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terça-feira, agosto 10, 2010

Nas entrelinhas do Cálice e a ditadura militar

*Emanuela da Silva  | www.twitter.com/manujnl

A forma como o governo pensava sobre a classe artitisca: O regime militar da época pode ser definido como simples, controlador, ditador, pois "isolado, cantando para a classe média da cultura, o artitista não era um perigo", no entando a estratégia do governo mudou depois da radicalização que atingiu a classe média.

Cálice
(Chico Buarque)



Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
Afastar a repressão comemorada com vinho simbolizando o sangue dos muitos torturados, cálice: aquiete-se, não fale... essa bebida tão amarga pro corpo dos perseguidos e para a sociedade.
De vinho tinto de sangue

Como beber dessa bebida amarga
Tragar a dor, engolir a labuta
Mesmo calada a boca, resta o peito
Silêncio na cidade não se escuta
De que me vale ser filho da santa
Melhor seria ser filho da outra
Neste período as casas dos presos políticos eram invadidas muitas mulheres foram espancadas, estupradas e mortas.

Outra realidade menos morta
Tanta mentira, tanta força bruta
Como é difícil acordar calado
Calar é a ordem , ficar mudo diante da injustiça, calar para não denúnciar,
e durante a noite as tropas saiam perseguindo os "traidores" ao regime.


Se na calada da noite eu me dano
Quero lançar um grito desumano
Torturas de todos os tipos físicos e morais, a morte não era nada perto das agressões , humilhações nos porões do DOI-CODI, e do DOPS quero gritar e mostrar tudo o que não pode ser visto.

Que é uma maneira de ser escutado
Esse silêncio todo me atordoa
Censura nos jornais, músicas, revistas, rádios e tvs nada pode ser denunciado sobre o regime. Em silêncio muitos corpos foram atirados em corregos, outros apodreceram em hospícios com nomes trocados sob torturas, choque elétricos, remédios etc..

Atordoado eu permaneço atento
Na arquibancada pra a qualquer momento
Ver emergir o monstro da lagoa
De muito gorda a porca já não anda
"A porca" referente ao governo, golpes,desvio de verbas, armas compradas com capital estrangeiro, a corja do poder.

De muito usada a faca já não corta
Como é difícil, pai, abrir a porta
É impossível andar nas ruas os toques de recolher se estivesse em lugares não altorizados sem documentação cadeia na certa.

Essa palavra presa na garganta
Esse pileque homérico no mundo
Só beber para esquecer o caos a ilusão que alimenta o coração dos deseperados sem solução, condenados.

De que adianta ter boa vontade
Mesmo calado o peito, resta a cuca
Dos bêbados do centro da cidade
Talvez o mundo não seja pequeno
Nem seja a vida um fato consumado
Quero inventar o meu próprio pecado
Quero morrer do meu próprio veneno
Quero perder de vez tua cabeça
Não a minha mas a quem me atrapalha , meus planos, perder acabar com o juízo transformar em loucos.


Minha cabeça perder teu juízo
Não juízo que não o do regime o poder dos militares só está voz poderia ser ouvida. Beber esquecer a repressão,revolta, tentar achar uma solução na alienação.

Quero cheirar fumaça de óleo diesel
Fumaça sinal do progresso, a indústria nas capitais.

Me embriagar até que alguem me esqueça

O autor da música Cálice , Chico Buarque de Holanda foi um dos autores mais perseguidos pela posição política teve suas composições censuradas. Foi para o Exílio na Itália, em 1970, a época era marcada pela repressão militar pois o AI-5 (ato instiucional numero cinco, 13/12/1968), instaurou no país medo, revoltas e punições severas em todos os segmentos sociais e culturais.

Nada escapava aos olhos e ouvidos atentos do regime militar, essa foi a fase mais criativa da MBP, porque a vontade de falar inspirou músicas como Cálice, Construção, O bêbado e a equilibrista, Mestre Sala das Marés, Pra Não dizer que não falei das flores, e muitas outras.

Voltando a Chico, começou a usar o pseudonimo Julinho da Adelaide. Os trechos destacados na letra acima é uma pequena interpretação do período militar no Brasil. O contexto histórico é muito mais amplo, as entrelinhas sugerem diversas interpretações. Exemplos da crueldade da época de acordo com Arns (1985, p.39):

O interrogado sofreu espancamento com um cassetete de alumínio nas nádegas, até deixá-lo, naquele local, em, carne viva, o colocaram sobre latas abertas, que se recorda bem , eram de massa de tomates, para que ali se equilibrassem, descalços, e, toda vez que ia perdendo o equilíbrio acionavam uma máquina que reproduzia choques elétricos , o que obrigava ao interrogado à recuperação do equilíbrio [..] a interro gada quer ainda declarar que durante a primeira fase do interrogatório fortam colocadas baratas sobre seu corpo e introduzida uma no seu ânus.

A pessoa acima torturada era uma mulher, imaginem o que mais esconde a nossa história? Muita dor vergonha, sangue, corpos nunca encontrados uma mancha irreversível na memória brasileira.

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