*Eduardo Daniel | www.twitter.com/eduardosdaniel
Não era o sol em suas horas extras nos dias que dissipavam o Inverno que anunciava a chegada da Primavera. O que sempre lembrou a chegada dos aprazíveis meses primaveris eram as bandas dos colégios do meu bairro ensaiando para o 7 de Setembro.
Em especial, todos paravam para ver a charanga da Escola Técnica Diomício Freitas, o CIP, do Bairro Santo Antonio de Pádua, em Tubarão, ao Sul de Santa Catarina. A fanfarra é regida há 22 anos por Adilson Carvalho da Costa, o Da Costa.
Da Costa é um negro de porte altivo, garboso e soberano. Tem 60 anos e sua altura não esconde seu passado. O maestro da banda do CIP é ex-goleiro do Comerciário (hoje Criciúma), do Ferroviário (de Tubarão), do Grêmio, do Internacional, do Botafogo, da Portuguesa, do Guarani e do Figueirense. Se no desfile, sempre perdemos para os colégios Dehon e São José – nunca toquei na banda, mas o CIP era a minha segunda casa – em campo, Da Costa é motivo de orgulho com seus quatro títulos estaduais: um pelo Comerciário, um pelo Figueirense, um pelo Ferroviário e outro pelo Guarani. O ex-arqueiro encerrou a carreira por conta de uma hérnia de disco.
De longe, quando a luz do dia se despedia de mansinho, o repicar das caixas com suas duas peles esticadas dando o som característico das marchas militares, a batida grave do bumbo, o coração da bateria, dependurado no peito do músico por um talabarte, repercutido em ambas as membranas por duas macetas que voavam malabaristicamente de um lado a outro, o ganido metálico dos címbalos de latão, golpeados um contra o outro deixando-se vibrar livremente, o acompanhamento exato dos metais com o trombone de vara, a tuba enrolada ao aluno como uma serpente e o canto estridente do trompete, anunciavam a charanga.
Moradores da redondeza abandonavam o Professor Raimundo e sua escolinha sozinhos dentro de casa e corriam para ver por mais uma vez a banda. Uns abriam as janelas, outros iam aos portões e muros. Os vizinhos ainda conversavam. As mães eram donas de casa. Os pais haviam recém chegado do trabalho com os pés apertados nos sapatos, o suor na testa, a camisa amassado com os últimos botões já abertos.
Crianças de bicicleta e os cachorros da vizinhança seguiam a charanga pela meia dúzia de quadras em que desfilavam. Os músicos tentavam se concentrar, mas sorrisos escapavam pelos cantos dos lábios. Orgulho e vergonha andavam lado a lado nos sentimentos daqueles privilegiados.
Para quem precisava andar próximo da banda o mais complicado era não entrar no passo da marcha. O pé direito teimava em pisar mais forte, no batimento cardíaco do bumbo.
Entre as quatro fileiras de instrumentistas, Da Costa ordenava com os silvos de seu apito imperioso os toques precisos. O maestro deixava seus braços soltos em paralelo a seu corpanzil. Saltava com a leveza de um Ademir da Guia vestido com a camisa da Academia do Palmeiras e ameaçava tocar nos fios dos postes.
Neste ano infelizmente, por desgraça, a Gripe Suína não roubou apenas espaços imensuráveis nos assuntos cotidianos, furtou-me também o prazer lúdico de acompanhar os sons marciais como se eu fosse ainda um moleque, escorado com meus cotovelos imberbes no muro da casa onde passei a infância. Sem aulas, sem ensaios.
A primavera vai chegar sem alardes. Só as flores irão saudá-la.
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