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quarta-feira, julho 01, 2009

Enquanto houver peixe...
(ou 'Conto pra foca dormir')

*Anderson Paes | www.twitter.com/andersonpaes

Toda manhã João Roberto entrega folhetos no centro de Porto Alegre. Do outro lado da rua ele vê o prédio antigo do jornal Correio do Povo. João Roberto decidiu ser jornalista. Com quase 20 anos, ele tem muito a dizer. Mas nunca teve a chance nem o dinheiro pra estudar até conseguir entrar na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Recentemente viu no Jornal Nacional que não precisa mais fazer faculdade para ser jornalista. João Roberto ficou contente, vai poder dizer tudo o que sempre quis. E como sempre trabalhou com texto, pelo menos o dos folhetos que traz da gráfica, espera se dar bem – não que jornalista ganhe bem, pelo contrário; ele sabe disso.

João sabe que no Brasil, assim como em outros lugares do mundo, tem direito a falar o que quiser e a pensar como quiser. Mas não tem espaço, não é ouvido – e disso ele reclama. Cansou de mandar cartas para a redação. Enquanto isso, o Jornal do outro lado da rua, a TV, a Rádio, expressam a ideia de alguns e alcançam estados inteiros. Mas João não precisa de tanto, ficaria contente de ser lido só na Rua da Praia.

A diferença se dá no dinheiro. Jornalismo virou atividade econômica. As empresas lucram, acham espaços para os anúncios até sobre as fotos, e pagam mal a quem escreve e faz o jornal. Jornalistas, muitos com diploma na mão – ou guardado num envelope – ficam desmotivados e não escrevem mais do mesmo jeito. A categoria não é tão unida, muito menos regulamentada. João não está preocupado com isso, sua atividade, pelo menos por enquanto, ainda é “humanista”. Um jornalismo como dever social.

Em parceria com o sujeito da gráfica a Folhinha da Praia saiu. Um anunciozinho daqui, outro dali, e, paga-se a impressão. Sem falar que anúncio de jornal dá mais dinheiro que folheto pra distribuir na rua.

— João Roberto, jornalista. Muito prazer.

Os dias passam e a Folhinha ganha leitores, distribuição gratuita – os anúncios dão conta disso; além de pagar a impressão João ainda tira uns trocados no fim do mês. E ele escreve bem, até recebe um olhar desconfiado dum editor da Grande Mídia – que continua puto por não precisar mais de diploma para exercer a profissão; teme que o salário possa diminuir por causa da concorrência iletrada.

Mas o mercado de trabalho mudou. Tudo muda. João, jornalista, sem cursar jornalismo, é convidado a trabalhar num jornal “de verdade”. Ele recusa: — Pagavam mal porque não fiz faculdade. Estou melhor assim.

João continuou com a sua Folhinha. Largou os folhetos. O editor desconfiado seguiu como editor e seu salário continua igual. O jornal onde ele trabalha continua contratando jornalistas que cursaram faculdade – e exige cada vez mais. A decisão de não exigir o diploma para o exercício do jornalismo fez com o que os jornalistas graduados retomassem o gosto pela profissão e uniu a classe. Voltaram a fazer o que sempre quiseram e continuam conquistando novos espaços. Nos impressos e eletrônicos – até mesmo nos blogs –, vemos agora um jornalismo motivado, com mais informação do que aspas.

E o povo, assim como João Roberto, tem agora seu espaço livre do poder econômico e das estranhas relações da grande mídia. A Folhinha do João também embrulha peixe no fim de semana.

1 comentários:

Viviany disse...

O João Roberto é empreendedor. Ponto. ;)

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CONTATO
Colaboradores Ana Carla Teixeira, Anderson Paes, Camila Rufine, Carlos Karan, Deyse Zarichta, Eduardo Daniel, Emanuela Silva, Emanuelle Querino,
Emmanuel Carvalho, Fabiano Bordignon, Fabrício Espíndola, Francine de Mattos, Gabriel Guedes, Germaá Oliveira, Guilherme Marcon, Isabel Cunha, Kellen Baesso, Manuela Prá, Patrícia Martins, Thiago Antunes, Thiago Schwartz, Tiago Tavares, Valter Ziantoni,Van Luchiari, Vanessa Feltrin, Vitor S. Castelo Branco, Viviany Pfleger

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