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segunda-feira, junho 29, 2009

Do ensino de jornalismo para gente nova

*Anderson Paes | www.twitter.com/andersonpaes

É possível, e bem provável, que os que hoje ocupam as salas de aula da faculdade de Jornalismo tenham tido uma formação que não lhes ensinou a pensar. O ensino fundamental no Brasil ainda não forma livres-pensadores – ensina-se mais a crer do que a questionar. Quando chegam ao ensino médio a realidade é outra: o vestibular. As preocupações com a tão difamada prova duram três anos e então chegam à universidade – por sinal, jovens demais. São considerados jovens demais, porque espera-se que com a idade as pessoas se interessem por buscar o conhecimento – e não só navegar por informações. E então, nas salas de aula, são pessoas cheias de emoção e, às vezes, vazias de razão e de lógica. Estas são questões importantes no jornalismo e como nem todos foram formados com a presença delas, poderão passar por constrangimentos.

Distinguir as variações da história e refletir sobre as verdades apresentadas deve ser natural do jornalista. É mais ou menos como responder a uma questão aparentemente simples: por ser simples na aparência, hesitamos; ao hesitar, pensamentos algumas vezes antes de responder e então, ficamos mais próximos da resposta errada. Se a lógica fosse natural a resposta assim seria também – sem medo ou preocupações. Essas situações vêm de questões humanas – apresentadas na filosofia, sociologia, antropologia –, muitas delas ignoradas nos primeiros anos do curso por pessoas jovens demais. Possivelmente por não terem sido estimulados a pensar, buscam o que já está feito. O que leva alguns àquela que podemos chamar de “síndrome do ctrl-c, ctrl-v”.

Após passarem pelas disciplinas de Psicologia, Sociologia e Epistemologia – desde que tenham aprendido de verdade e não apenas presenciado as aulas – deveriam ser estimulados a ler obras que mostrem as versões da realidade e como pode-se conviver com elas. Um bom exemplo e adequado a esta profissão é Como vencer um debate sem precisar ter razão, de Arthur Schopenhauer, pois passarão por situações duvidosas com os mais variados tipos de pessoas. Este e outros clássicos de grandes autores são importantes por mostrarem situações humanas reais e seus temas seguem atualizados. Outros autores como George Orwell e Hunter Thompson – de tempos mais recentes – também são relevantes para se conhecer estilos literários. Porém, estes autores não só apresentavam estilos como também conteúdo em seus escritos.

A questão do conteúdo está diretamente ligada à paixão do jornalista pela sua profissão. Por ser passional, pode inconscientemente fugir da neutralidade esperada – da imparcialidade do jornalismo. Bertrand Russell disse em seus Ensaios Céticos que as pessoas são mais passionais que racionais, e, por isso, agem da maneira que agem. Portanto, seria interessante considerar um certo ceticismo no trabalho jornalístico. Um ceticismo realista, diferente daquele ceticismo chato que duvida de tudo.

Russell propôs mais dez mandamentos ao mundo, que podem ser aplicados também ao jornalismo:
1. Não tenhas certeza absoluta de nada.
2. Não consideres que valha a pena proceder escondendo evidências, pois as evidências inevitavelmente virão à luz.
3. Nunca tentes desencorajar o pensamento, pois com certeza tu terás sucesso.
4. Quando encontrares oposição, mesmo que seja de teu cônjuge ou de tuas crianças, esforça-te para superá-la pelo argumento, e não pela autoridade, pois uma vitória dependente da autoridade é irreal e ilusória.
5. Não tenhas respeito pela autoridade dos outros, pois há sempre autoridades contrárias a serem achadas.
6. Não uses o poder para suprimir opiniões que consideres perniciosas, pois as opiniões irão suprimir-te.
7. Não tenhas medo de possuir opiniões excêntricas, pois todas as opiniões hoje aceitas foram um dia consideradas excêntricas.
8. Encontres mais prazer em desacordo inteligente do que em concordância passiva, pois, se valorizas a inteligência como deverias, o primeiro será um acordo mais profundo que a segunda.
9. Sê escrupulosamente verdadeiro, mesmo que a verdade seja inconveniente, pois será mais inconveniente se tentares escondê-la.
10. Não tenhas inveja daqueles que vivem num paraíso dos tolos, pois apenas um tolo o consideraria um paraíso.

Para um novo jornalista, os mandamentos acima serão úteis no dia-a-dia da profissão. Ao lidar com jornalistas mais experientes, por exemplo, busque mostrar a razão de você pensar como pensa – só não tente pensar como eles pensam. Seja um livre-pensador.

Sugestões:
BALZAC, Honoré. Os Jornalistas. Rio de Janeiro. Ediouro, 1999.
DESCARTES, René. Discurso do Método. Porto Alegre. L&PM, 2005.
ERASMO. Elogio da Loucura. Porto Alegre. L&PM, 2003.
FORTES, Leonardo. Jornalismo Investigativo. São Paulo. Contexto, 2005.
NOBLAT, Ricardo. A arte de escrever um jornal diário. São Paulo. Contexto, 2005.
ORWELL, George. Na pior em Paris e Londres. São Paulo. Cia. das Letras, 2005.
RUSSELL, Bertrand. Ensaios Céticos. Porto Alegre. L&PM, 2008.
SCHOPENHAUER, Arthur. Como vencer um debate sem precisar ter razão. Rio de Janeiro. Topbooks, 2003.
THOMPSON, Hunter S. A grande caçada aos tubarões. São Paulo. Conrad, 2004.
VOLTAIRE. Conselhos a um jornalista. Martins Fontes. São Paulo, 2006.

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CONTATO
Colaboradores Ana Carla Teixeira, Anderson Paes, Camila Rufine, Carlos Karan, Deyse Zarichta, Eduardo Daniel, Emanuela Silva, Emanuelle Querino,
Emmanuel Carvalho, Fabiano Bordignon, Fabrício Espíndola, Francine de Mattos, Gabriel Guedes, Germaá Oliveira, Guilherme Marcon, Isabel Cunha, Kellen Baesso, Manuela Prá, Patrícia Martins, Thiago Antunes, Thiago Schwartz, Tiago Tavares, Valter Ziantoni,Van Luchiari, Vanessa Feltrin, Vitor S. Castelo Branco, Viviany Pfleger

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