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Destaque Quitandas e a volta aos tempos românticos Thiago Schwartz


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sábado, setembro 19, 2009

Prova oral

*Eduardo Daniel | www.twitter.com/eduardosdaniel

Não existe viva alma que tenha estudado na Escola Técnica Diomício Freitas, em Tubarão, no Sul Catarinense, entre o final dos anos 80 e meados dos 90, que desconheça a história de uma professora que foi flagrada aplicando uma “prova oral” em um professor na biblioteca do colégio.

Uma lenda? Certamente jamais teremos a comprovação. De todo modo, íamos à forra quando a professora: uma morena, balzaquiana à época, baixinha, sempre com decotes provocantes, de sardas castanhas em seu peito alvo e um perfume que a seguia pelo imenso corredor da escola. Não era bonita, mas quem a visse de costas era capaz de trocar um reino por uma encostada bem dada.

Pois a pobre sofria a perseguição dos endiabrados do fundão, entre eles, este insignificante escriba. Gracejos e trocadilhos com seu nome eram proferidos por aqueles que não temiam baixar o calão nem ter seu nome eternizado na lista negra da escola.

Para nós, no auge das manifestações hormonais, pouco importava se não existia uma testemunha ocular da história para contar e comprovar ínterim por ínterim o acontecido. Todo mundo sabia e se todo mundo sabia, era verdade.

O que aconteceu naquela biblioteca entre os dois amantes professores, deve ter deixado Aurélio Buarque de Holanda sem palavras, com seu dicionário recheado de expressões adormecidas no ostracismo.

Os tomos didáticos de Geografia não descreveriam tão bem os relevos dos corpos; os de Matemática, não calculariam as chances de serem pegos; os de Língua Portuguesa, não encontrariam regras para os monossílabos emitidos em uníssono; os de Ciências, enfim, não seriam capazes de medir os níveis de adrenalina no coração do casal de docentes amantes.

Os volumes e verbetes das enciclopédias dividiram-se entre os horrorizados e os entusiasmados. Gritinhos de revolta e regozijo ecoavam das páginas mordiscadas pelas traças oportunistas.

O canhoto Machado de Assis, ao lado de Brás Cubas, Capitu, Quincas Borba e companhia, emudecidos, acompanhavam sem desgrudas os olhos do despudor no educandário.

Graciliano Ramos tivesse visto antes aquele destempero sexual, provavelmente mudaria o título de seu Memórias do Cárcere para Memórias da Biblioteca. É possível que até a cachorra Baleia, o animalzinho de estimação da família de Fabiano, flagelados pela seca, tenha sentido as faces ruborizadas com a cena.

Nem dona Flor, Tieta e Gabriela resistiram e pararam para assistir, ao lado, é claro, de Jorge Amado.

Antonio Conselheiro, seus seguidores e Euclides da Cunha, devem ter ficados estarrecidos com os descaminhos da República. Erguerem suas toscas armas e bradaram pela Monarquia uma vez mais.

Nelson Rodrigues, antes que esqueça, foi um dos poucos que se deliciou com o que viu. Só faltou para ele, um marido traído e uma vingança à bala.

O médico, diplomata e escritor Guimarães Rosa, com o sertanejo Riobaldo e o chefe dos jagunços Diadorim, teriam novidades para levar aos sertões dos muitos Brasis.

Nem a previsão fúnebre da cartomante ou a tuberculose da infeliz retirante Macabéa foram mais fortes que o choque tomado por ela e Clarice Lispector naquele instante memorável.

Dom Quixote e menos ainda Cervantes, viram tamanha fábula em todas as peripécias errantes do cavaleiro castelhano.

Talvez apenas o Senado brasileiro consiga repetir segredos que repetem aos ventos como verdade, mas ninguém prova nada, como fizeram aqueles dois professores há vinte e tantos anos. Estão aí os atos secretos que não deixam meu nariz crescer. Por debaixo dos tapetes, entre cochichos ao pé do ouvido atrás de portas trancadas, tem senador que nomeia, desnomeia, manda e desmanda.

Democracia nem sempre significa transparência. De lendas anunciadas e jamais comprovadas, apuradas ou investigadas, o Senado está cheio. Assim como com aqueles dois pobres professores que sofreram por uma carreira com piadinhas infames, vamos rindo dos políticos, sem nos preocuparmos com as verdades escondidas e o resultado do jogo, na maioria das vezes, favorável a eles, que seguem em seus atos secretos e sacanas.

2 comentários:

Anônimo disse...

uma verdade é só uma mentira repetida várias vezes

Raul Seixas disse...

Um anjo embriagado num disco voador
Jurou que o nosso amor era pecado
Mas a história mostra
Que a gente agrada a deus
Fazendo o que o diabo gosta

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CONTATO
Colaboradores Ana Carla Teixeira, Anderson Paes, Camila Rufine, Carlos Karan, Deyse Zarichta, Eduardo Daniel, Emanuela Silva, Emanuelle Querino,
Emmanuel Carvalho, Fabiano Bordignon, Fabrício Espíndola, Francine de Mattos, Gabriel Guedes, Germaá Oliveira, Guilherme Marcon, Isabel Cunha, Kellen Baesso, Manuela Prá, Patrícia Martins, Thiago Antunes, Thiago Schwartz, Tiago Tavares, Valter Ziantoni,Van Luchiari, Vanessa Feltrin, Vitor S. Castelo Branco, Viviany Pfleger

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