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domingo, agosto 23, 2009

Tapas, chutes e uma guerra perdida

*Eduardo Daniel | www.twitter.com/eduardosdaniel

Cada uma das partes de um conflito sempre conta a história à sua maneira. Desde um arranca-rabo doméstico a um conflito mundial. Quase nada muda.

Tenho 30 anos e até hoje briguei apenas uma vez na rua. Se é que alguém pode chamar de briga aquele entrevero da saída da aula quando estava na 7ª série. Sempre fui um sujeito pacato, embora com alguns acessos de irritação corriqueiros e isolados. Naquele ano assumi de vez meu lugar na turma do fundão e dali sairia muito tempo mais tarde.

Naquela classe estudava um rapaz atarracado, o tipo baixinho metido a valentão. Frank é o nome dele. Volta e meia passo por ele nas ruas da minha pequena Tubarão, ao Sul de Santa Catarina, mas nunca mais nos cumprimentamos.

O Frank era o goleiro do time de futebol de salão da turma. Quase todo time de salão tem um arqueiro com o biotipo do Frank. É fácil imaginar. Tinha em sim uma aura que procurava encrenca em todo o canto. Andava com o peito estufado provocando todos com o olhar. Normalmente se metia com quem nada tinha que ver com o que ele pensava.

Certo dia, durante o recreio (o que hoje chamam de intervalo), mal terminei meu pastel de carne acompanhado de um Chocoleite e deixei meu instinto animal prevalecer. Fui tomar as dores de uma infeliz vítima do tal Frank.

Como contei no início da conversa, briguei apenas uma vez na vida e foi justamente naquela. Tinha tudo pra levar a maior surra. O Frank era temido por todos. Num primeiro momento fui salvo pelo gongo, quando acabaram os 15 minutos de vadiagem. Trocamos um empurrão de cada, sem ninguém da turma do deixa disso se manifestar e juramos um novo encontro na saída.

Não lembro dos minutos que antecederam o grande embate, como não faço ideia de como a notícia se espalhou por toda a escola. Admito que não queria brigar. Não sabia nem como brigar. Eu era do tipo sossegado: óculos de grau e cabelo lambido.

Apertei o passo na saída. Na esquina uma multidão já estava formada. Olhavam para mim como estivessem no Coliseu de Roma e eu fosse um pobre cristão a caminho do encontro com um leão. Não sei com quais palavras Frank me chamou, mas me fez parar e virar para trás. A roda se abriu.

A briga foi rápida. Até hoje sempre disse que eu venci. Que quebrei o relógio dele. Mas, omitia um detalhe: antes ele me deu um tapa desmoralizante nos óculos, que voaram. Fiquei sem saber o que fazer. A única reação foi um chute perdido, sem nenhuma habilidade, que por sorte minha, aterrissou meu pé direito no querido relógio do Frank.

Ele parou para verificar o estrago e eu corri atrás dos meus óculos que, pasmem, estavam intactos.

Levei esse tempo para admitir que nessa briga estapafúrdia não existiu vencedores e que levei esse tapa constrangedor. Mesmo assim, só contei para vocês, que sei, irão guardar segredo. Não sei se o Frank, algum dia confessou quase ter chorado por aquele relógio, mas certamente vangloriou-se destilando sua versão sobre a briga e elevando ao máximo o tapa que me deu.

Assim como naquela infeliz tarde em que todo o colégio parou para nos ver brigar, o mundo parou para ver os Estados Unidos contra os vietcongs. Entre 1959 e 1975 a Guerra do Vietnã tomou conta das atenções mundiais.

Cinquenta anos depois do início do conflito travado no Sudeste Asiático, entre o Vietnã do Norte e seus aliados comunistas e o Vietnã do Sul apoiado pelos Estados Unidos – que entraram na guerra em 1965 após ataques provocativos a embarcações na costa vietnamita.

A guerra para os americanos durou oito anos. Em 1973 eles retiraram suas desmanteladas e humilhadas tropas de solo asiático. O governo do Vietnã do Sul entrou em colapso e os guerrilheiros e soldados comandados por Ho Chi Minh invadiram e ocuparam Saigon em abril de 1975, provocando a rendição integral do exército sul-vietnamita.

Na nossa cultura ocidental com influência maciça do capitalismo liderado pelos Estados Unidos, as cinco décadas do início da Guerra do Vietnã certamente passaram quase que despercebidas, ao contrário dos 40 anos do festival de Woodstock realizado em 1969 e é lembrado à beça.

Os americanos em rituais discretos irão lembrar suas vítimas e os que pregaram em favor da "paz e amor" contra a Guerra do Vietnã tentarão em vão levar o tema para reflexões. No Vietnã do Norte, considerados vencedores do conflito, é certo que desfiles militares e muita exibição armamentista marcarão a passagem da data.

O costume é sempre determinar um vencedor e um derrotado em qualquer conflito e mesmo que ele não exista, sempre uma parte puxará a brasa para sua sardinha.

Na pequena briga que travei com Frank, exalto o relógio que quebrei do adversário e escondo o tapa que levei nos óculos. Ele deve narrar os fatos como meu algoz ao me arrancar os aros pretos com fundos de garrafa do rosto com um safanão. Na realidade, perderam os dois. Ele com o relógio quebrado e eu com a dignidade no chão.

Na Guerra do Vietnã, os derrotados Estados Unidos contabilizaram aproximadamente 50 mil mortos. O vencedor Vietnã do Norte, que teve seu país arrasado e parte considerável de sua população economicamente ativa morta, olhando-se no espelho atualmente não deve ter muitos motivos para se achar um vencedor.

Do lado Norte e do lado Sul, os Vietnãs perderem algo em torno de quatro milhões de vidas, além de outros dois milhões de cambojanos e laocianos, arrastados para a guerra com a propagação do conflito.

2 comentários:

Anônimo disse...

A história é contada pelos vencedores... pergunta no Paraguay o que ensinam sobre a "Guerra do Paraguay" por lá

Leonardo Coelho Costa disse...

A Guerra do Vietnã foi diferenta da Segunda Guerra, por exemplo, quando aconteceu uma luta contra invasões e um ideal racista e discriminatório.

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Colaboradores Ana Carla Teixeira, Anderson Paes, Camila Rufine, Carlos Karan, Deyse Zarichta, Eduardo Daniel, Emanuela Silva, Emanuelle Querino,
Emmanuel Carvalho, Fabiano Bordignon, Fabrício Espíndola, Francine de Mattos, Gabriel Guedes, Germaá Oliveira, Guilherme Marcon, Isabel Cunha, Kellen Baesso, Manuela Prá, Patrícia Martins, Thiago Antunes, Thiago Schwartz, Tiago Tavares, Valter Ziantoni,Van Luchiari, Vanessa Feltrin, Vitor S. Castelo Branco, Viviany Pfleger

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