os responsáveis sejam punidos. Vide os escândalos políticos e futebolísticos...
quarta-feira, agosto 12, 2009
Senta, que lá vem história
*Patrícia Martins | www.twitter.com/tihssia
Como é divertido cruzar fronteiras a pé! Que emoção a hora que atravessei o guichê da imigração da Ucrânia! Lógico que levou mais tempo do que o normal, três agentes, algumas conferidas no passaporte e algumas perguntas até me deixarem passar. Mas a imigração da Hungria foi mais divertida.
São 10 minutos de trem de Tchop a Zahony, e os agentes entram no trem com suas maquininhas de checar passaporte, e vão mandando as pessoas abrirem as malas e sacolas pra ver se não tem cigarros e vodkas a mais do que o permitido. O cara olhou meu passaporte, perguntou algo aos outros sobre passaporte brasileiro, e um menino que trabalhava com eles e falava inglês disse que não havia problema algum, eles só não estavam acostumados a ver brasileiros.
Entrei na estação de Zahony pra comprar minha passagem a Budapest. A passagem custava 4.280 forints, e em Tchop eu havia trocado 15 dólares por 3000 forints. E vocês acham que tinha alguém pra trocar na estação? O banco mais perto ficava a 2 km dali, o trem pra Budapest saía em 10 minutos, e o próximo trem era só às 23h (eram 17h40).
Fui ao restaurante, a lojinha e ao snack bar tentar trocar dólares pra poder comprar a passagem, mas ninguém quis. Húngaro é uma língua impossível de entender qualquer coisa. Segundo um polonês que conheci na ida a Kiev, é uma das línguas mais particulares, em que nem a palavra 'futebol' que é a mesma em muitas línguas, é assim em húngaro.
Eu estava com a minha cara de desesperada, e a moça que trabalhava no Snack Bar começou a falar coisas que não entendi, me pegou pelo braço, me levou ao trem, conversou com o rapaz no vagão e me mandou entrar. "Unbelievable! Super sweet!", minhas primeiras impressões na Hungria foram ótimas!
Para aqueles que são tímidos, nada melhor do que viajar sozinho e enfrentar um "pepino" atrás do outro pra desenvolver todos os skills imagináveis. Ou você morre na rua – não que eu seja tímida.
Quando a mulher chegou pra me cobrar o bilhete, expliquei a ela a situação, disse que pagaria o resto em Budapest, mostrei 100 dólares, e ela me disse que daria 14.000 forints pelos 100 dólares – pelo que eu entendi. Como não conseguíamos nos entender bem, fui às cabines do lado da minha, procurando alguém que falasse inglês. Vi um menino falando no celular, perguntei se ele sabia, ele fez cara de não muito, mas eu nem dei bola, fui entrando na cabine dele e falei que só precisava que ele traduzisse pra mim. Tadinho.
Chamei a mulher, e ela não queria aceitar receber o dinheiro em Budapest. Enquanto isso, o menino ligou para um amigo perguntando a cotação do dólar. Depois de alguns minutos de discussão ele tirou 1280 forints da carteira e disse que pagaria o resto da minha passagem. Fiquei super sem jeito, perguntei se ele não tinha o suficiente pra trocar 100 dólares, e acabamos fazendo assim. A mulher tirou a luz negra dela do bolso e analisou cada milímetro da nota.
Depois disso eu só queria paz e viagens tranquilas nos próximos dias. Eu merecia.
Como é divertido cruzar fronteiras a pé! Que emoção a hora que atravessei o guichê da imigração da Ucrânia! Lógico que levou mais tempo do que o normal, três agentes, algumas conferidas no passaporte e algumas perguntas até me deixarem passar. Mas a imigração da Hungria foi mais divertida.
São 10 minutos de trem de Tchop a Zahony, e os agentes entram no trem com suas maquininhas de checar passaporte, e vão mandando as pessoas abrirem as malas e sacolas pra ver se não tem cigarros e vodkas a mais do que o permitido. O cara olhou meu passaporte, perguntou algo aos outros sobre passaporte brasileiro, e um menino que trabalhava com eles e falava inglês disse que não havia problema algum, eles só não estavam acostumados a ver brasileiros.
Entrei na estação de Zahony pra comprar minha passagem a Budapest. A passagem custava 4.280 forints, e em Tchop eu havia trocado 15 dólares por 3000 forints. E vocês acham que tinha alguém pra trocar na estação? O banco mais perto ficava a 2 km dali, o trem pra Budapest saía em 10 minutos, e o próximo trem era só às 23h (eram 17h40).
Fui ao restaurante, a lojinha e ao snack bar tentar trocar dólares pra poder comprar a passagem, mas ninguém quis. Húngaro é uma língua impossível de entender qualquer coisa. Segundo um polonês que conheci na ida a Kiev, é uma das línguas mais particulares, em que nem a palavra 'futebol' que é a mesma em muitas línguas, é assim em húngaro.
Eu estava com a minha cara de desesperada, e a moça que trabalhava no Snack Bar começou a falar coisas que não entendi, me pegou pelo braço, me levou ao trem, conversou com o rapaz no vagão e me mandou entrar. "Unbelievable! Super sweet!", minhas primeiras impressões na Hungria foram ótimas!
Para aqueles que são tímidos, nada melhor do que viajar sozinho e enfrentar um "pepino" atrás do outro pra desenvolver todos os skills imagináveis. Ou você morre na rua – não que eu seja tímida.
Quando a mulher chegou pra me cobrar o bilhete, expliquei a ela a situação, disse que pagaria o resto em Budapest, mostrei 100 dólares, e ela me disse que daria 14.000 forints pelos 100 dólares – pelo que eu entendi. Como não conseguíamos nos entender bem, fui às cabines do lado da minha, procurando alguém que falasse inglês. Vi um menino falando no celular, perguntei se ele sabia, ele fez cara de não muito, mas eu nem dei bola, fui entrando na cabine dele e falei que só precisava que ele traduzisse pra mim. Tadinho.
Chamei a mulher, e ela não queria aceitar receber o dinheiro em Budapest. Enquanto isso, o menino ligou para um amigo perguntando a cotação do dólar. Depois de alguns minutos de discussão ele tirou 1280 forints da carteira e disse que pagaria o resto da minha passagem. Fiquei super sem jeito, perguntei se ele não tinha o suficiente pra trocar 100 dólares, e acabamos fazendo assim. A mulher tirou a luz negra dela do bolso e analisou cada milímetro da nota.
Depois disso eu só queria paz e viagens tranquilas nos próximos dias. Eu merecia.
Sentado nas próprias mãos
*Eduardo Daniel | www.twitter.com/eduardosdaniel
Tenho uma família materna grande. Minha mãe tem 15 irmãos! Meu saudoso avô Adolfo era um bugre com mistura portuguesa e minha avó Edite uma lusitana nata. É gente que gosta de se encontrar. Adora abraços, beijos e festas. As despedidas são longas e calorosas. Os reencontros marcados por braços estendidos ao máximo.
O Souza que herdei no nome e o Fernandes que carrego apenas no sangue não foram tão fortes para moldar parte importante de meu caráter quanto meu lado italiano Daniel, Favarin e Castelan. Ao contrário da parte materna, sempre fui introspectivo, com uma timidez acentuada e exagerada na infância.
Fugia dos afagos das tias e das primas mais velhas como o cavalo indomado foge da sela. Assim como as alcunhas pegam naqueles que a detestam, elas beijavam-me com muito mais afinco. Na sinceridade infantil, eu limpava o rosto da marca dos batons.
Os primeiros verões de minha vida foram na casa desses meus avôs, no Balneário Arroio do Silva, no extremo Sul de Santa Catarina. A residência ficava à beira-mar, separada pelo oceano pela faixa de areia da praia. A entrada era por trás e se chegava até ela após vencer um labirinto de ruas iguais umas às outras. Meu pai costumeiramente se perdia e a culpa caia para cima de minha pobre mãe, que com a paciência típica de sua família, ouvia calada os impropérios do seu Hugo.
A casa, de madeira, era recheada de quartos, beliches e sofás. Todos da família passavam ao menos alguns dias do verão ali. Nem os corredores escapavam da tarefa de servir de dormitório, com cortinas fazendo o papel de paredes e portas. Meu pai nos deixava lá – eu, minha irmã e minha mãe – e voltava para Tubarão. Alguém, desde que o mundo é mundo, tem que trabalhar para os outros vadiarem.
Dentro de casa eu era calado como uma pedra. Distraia-me apenas na rua, brincando com os primos e vizinhos e derretendo-me como todos os outros por uma vizinha uns dez anos mais velha. Guardo ainda na memória e no balcão da estante de minha biblioteca quatro dinossauros com peças de madeira imitando ossos, comprados em Arroio do Silva. Lembro também de um tombo. Dava uma de equilibrista até ser atrapalhado por uma corda de varal e cair de perna aberta no muro de salpico. Ralei do joelho à altura da virilha.
Com a minha extrema timidez criei algumas características peculiares. Uma delas era minha concentração com meus bonecos de Comandos em Ação. Brincava por horas a fio com os pensamentos em outro mundo. A outra marca lembrada até hoje nos traumatizantes e enormes encontros de família era a minha forma de sentar no sofá em minhas próprias mãos.
Curiosamente, já no carro a caminho de casa, sofria uma metamorfose e tornava-me outra criança. Tagarelava o tempo todo e contava tudo o que tinha acontecido naqueles dias.
Em tempo, no dicionário, um tímido é aquele “que tem temor; assustado, medroso, receoso, sem coragem. Que não tem desembaraço; acanhado. Incerto, débil, dúbio, fraco". Timidez no “mata-burro” é “acanhamento excessivo, fraqueza de ânimo".
Era pra ser com alegria, mas é com profundo desconforto que descobri que o meu Grêmio no Campeonato Brasileiro deste ano tem algo incrivelmente em comum com a minha infância: é desesperadamente tímido.
Se em casa o time é imbatível – dois empates e sete vitórias – fora, os números são um antônimo desanimador: dois empates e sete derrotas. O Grêmio precisa procurar um psicólogo para perder essa timidez.
O Tricolor Gaúcho tem dois caminhos: ou se torna mais solto fora de casa para almejar uma recompensa no campeonato ou segue sentado nas próprias mãos, assistindo introspectivo os outros jogarem futebol.
No domingo, o Grêmio recebe o Flamengo, em Porto Alegre.
Tenho uma família materna grande. Minha mãe tem 15 irmãos! Meu saudoso avô Adolfo era um bugre com mistura portuguesa e minha avó Edite uma lusitana nata. É gente que gosta de se encontrar. Adora abraços, beijos e festas. As despedidas são longas e calorosas. Os reencontros marcados por braços estendidos ao máximo.
O Souza que herdei no nome e o Fernandes que carrego apenas no sangue não foram tão fortes para moldar parte importante de meu caráter quanto meu lado italiano Daniel, Favarin e Castelan. Ao contrário da parte materna, sempre fui introspectivo, com uma timidez acentuada e exagerada na infância.
Fugia dos afagos das tias e das primas mais velhas como o cavalo indomado foge da sela. Assim como as alcunhas pegam naqueles que a detestam, elas beijavam-me com muito mais afinco. Na sinceridade infantil, eu limpava o rosto da marca dos batons.
Os primeiros verões de minha vida foram na casa desses meus avôs, no Balneário Arroio do Silva, no extremo Sul de Santa Catarina. A residência ficava à beira-mar, separada pelo oceano pela faixa de areia da praia. A entrada era por trás e se chegava até ela após vencer um labirinto de ruas iguais umas às outras. Meu pai costumeiramente se perdia e a culpa caia para cima de minha pobre mãe, que com a paciência típica de sua família, ouvia calada os impropérios do seu Hugo.
A casa, de madeira, era recheada de quartos, beliches e sofás. Todos da família passavam ao menos alguns dias do verão ali. Nem os corredores escapavam da tarefa de servir de dormitório, com cortinas fazendo o papel de paredes e portas. Meu pai nos deixava lá – eu, minha irmã e minha mãe – e voltava para Tubarão. Alguém, desde que o mundo é mundo, tem que trabalhar para os outros vadiarem.
Dentro de casa eu era calado como uma pedra. Distraia-me apenas na rua, brincando com os primos e vizinhos e derretendo-me como todos os outros por uma vizinha uns dez anos mais velha. Guardo ainda na memória e no balcão da estante de minha biblioteca quatro dinossauros com peças de madeira imitando ossos, comprados em Arroio do Silva. Lembro também de um tombo. Dava uma de equilibrista até ser atrapalhado por uma corda de varal e cair de perna aberta no muro de salpico. Ralei do joelho à altura da virilha.
Com a minha extrema timidez criei algumas características peculiares. Uma delas era minha concentração com meus bonecos de Comandos em Ação. Brincava por horas a fio com os pensamentos em outro mundo. A outra marca lembrada até hoje nos traumatizantes e enormes encontros de família era a minha forma de sentar no sofá em minhas próprias mãos.
Curiosamente, já no carro a caminho de casa, sofria uma metamorfose e tornava-me outra criança. Tagarelava o tempo todo e contava tudo o que tinha acontecido naqueles dias.
Em tempo, no dicionário, um tímido é aquele “que tem temor; assustado, medroso, receoso, sem coragem. Que não tem desembaraço; acanhado. Incerto, débil, dúbio, fraco". Timidez no “mata-burro” é “acanhamento excessivo, fraqueza de ânimo".
Era pra ser com alegria, mas é com profundo desconforto que descobri que o meu Grêmio no Campeonato Brasileiro deste ano tem algo incrivelmente em comum com a minha infância: é desesperadamente tímido.
Se em casa o time é imbatível – dois empates e sete vitórias – fora, os números são um antônimo desanimador: dois empates e sete derrotas. O Grêmio precisa procurar um psicólogo para perder essa timidez.
O Tricolor Gaúcho tem dois caminhos: ou se torna mais solto fora de casa para almejar uma recompensa no campeonato ou segue sentado nas próprias mãos, assistindo introspectivo os outros jogarem futebol.
No domingo, o Grêmio recebe o Flamengo, em Porto Alegre.
segunda-feira, agosto 10, 2009
Quitandas e a volta aos tempos românticos
*Thiago Schwartz | www.twitter.com/perereco
Há mais ou menos dois meses, abriu na esquina da rua de casa uma quitanda. Sim, uma quitanda.
Um espaço bastante restrito, onde disputavam espaço as verduras, as frutas, os legumes, as garrafas de melado, a água, os mantimentos e o carvão. Basicamente isso. E um balcão, cheio de balas, que faz sucesso entre a garotada ali do bairro. As frutas, mirradas, não têm condição de fazer frente às grandes e bonitas frutas do supermercado. Mas todas carregam uma espécie de orgulho, próprio daqueles que se recusam a fazer parte disso tudo, em nome da tradição da quitanda.
Por volta das 18 horas, o dono da quitanda coloca algumas mesas de plástico na varandinha, para receber os senhores que estão por vir. É a transfiguração da quitanda. Senhores de meia-idade – alguns já na terceira – iniciam uma procissão casa-boteco e, uma vez lá, tem início o ritual sagrado, realizado diariamente: Pedem um aperitivo (quase sempre amendoim, por ser mais barato), uma cerveja, e começam a discutir os assuntos mais importantes do cotidiano.
Futebol, coisas do passado e futebol do passado. Quase sempre a conversa gira em torno disso. Sobre como os tempos antigos eram melhores que os de agora. É fácil ver lágrimas nos olhos de um senhor ao falar dos tempos de FerroLuz. Aquilo sim era clássico, não o Flamengo x Corinthians sofrível que passou na televisão domingo.
A quitanda que abriu na esquina da minha rua é uma espécie de portal. A vontade das pessoas que frequentam a quitanda fez com que o tempo lá corresse numa velocidade diferente do resto do mundo. Os rostos envelhecem, os corpos minguam, as línguas tropeçam – algumas por força do excesso –, mas o romance dos tempos idos, tão bem lembrados por Cartola, continua lá, somente à espera de alguém que o reviva.
Há mais ou menos dois meses, abriu na esquina da rua de casa uma quitanda. Sim, uma quitanda.
Um espaço bastante restrito, onde disputavam espaço as verduras, as frutas, os legumes, as garrafas de melado, a água, os mantimentos e o carvão. Basicamente isso. E um balcão, cheio de balas, que faz sucesso entre a garotada ali do bairro. As frutas, mirradas, não têm condição de fazer frente às grandes e bonitas frutas do supermercado. Mas todas carregam uma espécie de orgulho, próprio daqueles que se recusam a fazer parte disso tudo, em nome da tradição da quitanda.
Por volta das 18 horas, o dono da quitanda coloca algumas mesas de plástico na varandinha, para receber os senhores que estão por vir. É a transfiguração da quitanda. Senhores de meia-idade – alguns já na terceira – iniciam uma procissão casa-boteco e, uma vez lá, tem início o ritual sagrado, realizado diariamente: Pedem um aperitivo (quase sempre amendoim, por ser mais barato), uma cerveja, e começam a discutir os assuntos mais importantes do cotidiano.
Futebol, coisas do passado e futebol do passado. Quase sempre a conversa gira em torno disso. Sobre como os tempos antigos eram melhores que os de agora. É fácil ver lágrimas nos olhos de um senhor ao falar dos tempos de FerroLuz. Aquilo sim era clássico, não o Flamengo x Corinthians sofrível que passou na televisão domingo.
A quitanda que abriu na esquina da minha rua é uma espécie de portal. A vontade das pessoas que frequentam a quitanda fez com que o tempo lá corresse numa velocidade diferente do resto do mundo. Os rostos envelhecem, os corpos minguam, as línguas tropeçam – algumas por força do excesso –, mas o romance dos tempos idos, tão bem lembrados por Cartola, continua lá, somente à espera de alguém que o reviva.
domingo, agosto 09, 2009
Notícias de sempre
*Anderson Paes | www.twitter.com/andersonpaes
Aqueles jornais das sete da noite são iguais em todos os lugares? Lembro dos cliques no controle remoto de quando passei por Recife, Curitiba e Rio de Janeiro; e os telejornais locais, que chegam de Florianópolis ou Criciúma, seguem modelos parecidos: muito acidente de trânsito, polícia, sangue e um pouco de “variedades”.
Aqui parece que não existem notícias regionais que façam a diferença no horário. Uma vez ou outra que aparecem assuntos diferentes – sem contar a gripe. Porém, são raras as matérias sobre a economia e a política estadual. Não que a política catarinense seja das mais interessantes, mas alguma coisa importante aqueles deputados devem fazer – ou não?
A questão é que os jornais da tevê, desse horário, parecem apenas divulgar uma ou outra notícia curta – há uma rotina noticiosa. Talvez pelo pouco tempo, não sobre espaço para comentários inteligentes e oportunos. Só apresentações com uma entonação forçada. Mas se o motivo fosse mesmo o tempo, os jornais que passam ao meio-dia, e duram mais, seriam melhores.
Na economia, poderiam nos contar das relações de Santa Catarina com os Estados vizinhos; os tratados e acordos que os últimos governadores tanto assinaram em viagens variadas; além do que se vê sobre a exportação de frango – será essa a única atividade que vira notícia em SC?
Pouco também da cultura diversificada dessa terra. Quase não se sabe das regiões Oeste e Meio-Oeste aqui no Sul do Estado. Quase não se sabe de nada com esses jornais.
Como escreveu Hunter S. Thompson certa vez: “tenha cuidado, não preste atenção no noticiário, mantenha-se puro”. Melhor buscar as notícias daqui e as boas histórias na internet ou num bom jornal impresso – caso encontre algum.
Aqueles jornais das sete da noite são iguais em todos os lugares? Lembro dos cliques no controle remoto de quando passei por Recife, Curitiba e Rio de Janeiro; e os telejornais locais, que chegam de Florianópolis ou Criciúma, seguem modelos parecidos: muito acidente de trânsito, polícia, sangue e um pouco de “variedades”.
Aqui parece que não existem notícias regionais que façam a diferença no horário. Uma vez ou outra que aparecem assuntos diferentes – sem contar a gripe. Porém, são raras as matérias sobre a economia e a política estadual. Não que a política catarinense seja das mais interessantes, mas alguma coisa importante aqueles deputados devem fazer – ou não?
A questão é que os jornais da tevê, desse horário, parecem apenas divulgar uma ou outra notícia curta – há uma rotina noticiosa. Talvez pelo pouco tempo, não sobre espaço para comentários inteligentes e oportunos. Só apresentações com uma entonação forçada. Mas se o motivo fosse mesmo o tempo, os jornais que passam ao meio-dia, e duram mais, seriam melhores.
Na economia, poderiam nos contar das relações de Santa Catarina com os Estados vizinhos; os tratados e acordos que os últimos governadores tanto assinaram em viagens variadas; além do que se vê sobre a exportação de frango – será essa a única atividade que vira notícia em SC?
Pouco também da cultura diversificada dessa terra. Quase não se sabe das regiões Oeste e Meio-Oeste aqui no Sul do Estado. Quase não se sabe de nada com esses jornais.
Como escreveu Hunter S. Thompson certa vez: “tenha cuidado, não preste atenção no noticiário, mantenha-se puro”. Melhor buscar as notícias daqui e as boas histórias na internet ou num bom jornal impresso – caso encontre algum.
sábado, agosto 08, 2009
Beijinho, beijinho; pau, pau
*Eduardo Daniel | www.twitter.com/eduardosdaniel
Alguém já pensou como seriam as eleições se a gripe suína resolvesse atacar na sua época? Como os candidatos iriam se virar sem os beijinhos e abraços para conquistar votos? Tem político beijoqueiro que estaria em maus lençóis...
Alguém já pensou como seriam as eleições se a gripe suína resolvesse atacar na sua época? Como os candidatos iriam se virar sem os beijinhos e abraços para conquistar votos? Tem político beijoqueiro que estaria em maus lençóis...
Envelhecemos, Ronaldo
*Eduardo Daniel | www.twitter.com/eduardosdaniel
Foi em Brusque, cidade catarinense localizada no Vale do Itajaí, distante 218 quilômetros da minha Tubarão, ao Sul do Estado, durante uma curta viagem a serviço, que eu tive a inadiável constatação: estou ficando velho.
Eram os primeiros meses do ano e aquele sol de verão contra meu rosto que refletia no espelho do banheiro de um shopping me pregou uma peça:
– Quem plantou estes pinheiros cobertos de neve em minhas frontes? Quantos cabelos brancos!
Embora este início pareça um fútil comercial de pintura capilar, o assunto é mais sério e acredite: se você não passou, vai passar por isso.
Sempre achei que eu aparentava ter menos idade do que registra impiedosamente meus documentos. Aquela descoberta que me fez conferir por mais duas vezes cada lado da minha grande cabeça, mostrou que a natureza veio cobrar rápido o que demorou pra exigir antes.
Aos trinta anos, parece que a areia da ampulheta se tornou mais fina.
De lá para cá foram dois ouvidos inflamados (coisa que nunca tive), uma micro-cirurgia para retirada de um cisto-sebáceo com biopsia (quadro histopatológico compatível com epitelioma calcificante de malherbe (pilomatrima)), uma suspeita de infarto com um eletrocardiograma (distúrbio da condução em ramo direito e alteração da repolarização ventricular em parede inferior), uma ressonância magnética, que detectou um início de hérnia de disco (sinais de degeneração no disco de D10-D11, com desidratação; abaulamento de redução de altura e degeneração gordurosa focal no corpo vertebral de L2). Sem contabilizar um tratamento contra minha fiel acompanhante enxaqueca, que se estende por mais de um ano e deve se prolongar por meses infindáveis.
Como de costume e por não restar outra alternativa, escrevo a noite, antes de dormir. Logo a dor nas costas vai me tirar da cama antes do despertador tocar. Coisa de velho.
Quando menos esperamos, lê-se nos obituários e nas notícias de jornais, sobre a morte de gente com uma idade próxima da nossa, sem que isso provoque comoção. Começamos a ser atendidos por médicos da nossa faixa etária, sem que nos admiremos com a sua precocidade.
Ainda lembro quando o Ronaldo, ainda Ronaldinho, mais dentuço, muito mais magrinho, apareceu no Cruzeiro. O primeiro craque que, com apenas dois anos há mais que eu, vi arrebentar. Eu tinha 15 e ele 17.
Quem com pelo menos 30 anos não lembra quando Ronaldinho aproveitou o descuido do experiente goleiro Rodolfo Rodrigues, do Bahia, e numa travessura com requinte de gênio, escondeu-se atrás do arqueiro, que ajoelhado de frente para a trave, largou a bola? Milésimos de segundos foram necessários para o menino dar um toque na gorduchinha e marcar uns dos cinco naquela vitória do Cruzeiro.
Depois veio a Europa no PSV Eindhoven, Barcelona, Internazionale, Real Madrid e Milan, até o retorno ao Brasil no Corinthians. Sem contar as Copas do Mundo, de 94, que não entrou em campo, de 98 que teve problemas na final, a de 2002 que brilhou e a de 2006, apagado como todo o resto da Seleção Brasileira.
Todos aqueles bons momentos passaram. Ronaldo está ficando velho e me levando junto (no bom sentido).
Ronaldo já passou por quatro cirurgias nos joelhos e mais recentemente implantou placas nos metacarpos e 12 pinos na mão esquerda para corrigir uma fratura. Aproveitou e já retirou 700 mililitros de gordura da região da barriga (semelhante a minha) em uma lipoaspiração.
Quando os meninos que se tornam heróis ao mesmo tempo em que ganhamos os primeiros pelos de barba, envelhecem, é sinal de que não somos tão imortais quanto acreditávamos que fôssemos.
Foi em Brusque, cidade catarinense localizada no Vale do Itajaí, distante 218 quilômetros da minha Tubarão, ao Sul do Estado, durante uma curta viagem a serviço, que eu tive a inadiável constatação: estou ficando velho.
Eram os primeiros meses do ano e aquele sol de verão contra meu rosto que refletia no espelho do banheiro de um shopping me pregou uma peça:
– Quem plantou estes pinheiros cobertos de neve em minhas frontes? Quantos cabelos brancos!
Embora este início pareça um fútil comercial de pintura capilar, o assunto é mais sério e acredite: se você não passou, vai passar por isso.
Sempre achei que eu aparentava ter menos idade do que registra impiedosamente meus documentos. Aquela descoberta que me fez conferir por mais duas vezes cada lado da minha grande cabeça, mostrou que a natureza veio cobrar rápido o que demorou pra exigir antes.
Aos trinta anos, parece que a areia da ampulheta se tornou mais fina.
De lá para cá foram dois ouvidos inflamados (coisa que nunca tive), uma micro-cirurgia para retirada de um cisto-sebáceo com biopsia (quadro histopatológico compatível com epitelioma calcificante de malherbe (pilomatrima)), uma suspeita de infarto com um eletrocardiograma (distúrbio da condução em ramo direito e alteração da repolarização ventricular em parede inferior), uma ressonância magnética, que detectou um início de hérnia de disco (sinais de degeneração no disco de D10-D11, com desidratação; abaulamento de redução de altura e degeneração gordurosa focal no corpo vertebral de L2). Sem contabilizar um tratamento contra minha fiel acompanhante enxaqueca, que se estende por mais de um ano e deve se prolongar por meses infindáveis.
Como de costume e por não restar outra alternativa, escrevo a noite, antes de dormir. Logo a dor nas costas vai me tirar da cama antes do despertador tocar. Coisa de velho.
Quando menos esperamos, lê-se nos obituários e nas notícias de jornais, sobre a morte de gente com uma idade próxima da nossa, sem que isso provoque comoção. Começamos a ser atendidos por médicos da nossa faixa etária, sem que nos admiremos com a sua precocidade.
Ainda lembro quando o Ronaldo, ainda Ronaldinho, mais dentuço, muito mais magrinho, apareceu no Cruzeiro. O primeiro craque que, com apenas dois anos há mais que eu, vi arrebentar. Eu tinha 15 e ele 17.
Quem com pelo menos 30 anos não lembra quando Ronaldinho aproveitou o descuido do experiente goleiro Rodolfo Rodrigues, do Bahia, e numa travessura com requinte de gênio, escondeu-se atrás do arqueiro, que ajoelhado de frente para a trave, largou a bola? Milésimos de segundos foram necessários para o menino dar um toque na gorduchinha e marcar uns dos cinco naquela vitória do Cruzeiro.
Depois veio a Europa no PSV Eindhoven, Barcelona, Internazionale, Real Madrid e Milan, até o retorno ao Brasil no Corinthians. Sem contar as Copas do Mundo, de 94, que não entrou em campo, de 98 que teve problemas na final, a de 2002 que brilhou e a de 2006, apagado como todo o resto da Seleção Brasileira.
Todos aqueles bons momentos passaram. Ronaldo está ficando velho e me levando junto (no bom sentido).
Ronaldo já passou por quatro cirurgias nos joelhos e mais recentemente implantou placas nos metacarpos e 12 pinos na mão esquerda para corrigir uma fratura. Aproveitou e já retirou 700 mililitros de gordura da região da barriga (semelhante a minha) em uma lipoaspiração.
Quando os meninos que se tornam heróis ao mesmo tempo em que ganhamos os primeiros pelos de barba, envelhecem, é sinal de que não somos tão imortais quanto acreditávamos que fôssemos.
sexta-feira, agosto 07, 2009
Feito formigas em dia de chuva
*Anderson Paes | www.twitter.com/andersonpaes
O silencio das noites de uma cidade pequena, a escuridão quebrada por um distante semáforo a piscar pode se repetir nas outras noites desta segunda semana de agosto. Durante o dia, a movimentada Avenida Marcolino Martins Cabral, no centro de Tubarão (SC), perde alguns de seus carros barulhentos e mostra seu asfalto.
A cidade não parou completamente, mas a decisão da governo municipal de suspender as aulas nas escolas públicas fez com que outras entidades particulares tomassem a mesma atitude.
Um basta na coletividade, nos cumprimentos calorosos, na preguiça de lavar as mãos. O medo real e concreto fez mudar algumas atitudes sociais. E apesar de ouvir por aí que a nova gripe mata tanto quanto a velha conhecida, as pessoas estão desconfiadas com tantos números e más notícias repetidas.
Aqui em Tubarão, cidade com menos de 100 mil habitantes, já são mais de 100 casos suspeitos, alguns confirmados – inclusive uma morte –, e outros ocultos. Sim, existem casos ocultos nessa história de pandemia. Para evitar o pânico. Afinal, gente em pânico é como uma decisão unânime do Congresso: irracional.
Nos dois hospitais da cidade e numa outra clínica particular, as pessoas recorreram à máscara. Trocam olhares desconfiados, tossem disfarçadamente. Até nos elevadores, nos prédios residenciais, parecem todos agitados, com pressa – feito formigas em dia de chuva. O medo tomou conta. Fez meio mundo parar e está nos olhares.
E a chuva, que de longe assustava, chegou.
O silencio das noites de uma cidade pequena, a escuridão quebrada por um distante semáforo a piscar pode se repetir nas outras noites desta segunda semana de agosto. Durante o dia, a movimentada Avenida Marcolino Martins Cabral, no centro de Tubarão (SC), perde alguns de seus carros barulhentos e mostra seu asfalto.
A cidade não parou completamente, mas a decisão da governo municipal de suspender as aulas nas escolas públicas fez com que outras entidades particulares tomassem a mesma atitude.
Um basta na coletividade, nos cumprimentos calorosos, na preguiça de lavar as mãos. O medo real e concreto fez mudar algumas atitudes sociais. E apesar de ouvir por aí que a nova gripe mata tanto quanto a velha conhecida, as pessoas estão desconfiadas com tantos números e más notícias repetidas.
Aqui em Tubarão, cidade com menos de 100 mil habitantes, já são mais de 100 casos suspeitos, alguns confirmados – inclusive uma morte –, e outros ocultos. Sim, existem casos ocultos nessa história de pandemia. Para evitar o pânico. Afinal, gente em pânico é como uma decisão unânime do Congresso: irracional.
Nos dois hospitais da cidade e numa outra clínica particular, as pessoas recorreram à máscara. Trocam olhares desconfiados, tossem disfarçadamente. Até nos elevadores, nos prédios residenciais, parecem todos agitados, com pressa – feito formigas em dia de chuva. O medo tomou conta. Fez meio mundo parar e está nos olhares.
E a chuva, que de longe assustava, chegou.
quinta-feira, agosto 06, 2009
América Latina e outro continente a sua escolha
*Anderson Paes | www.twitter.com/andersonpaes
Nos dias de chuva ou quando todos tinham vontade, alguns amigos se reuniam e continuavam uma partida de War, que começaram havia um certo tempo. Resolveram deixar os objetivos das cartas de lado e tentar dominar o mundo – mesmo sabendo que o jogo se tornaria quase interminável. Mas estavam de férias, então continuaram.
No sorteio das cartas ele havia tirado “América Latina e outro continente a sua escolha”, mas com a decisão de conquistar o mundo todo, fez pouco caso e jogou. Num lance de dados, tio Sam começa a avançar para o sul do Caribe. Era a parte que faltava para sua estratégia, pois não há mais perigo de reação do velho Kremlin – agora roncando – com suas poucas peças na Ásia.
A Europa, depois de anos lutando contra os dados que eram jogados por lá, se rebelou e acumulou peças, conquistou parte da África e hoje vive sem grandes objetivos nesse tabuleiro. Quase o mundo todo já foi vencido, pelas armas ou pelos ideais e culturas. Até a China se deixou invadir.
De vez em quando ainda se ouve reações de pequenos exércitos querendo lançar seus dados contra o sempre atento e hiperativo tio Sam. Batem na mesa e jogam sem saber que logo perderão suas últimas pedras coloridas.
A entrada do exército do Norte no território sul americano, ao que tudo indica – depois de algumas rodadas –, será pelos Andes. Ali perto, um último combatente ameaça contra-atacar. Huguito, como é chamado pelos amigos da mesa – com seu sorriso sarcástico estampado na cara –, vive reclamando das novas regras do jogo e ainda pensa em liderar a América do Sul. Os demais jogadores parecem aceitar a vitória e querem apenas cuidar do que têm, travando pequenas batalhas regionais – para que os jogadores mais exaltados não queiram acabar com o tabuleiro e recomeçar a partida.
Quando o clima começa a esquentar, a mãe de Europa, Terra, traz um lanche e suco para acalmar os jogadores. Ainda assim, de vez em quando, discutem. Foi o que aconteceu com um velho amigo chamado Hussein, que brigou com todo mundo e quase partiu para a agressão – acabou mandado embora pelos outros colegas, antes que a coisa piorasse. Depois de momentos assim, os amigos deixam o tabuleiro de lado e vão brincar com seus foguetes de água, nadar, contar piadas, jogar bola – chamam de Olimpíadas.
Dia desses, Terra chegou em casa dizendo que tinha pouca coisa para oferecer e que estava em crise. Os jogadores ficaram desanimados e resolveram ajudá-la nas tarefas do lar. “Depois a gente termina, vamos brincar”, chamou um dos mais novos jogadores, Luís.
Luís não parecia muito preocupado. “É só um jogo!”, repetia – tentando controlar seus amigos, os irmãos Álvaro e Huguito, que haviam discutido dias antes quando um quis atacar o território do outro. Álvaro, que controlava os Andes e perdeu nos dados para o tio Sam, chamou Luís para uma conversa – estava preocupado com as reações nervosas do irmão.
Sorridente e não compreendendo bem o espanhol do colega andino, Luís tratou de acalmar a todos contando que havia encontrado algo interessante em seu quintal. Tio Sam disfarçou, como se deixasse o assunto com Álvaro esfriar, e foi logo conversar com Luís. Ofereceu uns brinquedos em troca do novo achado e estão até agora conversando.
Qualquer dia eles voltam para o tabuleiro.
Nos dias de chuva ou quando todos tinham vontade, alguns amigos se reuniam e continuavam uma partida de War, que começaram havia um certo tempo. Resolveram deixar os objetivos das cartas de lado e tentar dominar o mundo – mesmo sabendo que o jogo se tornaria quase interminável. Mas estavam de férias, então continuaram.
No sorteio das cartas ele havia tirado “América Latina e outro continente a sua escolha”, mas com a decisão de conquistar o mundo todo, fez pouco caso e jogou. Num lance de dados, tio Sam começa a avançar para o sul do Caribe. Era a parte que faltava para sua estratégia, pois não há mais perigo de reação do velho Kremlin – agora roncando – com suas poucas peças na Ásia.
A Europa, depois de anos lutando contra os dados que eram jogados por lá, se rebelou e acumulou peças, conquistou parte da África e hoje vive sem grandes objetivos nesse tabuleiro. Quase o mundo todo já foi vencido, pelas armas ou pelos ideais e culturas. Até a China se deixou invadir.
De vez em quando ainda se ouve reações de pequenos exércitos querendo lançar seus dados contra o sempre atento e hiperativo tio Sam. Batem na mesa e jogam sem saber que logo perderão suas últimas pedras coloridas.
A entrada do exército do Norte no território sul americano, ao que tudo indica – depois de algumas rodadas –, será pelos Andes. Ali perto, um último combatente ameaça contra-atacar. Huguito, como é chamado pelos amigos da mesa – com seu sorriso sarcástico estampado na cara –, vive reclamando das novas regras do jogo e ainda pensa em liderar a América do Sul. Os demais jogadores parecem aceitar a vitória e querem apenas cuidar do que têm, travando pequenas batalhas regionais – para que os jogadores mais exaltados não queiram acabar com o tabuleiro e recomeçar a partida.
Quando o clima começa a esquentar, a mãe de Europa, Terra, traz um lanche e suco para acalmar os jogadores. Ainda assim, de vez em quando, discutem. Foi o que aconteceu com um velho amigo chamado Hussein, que brigou com todo mundo e quase partiu para a agressão – acabou mandado embora pelos outros colegas, antes que a coisa piorasse. Depois de momentos assim, os amigos deixam o tabuleiro de lado e vão brincar com seus foguetes de água, nadar, contar piadas, jogar bola – chamam de Olimpíadas.
Dia desses, Terra chegou em casa dizendo que tinha pouca coisa para oferecer e que estava em crise. Os jogadores ficaram desanimados e resolveram ajudá-la nas tarefas do lar. “Depois a gente termina, vamos brincar”, chamou um dos mais novos jogadores, Luís.
Luís não parecia muito preocupado. “É só um jogo!”, repetia – tentando controlar seus amigos, os irmãos Álvaro e Huguito, que haviam discutido dias antes quando um quis atacar o território do outro. Álvaro, que controlava os Andes e perdeu nos dados para o tio Sam, chamou Luís para uma conversa – estava preocupado com as reações nervosas do irmão.
Sorridente e não compreendendo bem o espanhol do colega andino, Luís tratou de acalmar a todos contando que havia encontrado algo interessante em seu quintal. Tio Sam disfarçou, como se deixasse o assunto com Álvaro esfriar, e foi logo conversar com Luís. Ofereceu uns brinquedos em troca do novo achado e estão até agora conversando.
Qualquer dia eles voltam para o tabuleiro.
quarta-feira, agosto 05, 2009
Uma fatia de pizza e uma Coca de garrafinha
*Eduardo Daniel | www.twitter.com/eduardosdaniel
Meu paladar infantil guarda na memória um sabor inigualável: a pizza do antigo Angeloni, na margem direita, em Tubarão, no Sul de Santa Catarina. A rede de supermercados fundada na vizinha Criciúma abriu esta filial no dia 24 de agosto de 1972. Atualmente no local da loja existe um grande terreno vazio.
É muito viva a lembrança do mercado, antes de sua reforma que tirou o traçado original. Um grande pátio servia de estacionamento a céu aberto. O nome ficava acima da fachada, gravado em oito quadrados de pedra. Pequenas palmeiras nos recebiam na rampa e escada que convergiam para a porta principal.
Para chegarmos à lanchonete, pegávamos à esquerda. O ambiente em forma de meia lua deixava os clientes de costas para o corredor que fazia fronteira com as janelas, que abriam para fora, na vertical. O balcão acompanhava o formato arredondado e as banquetas davam o ar característico dos anos 80. Quem assistiu ao De Volta para o Futuro 1 que se imagine naquela lanchonete para pensar na do Angeloni.
A pizza era vendida em fatias e assim como tudo o que era pedido ali, era repassado pelo atendente para a cozinha, que também com as paredes seguindo o formato da lanchonete, ficava atrás, entrecortada por meia dúzia de pequenas janelas.
Ir com meu pai comer uma fatia de pizza era quase que um ato religioso. Não existia outra escolha: mussarela e uma Coca-Cola, de vidro, que são as melhores. Para mim nunca mais assaram uma pizza como aquela. A massa bem sequinha, o recheio caprichado. A temperatura ideal e a Coca bem gelada.
Colocando aquele mundo e o de hoje frente a frente, é possível entender a escassez de variedades como o motivo principal de minha fixação por aquela pizza. No meu reduzido universo só existia aquela.
E o mundo era muito melhor apenas com aquela fatia de pizza de mussarela e uma garrafinha de Coca-Cola.
Hoje em cada esquina se vê uma pizzaria. E o que é mais escandaloso em matéria de fartura: são rodízios! O sujeito se esbalda até não poder mais. Além dos sabores tradicionais os pizzaiolos criam e recriam novas composições. E a comodidade de uma pizza em casa, com uma Coca-Cola, pasmem, de três litros?
Dá saudades daquela simplicidade, daquela necessidade. Hoje ao sentar descompromissado para encarar a tela em branco do programa de texto, depois de visitar o endereço eletrônico de um conglomerado das comunicações, um título, infelizmente esperado, salta aos olhos:
Como se vê, os políticos também se esbaldam com a oferta gigantesca de pizza e as novidades da pizzaria mais famosa do Brasil começaram a sair do forno nesta quarta-feira.
Bom apetite e uma bela indigestão!
Meu paladar infantil guarda na memória um sabor inigualável: a pizza do antigo Angeloni, na margem direita, em Tubarão, no Sul de Santa Catarina. A rede de supermercados fundada na vizinha Criciúma abriu esta filial no dia 24 de agosto de 1972. Atualmente no local da loja existe um grande terreno vazio.
É muito viva a lembrança do mercado, antes de sua reforma que tirou o traçado original. Um grande pátio servia de estacionamento a céu aberto. O nome ficava acima da fachada, gravado em oito quadrados de pedra. Pequenas palmeiras nos recebiam na rampa e escada que convergiam para a porta principal.
Para chegarmos à lanchonete, pegávamos à esquerda. O ambiente em forma de meia lua deixava os clientes de costas para o corredor que fazia fronteira com as janelas, que abriam para fora, na vertical. O balcão acompanhava o formato arredondado e as banquetas davam o ar característico dos anos 80. Quem assistiu ao De Volta para o Futuro 1 que se imagine naquela lanchonete para pensar na do Angeloni.
A pizza era vendida em fatias e assim como tudo o que era pedido ali, era repassado pelo atendente para a cozinha, que também com as paredes seguindo o formato da lanchonete, ficava atrás, entrecortada por meia dúzia de pequenas janelas.
Ir com meu pai comer uma fatia de pizza era quase que um ato religioso. Não existia outra escolha: mussarela e uma Coca-Cola, de vidro, que são as melhores. Para mim nunca mais assaram uma pizza como aquela. A massa bem sequinha, o recheio caprichado. A temperatura ideal e a Coca bem gelada.
Colocando aquele mundo e o de hoje frente a frente, é possível entender a escassez de variedades como o motivo principal de minha fixação por aquela pizza. No meu reduzido universo só existia aquela.
E o mundo era muito melhor apenas com aquela fatia de pizza de mussarela e uma garrafinha de Coca-Cola.
Hoje em cada esquina se vê uma pizzaria. E o que é mais escandaloso em matéria de fartura: são rodízios! O sujeito se esbalda até não poder mais. Além dos sabores tradicionais os pizzaiolos criam e recriam novas composições. E a comodidade de uma pizza em casa, com uma Coca-Cola, pasmem, de três litros?
Dá saudades daquela simplicidade, daquela necessidade. Hoje ao sentar descompromissado para encarar a tela em branco do programa de texto, depois de visitar o endereço eletrônico de um conglomerado das comunicações, um título, infelizmente esperado, salta aos olhos:
“Presidente do Conselho de Ética arquiva ações contra Sarney e Renan” e segue com uma linha de apoio: “Paulo Duque (PMDB-RJ) alegou falta de evidências para abrir investigação. Presidente do Senado ainda responde a outras sete medidas no colegiado”.
Como se vê, os políticos também se esbaldam com a oferta gigantesca de pizza e as novidades da pizzaria mais famosa do Brasil começaram a sair do forno nesta quarta-feira.
Bom apetite e uma bela indigestão!
segunda-feira, agosto 03, 2009
O frio e a febre
*Eduardo Daniel | www.twitter.com/eduardosdaniel
Naquela noite fez um frio dos infernos. O ar gelado penetrava nas entranhas e as extremidades do corpo ameaçavam se desprender como icebergs se desgarram das ilhas congeladas nos pólos da Terra.
Nos livros de geografia a Era do Gelo é descrita como um período geológico de milhares de anos atrás. Porém, posso afirmar que naquela noite de julho de 1997, o fantasma da Idade do Gelo soprou seu bafo glacial sobre Tubarão, no Sul de Santa Catarina.
Quando servi o Exército, existia na 3ª Companhia do 63º Batalhão de Infantaria, um posto de serviço para os soldados de guarda que era almejado por todos: a hípica.
A hípica nada mais era do que um grande terreno praticamente abandonado, com um estábulo imenso e um rancho que fazia às vezes de casa e guarita aos infantes. Nunca soubemos ao certo porque guardávamos aquela terra, mas o dia de guarda lá era muito mais a vontade. Acreditávamos que a companhia tinha conquistado aqueles hectares em uma batalha judicial. Como os nossos superiores sempre diziam que a curiosidade é uma característica feminina, não questionávamos sobre o assunto. Curiosamente, de "nós" os militares sempre quiseram saber tudo, tornando-se hábeis nos métodos persuasivos para obter segredos durante os anos de chumbo.
Na hípica, assim como nos outros pontos do quartel, três soldados se revezavam como guardiões “da hora”, como é conhecido o período de vigília. Enquanto um soldado tinha a missão de ficar em alerta por duas horas, os outros descansavam. Na hípica, fora dos muros da companhia, um cabo ficava com os rasos. Com uma caminhada de cinco minutos, o quarteto estava de volta à caserna.
Foi num sábado que a Antártica estendeu sobre o solo Barriga Verde o manto gelado do Período Glacial. Meu horário, desgraçadamente seria o segundo, o mais temido, fizesse frio ou calor. Na madrugada, fica das duas às quatro da manhã acordado. À noite, o infeliz assume a guarda das oito às dez. Sai do posto, faz um lanche e pode aproveitar as quatro horas de intervalo para descansar. Caí na cama por volta das onze e perto das duas o companheiro do horário anterior bate no coturno secamente:
– Acorda, tá na hora.
O coturno, aliás, no inverno, vira um refrigerador portátil para os pés. Dormir é uma verdadeira tortura. O frio sobe pelas pernas como formigas atacam um desavisado que pisa e fica em cima do formigueiro. Nem naquela noite glacial, quando juro ter visto mamutes circulando com a maior naturalidade, pudemos tirar as bota militares para dormir.
Deitei com uma gripe armando-se em meu interior gelado. Durante o sono leve e mal aproveitado, nem a febre que me atingiu esquentava meu corpo encolhido no beliche de campanha. O frio judiava, ardia.
Quando fui acordado, a impressão era a de que adormeci profundamente apenas cinco minutos antes.
Durante as duas horas em que assumi a guarda, o sono não teve coragem de me visitar. Deve ter escolhido paragens mais quentes naquela noite em que, como diz a minha mãe, o frio estava de rachar. Passei os 120 minutos de um lado para o outro dentro do rancho, enrolado em uma coberta a procura de calor. O fogo de chão não era capaz de aplacar o frio.
Quando descontei em cima do próximo guarda o que o anterior me fizera sofrer ao acordar e dormi das quatro as seis, a febre e o frio aumentaram. Os segundos duravam horas para passar.
Uma nova guarnição nos rendeu as oito, mas desde as seis e meia estávamos na rua catando raios de sol para colocar nos pés. A pele das mãos parecia que seria arrancada de tanto que as palmas eram esfregadas. Mesmo quem não fumava brincava com a fumaça que escapava involuntariamente da boca e do nariz.
Deixei o quartel pouco antes das novas horas. Do trajeto até em casa o frio e a febre devem ter congelado minha memória. Lembro muito bem do momento de tirar o coturno e libertar as duas pedras de gelo tamanho 44, trancar o banheiro, sentar no vaso e encostar os pés no aquecedor de serpentina.
Não tirei a farda. Apoiei os cotovelos nos joelhos, meti o rosto entre as palmas das mãos, tal um derrotado que esconde o choro envergonhado. No calor que derretia as calotas polares que trouxe nos bolsos, adormeci.
Nestas duas semanas que acabaram de passar, foi como se estivesse de guarda naquela noite de 12 anos atrás na hípica.
Agosto já abriu as portas do calendário. O mês mais frio e longo do ano foi embora. A folhinha de julho já está no lixo. O sol vai chegar até nossos pés congelados e ao fecharmos os olhos adormeceremos com as carícias e carinhos da estrela central do nosso sistema planetário, que mesmo a noite, nos embala em seu abraço caloroso.
Isso até reclamarmos de novo pela volta do friozinho gostoso...
Naquela noite fez um frio dos infernos. O ar gelado penetrava nas entranhas e as extremidades do corpo ameaçavam se desprender como icebergs se desgarram das ilhas congeladas nos pólos da Terra.
Nos livros de geografia a Era do Gelo é descrita como um período geológico de milhares de anos atrás. Porém, posso afirmar que naquela noite de julho de 1997, o fantasma da Idade do Gelo soprou seu bafo glacial sobre Tubarão, no Sul de Santa Catarina.
Quando servi o Exército, existia na 3ª Companhia do 63º Batalhão de Infantaria, um posto de serviço para os soldados de guarda que era almejado por todos: a hípica.
A hípica nada mais era do que um grande terreno praticamente abandonado, com um estábulo imenso e um rancho que fazia às vezes de casa e guarita aos infantes. Nunca soubemos ao certo porque guardávamos aquela terra, mas o dia de guarda lá era muito mais a vontade. Acreditávamos que a companhia tinha conquistado aqueles hectares em uma batalha judicial. Como os nossos superiores sempre diziam que a curiosidade é uma característica feminina, não questionávamos sobre o assunto. Curiosamente, de "nós" os militares sempre quiseram saber tudo, tornando-se hábeis nos métodos persuasivos para obter segredos durante os anos de chumbo.
Na hípica, assim como nos outros pontos do quartel, três soldados se revezavam como guardiões “da hora”, como é conhecido o período de vigília. Enquanto um soldado tinha a missão de ficar em alerta por duas horas, os outros descansavam. Na hípica, fora dos muros da companhia, um cabo ficava com os rasos. Com uma caminhada de cinco minutos, o quarteto estava de volta à caserna.
Foi num sábado que a Antártica estendeu sobre o solo Barriga Verde o manto gelado do Período Glacial. Meu horário, desgraçadamente seria o segundo, o mais temido, fizesse frio ou calor. Na madrugada, fica das duas às quatro da manhã acordado. À noite, o infeliz assume a guarda das oito às dez. Sai do posto, faz um lanche e pode aproveitar as quatro horas de intervalo para descansar. Caí na cama por volta das onze e perto das duas o companheiro do horário anterior bate no coturno secamente:
– Acorda, tá na hora.
O coturno, aliás, no inverno, vira um refrigerador portátil para os pés. Dormir é uma verdadeira tortura. O frio sobe pelas pernas como formigas atacam um desavisado que pisa e fica em cima do formigueiro. Nem naquela noite glacial, quando juro ter visto mamutes circulando com a maior naturalidade, pudemos tirar as bota militares para dormir.
Deitei com uma gripe armando-se em meu interior gelado. Durante o sono leve e mal aproveitado, nem a febre que me atingiu esquentava meu corpo encolhido no beliche de campanha. O frio judiava, ardia.
Quando fui acordado, a impressão era a de que adormeci profundamente apenas cinco minutos antes.
Durante as duas horas em que assumi a guarda, o sono não teve coragem de me visitar. Deve ter escolhido paragens mais quentes naquela noite em que, como diz a minha mãe, o frio estava de rachar. Passei os 120 minutos de um lado para o outro dentro do rancho, enrolado em uma coberta a procura de calor. O fogo de chão não era capaz de aplacar o frio.
Quando descontei em cima do próximo guarda o que o anterior me fizera sofrer ao acordar e dormi das quatro as seis, a febre e o frio aumentaram. Os segundos duravam horas para passar.
Uma nova guarnição nos rendeu as oito, mas desde as seis e meia estávamos na rua catando raios de sol para colocar nos pés. A pele das mãos parecia que seria arrancada de tanto que as palmas eram esfregadas. Mesmo quem não fumava brincava com a fumaça que escapava involuntariamente da boca e do nariz.
Deixei o quartel pouco antes das novas horas. Do trajeto até em casa o frio e a febre devem ter congelado minha memória. Lembro muito bem do momento de tirar o coturno e libertar as duas pedras de gelo tamanho 44, trancar o banheiro, sentar no vaso e encostar os pés no aquecedor de serpentina.
Não tirei a farda. Apoiei os cotovelos nos joelhos, meti o rosto entre as palmas das mãos, tal um derrotado que esconde o choro envergonhado. No calor que derretia as calotas polares que trouxe nos bolsos, adormeci.
Nestas duas semanas que acabaram de passar, foi como se estivesse de guarda naquela noite de 12 anos atrás na hípica.
Agosto já abriu as portas do calendário. O mês mais frio e longo do ano foi embora. A folhinha de julho já está no lixo. O sol vai chegar até nossos pés congelados e ao fecharmos os olhos adormeceremos com as carícias e carinhos da estrela central do nosso sistema planetário, que mesmo a noite, nos embala em seu abraço caloroso.
Isso até reclamarmos de novo pela volta do friozinho gostoso...
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