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quarta-feira, agosto 12, 2009

Sentado nas próprias mãos

*Eduardo Daniel | www.twitter.com/eduardosdaniel

Tenho uma família materna grande. Minha mãe tem 15 irmãos! Meu saudoso avô Adolfo era um bugre com mistura portuguesa e minha avó Edite uma lusitana nata. É gente que gosta de se encontrar. Adora abraços, beijos e festas. As despedidas são longas e calorosas. Os reencontros marcados por braços estendidos ao máximo.

O Souza que herdei no nome e o Fernandes que carrego apenas no sangue não foram tão fortes para moldar parte importante de meu caráter quanto meu lado italiano Daniel, Favarin e Castelan. Ao contrário da parte materna, sempre fui introspectivo, com uma timidez acentuada e exagerada na infância.

Fugia dos afagos das tias e das primas mais velhas como o cavalo indomado foge da sela. Assim como as alcunhas pegam naqueles que a detestam, elas beijavam-me com muito mais afinco. Na sinceridade infantil, eu limpava o rosto da marca dos batons.

Os primeiros verões de minha vida foram na casa desses meus avôs, no Balneário Arroio do Silva, no extremo Sul de Santa Catarina. A residência ficava à beira-mar, separada pelo oceano pela faixa de areia da praia. A entrada era por trás e se chegava até ela após vencer um labirinto de ruas iguais umas às outras. Meu pai costumeiramente se perdia e a culpa caia para cima de minha pobre mãe, que com a paciência típica de sua família, ouvia calada os impropérios do seu Hugo.

A casa, de madeira, era recheada de quartos, beliches e sofás. Todos da família passavam ao menos alguns dias do verão ali. Nem os corredores escapavam da tarefa de servir de dormitório, com cortinas fazendo o papel de paredes e portas. Meu pai nos deixava lá – eu, minha irmã e minha mãe – e voltava para Tubarão. Alguém, desde que o mundo é mundo, tem que trabalhar para os outros vadiarem.

Dentro de casa eu era calado como uma pedra. Distraia-me apenas na rua, brincando com os primos e vizinhos e derretendo-me como todos os outros por uma vizinha uns dez anos mais velha. Guardo ainda na memória e no balcão da estante de minha biblioteca quatro dinossauros com peças de madeira imitando ossos, comprados em Arroio do Silva. Lembro também de um tombo. Dava uma de equilibrista até ser atrapalhado por uma corda de varal e cair de perna aberta no muro de salpico. Ralei do joelho à altura da virilha.

Com a minha extrema timidez criei algumas características peculiares. Uma delas era minha concentração com meus bonecos de Comandos em Ação. Brincava por horas a fio com os pensamentos em outro mundo. A outra marca lembrada até hoje nos traumatizantes e enormes encontros de família era a minha forma de sentar no sofá em minhas próprias mãos.

Curiosamente, já no carro a caminho de casa, sofria uma metamorfose e tornava-me outra criança. Tagarelava o tempo todo e contava tudo o que tinha acontecido naqueles dias.

Em tempo, no dicionário, um tímido é aquele “que tem temor; assustado, medroso, receoso, sem coragem. Que não tem desembaraço; acanhado. Incerto, débil, dúbio, fraco". Timidez no “mata-burro” é “acanhamento excessivo, fraqueza de ânimo".

Era pra ser com alegria, mas é com profundo desconforto que descobri que o meu Grêmio no Campeonato Brasileiro deste ano tem algo incrivelmente em comum com a minha infância: é desesperadamente tímido.

Se em casa o time é imbatível – dois empates e sete vitórias – fora, os números são um antônimo desanimador: dois empates e sete derrotas. O Grêmio precisa procurar um psicólogo para perder essa timidez.

O Tricolor Gaúcho tem dois caminhos: ou se torna mais solto fora de casa para almejar uma recompensa no campeonato ou segue sentado nas próprias mãos, assistindo introspectivo os outros jogarem futebol.

No domingo, o Grêmio recebe o Flamengo, em Porto Alegre.

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Colaboradores Ana Carla Teixeira, Anderson Paes, Camila Rufine, Carlos Karan, Deyse Zarichta, Eduardo Daniel, Emanuela Silva, Emanuelle Querino,
Emmanuel Carvalho, Fabiano Bordignon, Fabrício Espíndola, Francine de Mattos, Gabriel Guedes, Germaá Oliveira, Guilherme Marcon, Isabel Cunha, Kellen Baesso, Manuela Prá, Patrícia Martins, Thiago Antunes, Thiago Schwartz, Tiago Tavares, Valter Ziantoni,Van Luchiari, Vanessa Feltrin, Vitor S. Castelo Branco, Viviany Pfleger

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